TEXTOS    SOLTOS


Os textos soltos mais não são do que uma compilação de várias opiniões ou intervenções publicadas pelo autor em fóruns ou revistas da especialidade ou de temas de terceiros que nos pareceram importantes pelo seu conteúdo. Porque tratam de assuntos tão diversos como a gestão cinegética, a ética e os "códigos" de conduta, ou até mesmo as tradições da Caça Maior, todos eles serão precedidos de uma breve explicação sobre o motivo e o momento que levou á sua apresentação.


CRÓNICA DE (MAIS) UMA ESPERA AOS JAVALIS

No passado mês de Maio tive de encarar o problema de não ter zona de caça para fazer esperas nocturnas aos javalis. A Z.C.T de Portel onde até então tinha estado a caçar teve significativas alterações do meio devido a um corte de eucaliptos e como se sabe, numa zona onde a tranquilidade é fortemente posta em causa devido ao barulho das moto serras, vozearia dos trabalhadores da madeira e veículos de transporte entrando e saindo, os javalis fazem o possível por “emigrar” em busca do dito sossego. E neste caso emigraram para parte incerta.

Onde caçar então na Lua de Junho?

Dando volta à minha vasta lista de contactos cinegéticos, encontro uma mensagem de telemóvel proveniente de um matilheiro conhecido informando das condições para as esperas aos javalis na Zona de Caça Turística da Torre das Vargens, junto a Ponte de Sôr.

Antes de qualquer contacto tratei de recolher o máximo de informação actualizada sob a região que outrora sabia ser bem frequentada pela espécie e abundante de efectivos, Restava saber se essas condições ainda se mantinham.

Satisfeito positivamente o desejo de informação contactei o responsável pela exploração das esperas acertando pormenores e manifestando os meus desejos e anseios em relação a este tipo de caça, como por exemplo os factos de não caçar pela carne e apenas me interessarem os animais de troféu. Garantiram-me que assim seria pois a zona de caça dispunha de dezoito postos de caça activos e por isso haveria muito por onde escolher. E para que a escolha fosse mais facilitada optei por caçar logo na primeira noite do período hábil, dia 16 de Maio.

 

Cheguei ligeiramente antes da hora combinada à aldeia da Torre das Vargens, não sem antes ter feito uma breve paragem na Ponte de Sôr para preparar o período nocturno com uma das afamadas bifanas acompanhada por uma “loirinha” bem gelada que, com as temperaturas de 36º que se faziam sentir, veio mais do que a calhar. Pouco depois chegaram os responsáveis pelas esperas: o Sérgio Ferreira e o seu ajudante de campo, Francisco.

Depois de uma breve troca de impressões sempre com a afirmação de que a maioria dos postos estavam bem seguidos, decidiram-se pela escolha do local que me iam destinar e, face à possibilidade de escolha de quem me iria colocar, optei por que fosse a pessoa que habitualmente tratava do cevadouro, porque gosto de saber previamente (e sempre que possível) a “história” do posto que vou caçar.

E tal como mandam as boas práticas lá saímos para o campo umas duas horas antes do por do Sol, que naquele mês se punha às 21.00 .

A “história” do posto mencionava que apenas ia um javali comer naquele local e que a entrada era normalmente pela frente do cevadouro, junto a uma pequena azinheira, onde por vezes o porco se esfregava depois de se enlamear numa banha natural localizada a 10 metros à esquerda da comida. Agora se ele entrava tarde ou cedo ninguém sabia dizer.

Para mim chegava de informação. E tal como em qualquer outro caçador esperista, a ilusão instalou-se no meu subconsciente; mas ao mesmo tempo pensava que se calhar seria mais uma noite “em branco” pois a experiência dizia-me que esta coisa de “filhos únicos” tem sempre um grau de incerteza muito grande porque um javali macho, solitário e adulto é muito errante nas suas voltas e nem sempre comparece nos encontros que lhe são aprazados.

Tínhamos entrado ao posto pela parte de trás, ou seja do lado Sul estando o posto colocado à meia encosta e o cevadouro a cerca de 50 metros mais abaixo num pequeno planalto que o terreno propiciava. Demasiado curto para mim e para as distâncias a que gosto de caçar, mas como o terreno estava praticamente despejado de mato e de arbustos,  pensei que talvez, apenas talvez, a “coisa” pudesse correr bem.

E lá fiquei esperando na acalmia do fim de tarde, com uma ligeira brisa bastante agradável e franca entrando pela janela do palanque térreo, mantendo o ar firme na sua direcção durante aqueles últimos momentos de luz natural.

Ainda cedo e com luz de dia, pareceu-me sentir um ligeiro sopro que nada tinha a ver com a brisa, atrás de mim e um pouco à direita e aí pensei que estava a imaginar sons, o que é normal acontecer quando se está em quietude e com todos os sentidos altamente despertos. Mas ao mesmo tempo pensei:

“ Se for um porco não vai, de certeza, entrar pois está sobre os meus passos de chegada e vai sentir-me e desconfiar. Se não for, melhor, porque ainda é muito cedo e devo estar a imaginar!”

Às 21.00, com o Sol já posto mas ainda com muita claridade, novo sopro ligeiro sentido na mesma área mas agora um pouco mais adiante e aí confirmei que de certeza era um javali que muito calmamente e devagar fazia a sua aproximação ao cevadouro. Como o terreno estava praticamente limpo imaginei-o a deslocar-se muito devagar, divagando de azinheira em azinheira furtando-se assim a algum percalço e tomando ventos de controle da região.

E não mais me mexi nem movimentei dentro do palanque controlando inclusivamente a respiração pois calculei que o bicho poderia estar a não mais do que 25 ou 30 metros à minha direita, se calhar até a observar o palanque e não queria que ele sequer suspeitasse de uma presença humana naquele local.

O vento, esse, felizmente esteve sempre a meu favor: nem demasiado brando nem demasiado rijo e perfeitamente fixo na sua direcção, de “cara”.

Alguns largos minutos mais tarde, novo sopro ligeiro, perfeitamente nítido entre a minha posição e a do cevadouro. Uma olhadela rápida ao relógio confirmou serem 21.35, apesar do crepúsculo da tarde ainda deixar ver a olho nu a uma razoável distância. Como se calcula o meu pensamento corria mais rápido que todos os seres vivos existentes nas redondezas:

“ Já passou para diante e afinal não me apanhou o ar, nem desconfiou”

“ Provavelmente está à aguardar o cair da noite para com a proteção do escuro entrar à comida”…

Cerca de 10 minutos mais tarde, percebo o som dum ramo seco que se parte à direita do cevadouro e ao mesmo nível deste, seguido de novo sopro ligeiro.

“ Vai entrar pela direita” pensei e logo pego nos binóculos 10x50 já velhinhos de tantas e tantas noites de esperas e tento verificar a entrada do intruso. Mas… nada de nada. Nem sons, nem sopros, nem porco. NADA!

Tentei acalmar o ritmo cardíaco e pensei que se calhar se tinha ido embora, fosse por desconfiança fosse por qualquer outro motivo. E de novo voltou o pensamento de se tratar de mais uma noite em branco. E recostei-me na cadeira aguardando o que a Sorte me reservasse.

Alguns momentos mais tarde e já com muito pouca luz do crepúsculo e exactamente naquela fase do dia e que se vê muito mal por já não ser de dia e ainda não ser de noite, pareceu-me notar uma sombra que silenciosa e vagarosamente se movia, agora pelo lado esquerdo do cevadouro.

Binóculos na cara com muita calma e confirmo que o meu visitante está finalmente a entrar à comida. Vem muito lento e sigiloso, meio encolhido pela falta de proteção do mato e começa a comer os bagos de milho espalhados à volta do tambor, sempre de costas para mim. Uma vez por outra levantava a cabeça e arrebitava as orelhas na direcção do vento como que tentando detectar algum sinal de perigo.

Pelo vulto parecia-me um macho bastante razoável apesar de não corresponder ao meu critério de porco grande. Mas porque sou paciente e o bicho já lá estava, decidi “dar-lhe tempo” para o apreciar melhor.

Tão sigiloso estava o animal que nem sequer conseguia aperceber-me do seu mastigar apesar da noite estar calma e o vento francamente fixo dele para mim.

E assim estivemos mais de um quarto de hora: o porco comendo de costas para mim, levantando a cabeça de quando em vez, e eu de binóculos na cara tentando medi-lo, pesá-lo e verificar se tinha algum troféu que fizesse o lance valer a pena.

Finalmente, o javali começa a virar-se para a esquerda e a ficar de atravessado, tal como eu estava à espera que acontecesse. Confirmo tratar-se de um macho com cerca de 80-85  kg e negro. Numa melhor apreciação do focinho parece-me que o lábio superior está algo mais largo no seu terço posterior e decido que se trata de um porco para atirar.

Mais alguns momentos de preparação que passaram pelo pegar na carabina, ligar o ponto vermelho do óculo, e retirar da segurança já com a arma na cara e apoiada.

Um tiro de coração da minha .270 rematou o lance de forma demasiado rápida.

Após o tiro e ainda pelo óculo, verifico que o animal está tombado de lado exactamente no local onde se encontrava, agitando ligeiramente uma das patas traseiras. No entanto e lembrando-me de outras andanças acciono rapidamente o manípulo da culatra e mantenho a mira em cima do vulto até que tudo termine, não fosse “ o diabo tecê-las”.

A fim de cumprir o tempo de espera que as normas de segurança referem, aproveito para ligar para o Sérgio, informando-o que estava despachado e que podia vir ter comigo para carregarmos o animal. O Sérgio, parecendo-me um pouco céptico com a informação achou ser ainda muito cedo (eram 22.10) e recomendou-me que esperasse mais algumas horas pois podia aparecer mais algum porco.

Expliquei-lhe então qual é o meu critério da caça de espera e fiz-lhe saber que não de tratava de “matar porcos” mas de Caçar um Porco. Só então descarreguei a carabina e fui ao local verificar “o meu” porco: cerca de 85 Kg bem tratados, com 3-4 anos de idade segundo a dentição, 4,5 cm de navalhas expostas, intactas e grossas ( 2,3 cm de diâmetro) e amoladeiras normais para a idade.

Não se tratava de nenhuma medalha nem pouco mais ou menos mas foi um animal que deu alguma “luta”, justificou o lance e que relança no espírito de qualquer esperista aquilo que é a verdadeira essência das esperas.

Finalmente parecia ter acertado com uma zona de caça para concluir a época das esperas. Mais tarde e continuando a caçar no mesmo local e com o mesmo pessoal, pude verificar o cuidado e carinho que esta equipa dedica ao trabalho de campo, ao tratamento dos cevadouros e à forma como recebe e atende os seus clientes.

Ao Sérgio e ao Francisco os meus agradecimentos pela forma como me receberam e pela simpatia com que me trataram ao longo dos últimos meses.

 

Z.C.T da Torre das Vargens, Junho de 2013.

 

Publicado na revista  Caça & Cães de Caça nº 193, em Novembro de 2013.

Texto e imagens do autor do domínio..

 


CORREÇÕES DAS DENSIDADES DAS ESPÉCIES QUE TÊM IMPACTO NA FAUNA E NA AGRICULTURA: solução ou desequilíbrio?

Na sequência do workshop recentemente realizado pelo C.P.M. veio mais uma vez à baila o tema das correcções de densidades das espécies de Caça Maior, assunto este que nem sempre é encarado por parte de todos os intervenientes com a maior responsabilidade. O presente texto mais nãp pretende que levar todos a pensar de forma mais clara sobre o assunto que tanta importância apresenta na sustentabilidade dos recursos faunísticos.

(Introdução)

A legislação atual sobre Caça e Ambiente prevê que sempre que se verifiquem estragos nos cultivos provocados pelas espécies animais estas possam ser alvo de medidas tendentes a minorar estes impactos. De igual forma prevê a correção da densidade dos predadores carnívoros quando estes, através da sua ação predadora, provocam alterações nas taxas de manutenção ou de crescimento populacional de outras espécies.

Chamam-se a estas ações medidas de Correção da Densidade, as quais, como o próprio nome indica, supõem a existência de elevado número de efetivos da espécie a controlar, ou seja de um significativo e observável excesso populacional das mesmas. Mas será que assim é?

O problema

Todos os que são parte interessada neste processo, caçadores e tutela incluídos, são unânimes em afirmar que tais ações não são um ato de caça mas apenas uma ação dita de gestão e de controlo de efetivos. No entanto a realidade dos últimos anos mostra-nos que nem sempre as coisas são encaradas desta maneira e para tal basta-nos olhar para muitos periódicos regionais ou apenas fazer uma rápida busca do assunto através da Internet.

Mas se estas ações se revestem do caráter de um mero ato de gestão então pressupõem a existência de medidas de ordenamento previamente definidas sem nos esquecermos do seu caráter de excecionalidade e será deste ponto de vista que passaremos a analisar tão controverso assunto.

Todos sabemos que qualquer agricultor quando prepara um cultivo, seja de tipo agrícola seja de tipo florestal, tentará desenvolver todas a ações possíveis e imagináveis para que a sua cultura vingue e lhe proporcione os frutos ou rendimentos espectáveis. Logo terá todo o direito, como qualquer outro proprietário, de evitar que circunstâncias alheias à sua vontade lhe venham destruir os frutos do seu labor.

Por outro lado estes cultivos não existem por si só na Natureza. Eles estão inseridos em ambientes que são igualmente ocupados por espécies animais umas bravias e outras domésticas e enquanto as segundas são de fácil controlo, no que se refere às primeiras esta questão torna-se bastante mais complicada e os ditos cultivos por constituírem quase sempre um recurso alimentar de qualidade para muitos herbívoros bravios são também frequentemente o único recurso alimentar disponível para algumas espécies animais e como tal não são poupadas. Assim seria de todo conveniente que o agricultor, tendo prévio conhecimento desta realidade, tivesse o cuidado de instalar as medidas de proteção necessárias ao bom desenvolvimento da cultura.

E o que dizer dos carnívoros selvagens que se alimentam obrigatoriamente de outras espécies de menor porte, quase todas elas consideradas como de caça como são o coelho, a lebre e a perdiz para referirmos apenas as espécies sedentárias que mais vulgarmente são consideradas como espécies objeto de exploração?

Sabemos que sempre que aumentam as populações presa aumenta nas mesmas proporções a predação sobre elas. Todos os gestores de zonas de caça menor sabem que para que uma população de coelhos ou de perdizes prolifere é necessário fazer um eficaz controlo de predadores sejam eles os mamíferos carnívoros (como a raposa e ou lobo, por exemplo) sejam os predadores alados (como as aves de rapina). E tal como anteriormente se disse estas ações de controlo de predadores estão frequentemente patenteadas e definidas nos planos de ordenamento e de exploração que têm de ser aprovados inicialmente pela tutela do setor.

Efeitos nas Culturas

À semelhança do que acontece com as espécies de caça menor, também as culturas têm um efeito de atração (digamos fatal) sobre algumas espécies de herbívoros selvagens como o javali e o veado. É o caso das culturas cerealíferas de primavera que atraem a gulodice dos ungulados silvestres tal como outras culturas de verão como são os milhos. E se muitas vezes os impactos destas espécies sobre as culturas referidas são visíveis, nem sempre o principio norteador das ações de correção da densidade – o elevado número de animais a provocar estragos - é uma realidade.

Conhecendo-se como se conhece a biologia das espécies de caça maior todos sabemos que quer o Javali quer o Veado têm uma enorme capacidade de deslocação diária nos trajetos que efetuam entre os locais de encame e os de alimentação (maior no caso dos primeiros do que no caso dos segundos). No caso dos Veados são as fêmeas ainda prenhes ou já em processo de aleitação das crias, as primeiras a “descobrir” as culturas e a fazer delas o seu repasto diário. No entanto logo que a se faz a colheita do cereal a maioria dos cervídeos volta ao seu território reduzindo significativamente as presenças sobre os restos da colheita. Neste caso a concentração de animais é meramente ocasional e não representa índices de sobrepovoamento da espécie nessa região mas tão só uma concentração ocasional.

No que se refere ao Javali algo de semelhante acontece. Dada a grande necessidade que a espécie tem de viver em zonas onde não falte a água as culturas de milho que se desenvolvem ao longo do verão constituem um triplo agrado para os javalis: facilitam água com fartura e em permanência numa época de estiagem, garantem uma alimentação “gulosa” e farta e ao mesmo tempo proporcionam um encame salutar e de grande proteção.

É pois por isso normal que se produzam também aqui concentrações ocasionais de javalis, as quais nem sempre (ou quase nunca) correspondem a elevado número de efetivos. Basta lembrar que o javali estraga mais do que o que come pois tem de partir as plantas pela base para poder alcançar o grão. Poucos animais fazem muitos estragos.

O que acontece então é que, perante a simples existência de uma cultura, javalis e veados de várias regiões se concentram na aérea da cultura sendo tão elevado o número de efetivos quanto maior a dimensão da área cultivada.

Por outro lado a estrutura organizacional do Estado não consegue ainda e por motivos que não vêm agora à luz desta análise, saber que património cinegético existe realmente. Os tão falados (e desejados) censos populacionais que deviam realizar-se pelos menos em três momentos distintos do ano, pura e simplesmente não existem nem sequer à dimensão sectorial. Para muitos os planos de caça anuais continuam a ser elaborados como base nos resultados observados e/ou obtidos no ano anterior mas que ninguém consegue saber se foram equilibrados ou excessivos, tão só porque ninguém consegue saber o que existe ou existia realmente em cada região.

A tão falada gestão global continua mais uma vez a pecar pela sua simples inexistência.

E se não se conhece o que realmente existe, como se pode então dizer que existe sobrepopulação de uma determinada espécie apenas como base nos estragos produzidos numa área especifica? Com base  no que referi, fácil se torna perceber que, na maioria dos casos, estamos apenas em presença de uma concentração temporária de efetivos os quais podem representar o total de população existente numa região.

Assim sendo estamos então em presença de dois tipos de ações de controlo de efeitos nocivos: uns provocados sobre a agricultura e outros provocados sobre as espécies animais objeto de exploração. Grosso modo podemos dizer que não existirão grandes diferenças entre uma e outra necessidade uma vez que, quer as primeiras quer as segundas, têm origem na ação humana e são um tipo de exploração tendente à geração de rendimento. E se assim é não se compreende porque motivo as duas situações são tratadas de forma tão distinta pela tutela e em certa medida até, por muitos empresários agrícolas e cinegéticos.

Por sua vez o Estado, prevendo a defesa dos interesses dos proprietários, autoriza a realização de ações de correção da densidade com o objetivo primordial de minimizar os estragos.

E se no caso dos predadores carnívoros praticamente proíbe o abate indiscriminado privilegiando a sua captura e posterior reintrodução em outras regiões onde os efetivos sejam manifestamente parcos (facto que também pode gerar muitos outros problemas de caráter ecológico), no caso especifico do javali e do veado e ao contrário de toda uma política conservacionista e de gestão apregoada para outras espécies, permite o seu abate.

E não só tem permitido o seu abate indiscriminado como até o tem autorizado através de processos que se afastam totalmente daquilo que devem ser as ditas ações de correção.

Depois chocamos com todo um conjunto de interesses venham eles de gestores cinegéticos, associações de caçadores, matilheiros e até de proprietários agrícolas que, apoiados no interesse financeiro, transformam o caráter de exceção destas ações em meras rotinas de venda de postos para atos de caça que despudoradamente anunciam com frequência em todos os meios de comunicação de massas. Estamos agora em presença das celebres “montarias” de Correção de Densidade que quase sempre se realizam fora do período legal.

 

Como resolver o problema

Nestas situações não podem existir dois pesos e duas medidas para uma mesma situação conforme se trate de diferentes formas de exploração ou até de diferentes regiões. Cabe à entidade organizadora da Caça definir as formas de lidar com este problema mas também de fazer cumprir as normas de gestão constantes na Lei. Para tal terá de garantir que a observação das ocorrências se produz em tempo útil e só depois deverá definir que tipo de ação deva ser realizada, baseada sempre em critérios rígidos de sustentabilidade.

Cada caso é um caso e tal como para o controle dos predadores carnívoros estas ações devem revestir sempre o caráter de excecionalidade partindo do pressuposto que outras medidas foram previamente postas em prática para garantir a proteção das colheitas e/ou dos efetivos.

Assim a solução devera estar sempre do lado da prevenção, uma vez que existem várias técnicas e meios destinados a esse efeito. Ressalvando, no entanto, que o abate deverá ser considerado apenas como solução extrema e de recurso apenas quando todos os outros mecanismos falharam, e assim mesmo de forma predefinida e controlada.

Organizar batidas e abater indiscriminadamente todos os animais que saem da cultura através da força de batedores ou de cães seja pelo uso de arma de cano liso seja pelo de arma de cano estriado não será nunca a solução para este problema.

E tal como escrevia José Luís Garrido, diretor da FEDENCA (Fundação para o Estudo e Defesa da Natureza e da Caça) num artigo recentemente publicado em Espanha:”Ações de Correção de Densidade: Sustentabilidade ou Extermínio?” será uma pergunta a que todos os intervenientes do setor da caça devem tentar responder.

 

Publicado na revista  Caça & Cães de Caça nº 190, em Julho de 2013.

Texto e imagens do autor do domínio..


Gado abandonado em Castelo Branco

Reportagem recentemente difundida pela comunicação social apresentando a solução oficial para o problema dos ataques levados a cabo por gado abandonado a todos aqueles que invadiam o espaço  destes animais e que nos mereceu mais uma comentário crítico, recentemente publicado.

Nos últimos tempos tenho vindo a acompanhar os rocambolescos episódios da saga do gado bravo abandonado no distrito de Castelo Branco. Trata-se de uma ocorrência invulgar uma vez que atualmente podemos considerar que não existe gado bovino assilvestrado.

O termo, assilvestrado, aplica-se a animais domésticos que foram abandonados à sua sorte na Natureza e que, com o passar dos anos foram regredindo para as suas origens e se tornaram (outra vez) animais bravios.

Este fenómeno pode acontecer com alguns animais abandonados pelos seus donos e/ou legais proprietários aos quais, resignados à sua sorte por montes e vales, mais não resta que utilizar os seus instintos mais primitivos para poderem sobreviver. É o caso de muitos gatos e cães que conseguiram sobreviver depois de abandonados no campo, graças aos seus instintos primitivos de antigos carnívoros e predadores.

Estes animais, quando conseguem reproduzir-se seja através dos seus congéneres seja através do cruzamento com espécies bravias semelhantes, dão origem a descendentes que na escala evolutiva se encontram mais próximo dos seus antecessores selvagens do que dos domésticos que estiveram na sua origem.

Eles são ainda e também os porcos domésticos que ou por se terem tresmalhado do grupo criadeiro ou por terem sido abandonados devido à cessação das explorações, dão origem a animais que a pouco e pouco vão embravecendo e que raramente se distinguem dos congéneres selvagens quando a estes se associam. Foi desta forma que o continente Americano se viu recentemente povoado por javalis, a grande maioria com origem em porcos assilvestrados provenientes de antigas explorações domésticas existentes no Texas e Novo México, e que hoje apresentam as mesmas características físicas e genéticas dos seus primos selvagens .

Mas no caso do gado bravo “abandonado” no distrito de Castelo Branco, a situação é, a meu ver diferente.

Nas reportagens difundidas pela comunicação social foi possível observar que vários animais ostentavam brincos de marcação. Logo eram provenientes de explorações identificadas e eventualmente subsidiadas até, pelo que a sua origem não seria inteiramente desconhecida. Mas por outro lado, as queixas alastravam pela região e duravam já há alguns anos pelo que, face aos acidentes recentemente ocorridos, era de toda a conveniência ignorar ou, por outro lado esquecer, a propriedade dos animais. Note-se que no caso vertente não estamos em presença de gado assilvestrado mas sim de gado bravo igual aquele que se cria em tantas outras explorações espalhadas pelo nosso país.

Mas arrastando-se o problema ao longo dos últimos anos e verificando-se que estes animais começavam a atacar seres humanos – tal como o faz qualquer outro touro ou vaca brava – tornou-se imperioso tomar medidas de acautelamento da integridade física das pessoas.

Apesar das queixas terem chegado aos ouvidos e mãos de quem de direito em devido tempo, lamentável foi que só se tivesse pensado em tomar providências quando o assunto chegou à comunicação social. Aliás no nosso país e durante os últimos anos parece que a justiça é implementada não pelas entidades a quem estão atribuídas as funções de fiscalização da Lei, mas sim pela comunicação social. Infelizmente esta parece ser mais uma das nefastas consequências das novas democracias ocidentais…

E após análise da situação pela Direção Geral de Veterinária, lá veio a decisão da única solução possível para este problema – o abate puro e simples dos animais abandonados.

Até aqui tudo bem uma vez que, finalmente, se encontrou uma solução. O Povo tem um ditado que refere  “qualquer solução é melhor que nenhuma solução”, mas será que esta foi uma boa solução?

Sem querermos criticar a solução encontrada teremos antes de criticar o processo para a sua aplicação. Poderíamos eventualmente considerar outras soluções tais como a recolha seletiva em vivo através da utilização de dardos anestésicos e a posterior entrega a outra qualquer exploração de gado bravo, ou até mesmo a sua recolha e abate para posterior distribuição da carne a quem dela mais necessite, mas infelizmente estes processos custam dinheiro, tempo e trabalho pelo ficariam sempre fora do leque das soluções possíveis. Mais fácil – e económico – foi então mandatar uma autoridade para dar execução à tarefa, tendo sido escolhidos, para o efeito, os agentes da Guarda Nacional Republicana da região.

 

 

E é aqui que o “problema” recomeça. Não por se tratar de agentes da Guarda Nacional Republicana ou de qualquer outro ramo das forças da ordem, mas sim pelo elementar facto das entidades em causa não estarem vocacionadas nem preparadas para a tarefa requerida, porque nem as armas, nem os calibres e muito menos o tipo de munição que estas utilizam são adequados para este efeito. Depois os agentes da Guarda nem sempre são conhecedores dos detalhes do meio em que os animais se encontram e salvo raras exceções desconhecerão a fisionomia dos animais a abater. E o resultado das primeiras execuções esteve à vista: animais feridos e abandonados a uma morte lenta e consequentes carcaças encontradas meio fétidas ou apodrecer a céu aberto.

Mais uma vez a solução começou a tornar-se maior que o problema, porque agora, parcialmente resolvida a defesa da integridade física das pessoas, se passou para uma ameaça ambiental e de saúde pública. Nos não esqueçamos que todo o distrito de Castelo Branco é zona de permanência da tuberculose bovina e caprina, e que os restos dos animais abatidos (que há muito campeavam pela região) podem estar a constituir um forte elemento propagador da doença através de espécies bravias (raposas, sacarabos, ginetes, gatos bravos, abutres, águias, etc) e de outras domésticas (cães e gatos) que tendo estado livres de TB podem agora passar a ser portadores e transmissores desta zoonose.

Este é mais um caso em que para a resolução de um problema se têm de reunir os esforços de todos os intervenientes no processo. E se o gado abandonado se encontrava em zonas de caça ordenada - lembre-se que foram os caçadores quem primeiro alertou para o problema -  parece-nos correto que as ações de intervenção e controle dos animais também passassem pelos caçadores. Certamente que estes conhecem a região melhor que ninguém e que estarão melhor equipados em termos de armas de caça para animais de grande porte, do que os elementos das forças da Ordem.

E a estas forças da Ordem caberia sim o papel de acompanhamento do processo, fiscalizando em cada grupo de intervenção a execução da tarefa garantindo ao mesmo tempo não só o cobro dos animais feridos bem como a recolha de todas as carcaças e sua subsequente inspeção sanitária realizada por uma entidade competente. Finalmente o destino da carne seria aquele que melhor fosse entendido pelos locais mas que, a meu ver, deveria ser preferencialmente entregue a instituições de solidariedade social ou em último caso aos residentes mais prejudicados pela situação.

À semelhança do que acontece por esse mundo civilizado fora, os problemas desta envergadura são normalmente analisados e discutidos por todos os envolvidos no processo e neste caso competiria à ex-A.F.N., à D.G.Vet. e ao I.C.N.B. chamar os caçadores, ouvir as suas opiniões e comprometê-los com o processo. Certamente que numa época de contingência de recursos se teria poupado muito em custos de pessoal e de equipamento, para além de se evitarem situações lamentáveis como aquelas que recentemente foram gravadas e exibidas pela comunicação social. No caso presente até parece que (como alguém recentemente referiu) o mensageiro deveria ser afastado a todo o custo, pelo simples motivo de ter trazido más notícias.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº 184 , em Janeiro de 2013

Texto do autor do domínio e imagens WEB.


Montarias por Convite

Com ou sem polémica o seguinte texto pretendeu ser um esclarecimento (mais um) sobre práticas de caça pouco conhecidas no nosso país. Fomos mais longe quando mostrámos que, apesar de pouco conhecidas, havia definições que constavam dos regulamentos legais e pouco se praticavam por desconhecimento. Mais uma vez vez o objetivo foi a informação e a formação.

Introdução

Boas práticas, educação e formas de estar na caça e mais especificamente nas jornadas de caça maior podem, nalguns casos, parecer uma contradição à Lei da Caça e à sua regulamentação no que se refere à posse dos troféus e aos direitos do caçador comum. Convém no entanto “separar as águas” e localizar cada assunto no espaço próprio.

 

A revista  Caça Maior e Safaris  publicou recentemente uma tradução do Manifesto da Montaria, aprovado em Espanha em 1994 pelas mais representativas instituições de caça e da Caça Maior que nele se identificam. Este manifesto foi largamente difundido no mundo “Monteiro” e encontra-se publicado – na integra – no site da Federação Espanhola de Caça. Nele se consignam várias recomendações que não pretendem fazer lei mas apenas sensibilizar os muitos praticantes da Montaria e as entidades responsáveis pela legislação da caça maior para um conjunto de boas práticas e tradições que são importantes para a manutenção da montaria tradicional da qual todos sabem ser eu um defensor incondicional.

Ora, porque a legislação portuguesa de caça ainda não teve a coragem para assumir que a caça seja propriedade do dono da terra, considerando e estabelecendo de uma forma que eu classificaria de “socializante” que as espécies animais bravias não têm dono sendo pertença daquele que delas se apropriar pela simples ocupação, vejo-me compelido a facilitar alguns esclarecimentos para uma situação que eventualmente possa vir a ser interpretada como contradição entre a legislação em vigor e os princípios enunciados no dito Manifesto.

  Sobre a questão das posse dos troféus nas montarias por convite, a recomendação do Manifesto da Montaria que é referida para o Monteiro que nelas participe diz que o troféu é propriedade do anfitrião e que só deve ser retirado com o consentimento deste. Este facto nada tem a ver com a legislação da caça portuguesa e com aquilo que a mesma refere sobre a ocupação do animal. Trata-se outro sim de uma regra de boa educação e uma prática de camaradagem e de lealdade para quem nos fez um convite desta natureza. Aliás devo esclarecer que salvo raras (mas mesmo muito raras) exceções os caçadores portugueses não conhecem as montarias por convite mas apenas as montarias comerciais. A montaria por convite é aquela em que o proprietário de uma zona de caça onde se explora a caça maior,  convida para a sua “casa” um grupo de amigos - porque quer baixar a densidade das espécies existentes ou por outro motivo qualquer - e organiza ele próprio uma montaria. Suporta os custos da contratação de matilhas e do serviço de alimentação, bem como os do pessoal de campo e os seus convidados são-no na mais extensa aceção da palavra: vão caçar sem pagar e sem nem sequer comparticiparem nas despesas de organização dessa montaria.

Muitas vezes tais convites estão diretamente relacionados com o facto de haver necessidade de praticar um determinado ato de gestão sobre as populações animais existentes e para esse efeito e mínima garantia do necessário sucesso, seria de toda a conveniência que essa tarefa fosse realizada por quem o souber fazer e não por qualquer um que, adquirindo um posto, ali quisesse participar. Ou ainda querendo o tal proprietário ter uma simpatia para com uma qualquer personalidade (oferecendo a montaria) apenas pretendesse que os restantes participantes estivesse ao nível do convidado principal para com ele acompanhar e conviver.

Nestes termos, faz todo o sentido que os troféus continuem a fazer parte integrante da propriedade e apenas sejam retirados com a permissão de quem de direito.

A eventual contradição com a legislação portuguesa reside no facto de não estarmos habituados e porventura nem sequer sabermos o que é uma montaria por convite. Cá pela nossa terra o que mais perto se chegou deste tipo de montaria foi aquela em que o proprietário convidou os caçadores a participar e a repartir os custos da mesma, situação esta que nada tem a ver com o tipo de montaria em análise.

E para que melhor se perceba esta postura iria mais longe e atrever-me-ia a usar alguns outros exemplos um pouco mais radicais:

Imagine-se o exemplo de um pessoa que convida um grupo der amigos para uma qualquer atividade em sua casa. Será que os convidados dentro da casa do anfitrião terão direito a obter tudo o que lhes apetecer ou apenas o que este lhes facultar? Será que, mesmo que a lei diga que os convidados se podem apropriar por ocupação, de qualquer coisa, animal ou objeto teremos o direito de o fazer?

Legalmente é provável que sim, mas moralmente não seríamos bem vistos por ninguém.

Imagine-se ainda o exemplo extremo da tal montaria por convite (e nas condições anteriormente enunciadas) que se realiza para desbastar apenas fêmeas de veado e que o proprietário define que só devem ser abatidas as mais velhas, bem como todas as crias fêmeas tardias ou mais fracas. Compreende-se que esta será – em montaria – uma tarefa complexa e exclusivamente ao alcance de quem tem muita experiência de caça maior bem como de exploração de veados. Daí justificar-se plenamente a realização da jornada por convite. E neste caso para onde vão os troféus que se dizem servir para recordar e imortalizar o ato? Será que há mesmo troféus?

 Poderá por outro lado ajuizar-se, ainda de acordo coma as normas legais portuguesas, que os animais que se encontram em liberdade na Natureza não são propriedade de ninguém mas  que o caçador se apropria deles por simples ocupação. Mais uma vez parece-me estarmos em presença de uma generalização demasiado lata. Numa propriedade vedada na qual os animais que povoam o espaço foram adquiridos e introduzidos pelo proprietário, estes tem certamente dono. E a prová-lo estarão os documentos de compra e venda bem como os certificados de origem e de garantia sanitária emitidos em nome do adquirente que formalmente o atestam e comprovam. Ou será que os animais depois de soltos na minha propriedade deixam der ser meus e passam a ser propriedade daqueles que os obtêm por simples

ocupação???

Propositadamente deixei para o fim deste tema o fator de discução de maior peso e que se trata do facto das montarias por convite - por quase sempre se tratar de jornadas de grande qualidade - não serem realizadas em zonas abertas mas apenas em propriedades vedadas onde essa qualidade está garantida. Logo, todos os animais ali existentes têm um dono, como antes se referiu.  E sendo assim, infelizmente, elas não são apanágio de toda uma comunidade monteira mas sim de uma exclusiva elite a que muitas nunca tiveram nem terão acesso.

Depois e para terminar o esclarecimento,  deve-se acrescentar que não podemos ser levados pelos rigores legislativos esquecendo que na caça maior há toda uma tradição e conjunto de normas de conduta que são tão ou mais importantes do que as normas legais, uma vez que foram as primeiras que deram, em Portugal, origem às segundas enfermando  estas dos erros e ignorâncias dos diferentes legisladores.

O Manifesto da Montaria foi redigido em 1994 e assumiram os seus subscritores o dever de divulgação e de sensibilização das gerações vindouras para um conjunto de boas praticas que não desvirtualizem a Montaria Tradicional. Nele apenas se referem recomendações e nada mais. As normas de conduta e de boa educação também não fazem parte da Lei nem estão regulamentadas, mas no entanto muitas pessoas as aceitam como válidas.

Finalmente e por se falar em troféu é ainda e também verdade que a atual legislação se “esqueceu” de definir o que é o troféu, concordando muitos caçadores que a este conceito deva deve assentar na  leges artis . Sobre este conceito é forçoso referir que os monteiros mais antigos e também mais experientes sabem bem como se define o conceito de troféu. Esta definição foi introduzida no nosso país através de um despacho do Secretário de Estado da Agricultura então em exercício de funções, publicado no Diário da República II Série número 282 de 21 dezembro de 1981  e que incluía  essa definição no nº 32 do então designado Regulamento de Montarias aos Javalis.

No mencionado nº 32 do Regulamento das Montarias ao Javali, pode ler-se o seguinte:

“Os troféus das peças abatidas pertencem ao caçador que as tenha abatido, sendo estes unicamente a cabeça ou dentes dos javalis, e as cabeças ou peles das raposas ou lobos” (sic).

Refira-se ainda que este regulamento estabelecia as normas que presidiam à realização das primeiras montarias dos tempos modernos nas quais era possível atirar a javalis, a raposas e  a lobos. Assim mesmo este regulamento pecava pela atribuição da posse da peça de caça maior a quem a tivesse “abatido”, atribuição esta que só passados alguns anos veio a ser corrigida para a regra do “primeiro sangue”, que ainda hoje se mantém em vigor, tal como consta do Decreto-Lei 201 de 2005.

 Fica assim muito claro o que se considera como troféu de uma peça de caça maior: a cabeça dos animais caçados ou em alternativa os seus dentes caninos (no caso do javali) ou as peles das raposas e lobos. Mais tarde com o aparecimento das montarias com cervídeos e à semelhança das definições anteriores o troféu de um cervídeo foi estabelecido como sendo a sua cabeça ou as hastes. Trata-se no fundo, e agora sim com o objetivo de imortalizar o lance e o animal, de reter aquilo que lhe é mais característico e que o distingue das outras espécies, seja ele homologável ou não.

 

 

Publicado na revista  Caça Maior & Safaris nº 28, em Janeiro de 2013.

Texto e imagens do autor do domínio..

 


MILHARIAS

Javalis e culturas de milho. Binómio de equilíbrio instável que faz com que os ungulados silvestres sejam considerados como espécies nocivas para agricultura. A solução possível para este problema tem sido, até aqui, a eliminação dos destruidores. O Agricultor chama-lhes Ações de Correcção da Densidade. Para o caçador são as” Milharias” termo que genericamente designa “ montaria nos milhos”.

O Verão é uma época do ano caracterizada pela escassez de recursos e de água para a fauna bravia a qual tem de, ao longo deste período, sujeitar-se às parcas condições que o meio lhe disponibiliza.

 O javali, enquanto espécie bravia vê-se de igual forma limitado no acesso aos recursos alimentares naturais, procurando os alimentos que lhe mais facilmente lhe permitem suprir as suas carências diárias de proteínas.

Tratando-se de uma espécie oportunista adapta-se com facilidade às condições do meio, bem como à forma como estas evoluem ao longo do ano. Nesta época a espécie sus scrofa exibe uma mobilidade significativa que tem por base a procura de alimento, de água e de protecção natural.

Face a esta capacidade de adaptação e à incessante procura de alimento as culturas de verão estão permanentemente na linha de mira dos javalis. Elas são as culturas cerealíferas que, desde a fase da formação da semente até ao fim da sua maturação constituem um petisco predileto para a espécie, elas são as culturas dos produtos hortícolas e do tomate, enfim elas são as mais variadas culturas de frutos que se realizam por todo o lado onde existe água disponível na quantidade necessária.

E são igualmente as culturas do milho. Nestas abundam os elementos fundamentais para os javalis: a água, a protecção e o alimento com um grau de importância igual ao da ordem pela qual se indicam.

Por outro lado o ser humano, enquanto regulador da natureza e explorador dos seus recursos vê nas culturas mencionadas um património mais ou menos rentável que é necessário preservar para o equilíbrio económico das explorações facto que qualquer um compreende e aceita.

Por tudo isto o javali é considerado pelo agricultor ou pelo produtor de cereais como uma espécie nociva, destruidora do seu património e devoradora da sua riqueza.

Longe vão os tempos em que a espécie era considerada como predadora e sem valor cinegético, levando a que muitos gestores de zonas de caça preconizassem o seu abate indiscriminado através de todos os processos previstos na Lei.

Hoje, fruto de uma mentalidade mais conservacionista esta ideia mudou e o Javali passou a ser considerado como espécie de caça maior objecto de exploração rentável. E sendo considerado como tal pela Lei da Caça e respetivo Regulamento passou a beneficiar dos mesmos princípios de ordenamento previstos para as restantes espécies de caça maior, isto é, passou a estar abrangida pela tal “fruição racional dos recursos”.

Por outro lado a Lei reconhece ao agricultor o direito de proteção das suas culturas e prevê que, seja por este motivo, seja pelos estragos que algumas espécies bravias possam provocar na fauna ou na flora, seja possível realizar ações de correção da densidade das espécies invasoras/destruidoras. Estas ações deverão ser previamente solicitadas aos Serviços de Caça, carecem de parecer do I.C.N.B. e serão pontualmente autorizadas ou não.

No caso das culturas do milho é usual que o agricultor, logo que sente a presença dos javalis dentro do pivot, solicite uma autorização para a “correção da densidade” dos javalis invasores. Após solicitação da respetiva autorização a quem de direito, e com a colaboração de algumas matilhas de caça maior e um número de caçadores variável em função da extensão da cultura lá se realiza a dita ação de correção da densidade.

E esta é a questão que para muitos se torna incompreensível e que nos parece carecer de uma análise mais profunda.

Comecemos pela parte do agricultor:

Sendo certo que um pivot de milho não é uma cultura que ocupe rotativamente espaços distintos seria compreensível que, quando se prepara o espaço para a sementeira, se realizem as necessárias proteções para que as espécies animais não provoquem estragos ou limitações ao seu desenvolvimento. É o que acontece quando há gado doméstico ou quando se conhece a presença de cervídeos seja por exploração direta seja por exploração indireta. Não se compreende assim que conhecendo-se a presença do javali na região da cultura se descure a realidade da instalação de uma proteção.

Depois temos a parte do caçador, que saído de um longo período de defeso vê nesta correção de densidade a possibilidade de participar numa batida aos javalis com um custo barato ( porque na maioria das situações os postos para este ato de caça são vendidos ) e com a garantia da presença de efetivos no local a caçar (garantia esta que não consegue na maioria das montarias em que possa vir a participar).

Depois temos ainda a parte dos matilheiros: que em inicio de época têm necessidade de treinar os cães para além do rendimento acessório que o aluguer das matilhas lhes proporciona.

Finalmente a parte do Serviços de Caça que face à possibilidade de se verem a braços com um pedido de indemnização por estragos autorizam praticamente tudo o que lhes é solicitado por esta via.

Ora muitas vezes se constata, quando da realização destas ações de correção, que o número de javalis que se encontrava dentro da cultura era reduzido porque ali não encamavam e só ali iam em busca de alimento. Outras vezes toda a população de javalis existente na região estava concentrada no pivot e a realização de uma ação desta natureza leva é destruição de todo um património que nada tem a ver com a dita fruição racional dos recursos.

Por outro lado a realização da batida com matilhas de caça maior provoca na cultura estragos maiores que aqueles que os javalis teriam provocado e neste caso o motivo inicial da ação – a proteção da cultura e a minimização dos prejuízos- caem imediatamente por terra.

Ainda sobre a questão dos prejuízos pensamos dever ir ainda um pouco mais além pois tenho tido oportunidade de observar várias situações de estragos provocados pelos javalis nos pivots de milho. Na maioria dos casos, analisando corretamente os estragos e a relação dimensão dos estragos/prejuízo (medindo as áreas destruídas na cultura e aplicando o factor produtividade por metro quadrado) , facilmente se verifica que em termos económicos os estragos nem sequer são significativos. A título de exemplo consideremos alguns números: num pivot com 50 ha qual será, em média, a área destruída pelos javalis? 1 Hectare ? 2 Hectares ? Muito bem. Aplicando o factor de produtividade por ha de cultura e transformando-o em euros a preço de venda quanto representa em dinheiro esse estrago? A contratação de duas ou 3 matilhas de caça maior para a realização da ação de correcção não representa muitas vezes um valor superior ao estrago observado, para além da destruição acessória que os cães provocam nas suas corridas atrás dos javalis dentro do milho ??

Por outro lado a posição do Serviços de Caça neste tema também não é a mais correta. Não por autorizar as ações de correção de densidade mas por o permitir pelos processos de montaria e batida. Não nos esqueçamos que a Lei da Caça define claramente o que é um, outro e outro processo e a realização de uma “batida” de javalis coma presença de armas de fogo e de matilhas de Caça Maior para baterem o terreno não é uma batida mas sim uma Montaria. E estas (batidas e montarias aos javalis) de acordo com a Lei só podem ser realizadas durante os meses de Outubro a Fevereiro ( artº106, nº 3 do Decreto-Lei 2/2011).

Nestes termos não se compreende como podem os serviços regionais de caça autorizar a correcção da densidade dos javalis nas diferentes culturas durante os meses de Agosto e de Setembro (por vezes até antes) com a utilização de armas de fogo e de matilhas de caça maior. Este processo para além de ser ilegal pode configurar o extermínio total de uma população animal existente na região. Aliás em anos anteriores, sempre que chegou ao nosso  conhecimento a perspectiva de realização de ações de correção da densidade de javalis através destes processos, (algumas anunciadas até em jornais regionais) para os meses de Agosto e de Setembro, tivemos o cuidado de alertar a Direção do Serviços de Caça para os factos, a qual prontamente contactou os serviços regionais impedindo as mesmas.

Da mesma forma se torna incompreensível a posição do I.C.N.B. sobre a realização destas acções. Por um lado assume este Instituto posições altamente restritivas quando se trata de acções de ordenamento das espécies animais e nestes casos permite a rápida delapidação de todo um património. 

Finalmente entenda-se que não somos contra a realização das acções de prevenção de estragos nas culturas, antes pelo contrário somos redondamente contra a realização destas pelos processos de montaria e de batida e objectivamente pela sua maioria ser realizada em contradição com a Lei, por estarem fora dos períodos legais permitidos. Há muitos outros processos para preservar as culturas que passam pela intervenção quer dos agricultores quer dos caçadores. No caso dos primeiros pela instalação de vedações de proteção e da parte dos caçadores pela utilização de processos de caça menos destrutivos. Se nos dermos ao trabalho de fazer uma pesquisa rápida dos processos adequados para a proteção das culturas encontramos nos nossos vizinho espanhóis e franceses técnicas variadas e eficazes para evitar e/ou reduzir os estragos nas culturas, preservando ao mesmo tempo as populações animais que os originam.

A exploração dos recursos da Natureza passa cada vez mais pela colaboração estreita e planificada de todos os seus fruidores e, à semelhança do resto da Europa, o agricultor, o caçador e os simples fruidores dos espaços naturais têm de trabalhar em conjunto para que todos possam ter o seu lugar e usufruir dos recursos que no fundo são património de todos.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº  182, em Novembro de 2012)

Texto e imagens do autor do domínio..

 


 

ESPERAS AOS JAVALIS - O Nosso Cevadouro (OUTUBRO de 2012)

 

Lua de Setembro/Outubro

Terminamos, com este artigo, o relato das esperas ao longo de uma época, com o balanço das diferentes ocorrências, para que não se pense que isto de caçar javalis é "chegar,ver e vencer".

 

Mais uma vez e à semelhança do anterior período lunar, este também começou no mês de Setembro (a 23 mais precisamente) e prolongou-se até ao mês de Outubro sendo considerado como o da Lua de Outubro.

Quando se caça de forma desportiva, devemos ter o discernimento necessário para aproveitarmos e nos adaptarmos às condições do meio e isso passa pela escolha adequada das noites de caça em função da luminosidade fornecida pela Lua, da direcção e velocidade do vento e até da climatologia predominante, pois fácil será entender que numa noite de neblina ou nevoeiro será preferível ficar em casa, por motivos que todos facilmente compreenderão.

Ora neste último período Lunar de caça ao Javali parece que a grande maioria das condições do meio se viraram todas contra os caçadores esperistas: primeiro uma semana de grande calor, na qual se verificou que os cavadores estavam, por todo o lado, bem seguidos; depois a temperatura caiu rapidamente de um dia para o outro e vieram alguns dias de ventos fortes, temperaturas bastante mais baixas e chuva; e como se estas alterações ainda não fossem suficientes e por causa delas, começaram a cair as primeiras bolotas, pequenas, verdes mas extraordinariamente gulosas para todos os ungulados silvestres.

E os cevadores que até aqui estavam bem seguidos e certos passaram a estar desertos e assim se mantiveram durante quase todo o período de espera aos javalis. Só muito próximo já da Lua Cheia alguns cevadores recomeçaram a estar tocados mas os indícios mostravam-nos que a frequência era muito tardia.

Assim sendo optamos por não caçar pois qualquer tentativa de espera seria pura perda de tempo. Os javalis para além, de terem mudado os encames devido à chuva e à queda da temperatura passaram também a andar entretidos na incessante procura das primeiras bolotas.

E por isso demos por terminada a nossa época de esperas para este ano de 2012.

Mas antes de encerrarmos este conjunto de artigos de acompanhamento de um cevadouro pensamos ser tempo de fazer um balanço dos sete meses que levámos acompanhando e caçando um posto de espera criteriosamente escolhido em termos de região, de  Zona de Caça e de Organização.

 

Dirão os leitores que parcos ou quase nulos foram os resultados obtidos e que assim provavelmente nem teria valido a pena o trabalho,  as deslocações e o tempo perdido nesta atividade. No entanto convém recordar que o objectivo inicial a que nos propusemos quando este desafio nos foi proposto era o de caçar de forma desportiva, legal e de procurar um troféu.

Convém também relembrar que o processo de caça de espera aos javalis é um processo altamente seletivo que ao mesmo tempo nos permite conhecer a densidade dos efetivos bem como a sua estrutura etária e de sexos. Pelo contrário não devemos encarar as esperas como uma forma de caçar para obtenção de carne (se bem que para isso este processo também possa servir) e muito menos nos devemos convencer que todos os meses “vamos lá matar um porco” seja ele grande ou pequeno.

Pessoalmente devo confessar que para além de ser um grande aficionado das esperas, e de caçar uma média de cinco noites em cada Lua, é também certo que a minha média de noites em espera por cada javali que atiro é de 12. E não se pense que nas restantes não vejo nada pois na grande maioria delas tenho animais para observar durante largos períodos.

Encaremos então as esperas como aquilo que elas verdadeiramente são e acima de tudo recordemos que devemos comportar-nos como desportistas e fruidores racionais dos recursos que a Natureza nos faculta e nestes termos posso garantir que apesar de ter atirado pouco cacei muito. Cacei através da deteção e interpretação dos sons da noite. Cacei pela observação dos animais que se apresentaram no posto de caça fossem eles javalis ou de outras espécies. Cacei pela análise dos rastos e sinais que os animais deixavam no terreiro. Cacei pelo prazer de sentir a Natureza em toda a sua plenitude. Cacei mesmo nos momentos em que não consegui atirar por os animais se terem esfumado. Cacei pelo desespero de não ter conseguido cobrar um grande porco que se foi embora irremediavelmente ferido e que provavelmente se perdeu sem ter sido possível prestar a devida homenagem à sua capacidade de sobrevivência. Cacei sempre e muito.

E creiam caros amigos e leitores que apesar destas estranhas formas de caçar continuo a preferir ir de caça do que ficar em casa comodamente instalado no sofá.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº  181, em Outubro de 2012)

Texto e imagens do autor do domínio..


 

SELETIVO, REPRESENTATIVO OU TROFÉU ?

 

Regras para identificar cada tipo de veado em função da tipologia das suas hastes.

 

Apesar de as esperas e as montarias serem os processos de caça maior mais usuais na Península Ibérica é, no entanto, cada vez maior o número de monteiros que se dedica à caça de aproximação. Uns porque se cansaram do grau de incerteza das montarias e outros porque consideram as aproximações como o processo de caça maior mais desportivo e leal uma vez que se trata de caçadas individuais nas quais o caçador se encontra de igual para igual com os animais.

 

A Caça Maior na actualidade

Nos tempos que correm a caça é encarada como uma atividade económica próspera (apesar de nem sempre ser tão rentável como se desejaria) que gera um significativo volume de negócios com um peso razoável no Produto Interno Bruto de qualquer país. Esta actividade económica é, como todas as outras, geradora de emprego e de riqueza, e como tal implica investimentos significativos que, em média, necessitam de décadas para se conseguir o retorno do investimento inicial.

E enquanto atividade económica é ao caçador, neste caso o cliente, que compete pagar pela aquisição de um serviço e de um produto que nem sempre está claramente definido.

Atualmente todos sabemos que a aquisição de um posto numa montaria custa um montante variável de euros, como igualmente se paga uma ou mais jornadas de caça de aproximação ou até mesmo uma noite de esperas aos javalis. É obvio que nos referimos à aquisição de jornadas de caça em zonas de caça de tipo turístico pelo que os restantes modelos de ordenamento cinegético nacional ficam assim fora desta análise.

 A caça de aproximação praticada sobre animais bravios ou selvagens existe desde o princípio dos tempos e configura um teste a todas as capacidades, conhecimentos e competências do Homem face aos animais seja pela necessidade de obtenção de alimento seja pela manutenção da integridade física do caçador. Mas nos nossos dias já ninguém caça para comer e muito menos para manter a integridade física pelo que na caça de aproximação prevalecem agora outros valores como o contacto individualizado com a Natureza, a descoberta de novas regiões ou territórios de caça, a busca de um determinado tipo de animal e a capacidade de conseguir concretizar o cobro da peça escolhida entre muitos outros valores que aqui poderíamos enumerar e que são seguramente valorizados de forma diferente de caçador para caçador.  

A caça de aproximação pode ser praticada sobre uma enorme variedade de espécies tais como veados, gamos, corços, muflões, arruis, rebecos ou ainda outras espécies de montanha e de planície menos conhecidas, mas para não alongarmos em demasia a extensão do artigo e com o objectivo de prestar informação concreta apenas consideraremos a caça de aproximação aos veados.

 Consideremos então que pretendemos contratar uma caçada de aproximação. Escolhida a organização e a zona de caça, e definidas as datas das nossas jornadas somos frequentemente confrontados com a pergunta que qualquer organizador/guia de caça deve colocar aos seus clientes: “ … e que tipo de animal deseja caçar? Um seletivo, um representativo ou um troféu?? “

Será a nossa resposta que condicionará o valor final a pagar pela  caçada.

Assim sendo convém que se tenha muito claro, quer para a organização, quer para o cliente, a que tipo de animais nos referimos para que, no momento de saldar as contas, não sejamos apanhados de surpresa nem tenhamos deceções.

Fácil será compreender que os valores a pagar serão mais baixos para os animais de tipo seletivo, mais elevados para os representativos e muito mais elevados para os troféus, podendo nestes casos atingir valores  mesmo muito elevados. Basta que nos lembremos que seletivos são aqueles que, pelo mais elementar ato de gestão devem ser retirados, que os representativos têm normalmente o valor da sua substituição (custo de aquisição em vivo de um animal adulto) e que os troféus são o verdadeiro património da exploração não só por serem os elementos reprodutores de excelência mas acima de tudo pelo valor monetário que representam.

Vejamos então quais são os animais que se enquadram em cada um dos tipos de classificação, para efeitos de caça.

                        

Veados de tipo Seletivo.

 Quando se fala de caça de aproximação o nosso raciocínio está direcionado para a análise das hastes dos animais objecto de caça e no caso vertente apenas para os machos. No entanto a caça seletiva pode igualmente ser exercida sobre fêmeas quando, por exemplo, se pretende fazer um controle da densidade de efetivos numa determinada zona de caça.

Por isso a caça de animais de tipo seletivo é acima de tudo um acto de gestão já que é absolutamente necessário eliminar (e note-se que não dizemos “caçar”) todo um conjunto de indivíduos de futuro duvidoso e de pouca rendibilidade, ou que não exibam as características morfológicas corretas ou  ainda que se encontrem fisicamente fracos. Estes para além do perigo de contraírem doenças de vários tipos e níveis de perigosidade que facilmente se poderão disseminar por toda a população objeto de exploração, são acima de tudo concorrentes na ocupação do espaço e no consumo dos recursos alimentares disponíveis. Recordemos que este tipo de exploração é uma actividade económica que forçosamente terá de ser rentável.

´   

Quando referimos a machos de tipo seletivo temos em mente todos aqueles cuja estrutura da armação não seja normal e adequada à idade do animal ou seja todos os veados que exibam armações incompletas, e/ou demasiado finas ou curtas apesar de completas. E estes, sendo machos, se conseguirem reproduzir-se, transmitirão aos seus descendentes todas as suas deformações e fragilidades pelo que a todo o custo devem ser eliminados. As fotos que se identificam como Seletivos atestam as caraterísticas que agora se referem. O nº 1 não tem contraestoque, o nº 2 não tem contraestoque e tem pouca grossura e o nº 3 não tem coroa, para além de ser mal formado (demasiada distância entre o estoque e o contraestoque).

 

O Veado Representativo

 Quando se fala de um animal de tipo representativo referimo-nos aquele cuja morfologia externa apresenta as características típicas dos animais da sua espécie. No caso dos veados e para além de características físicas tais como o desenvolvimento corporal, a cor e tipo de pelagem, o peso bruto e o porte do animal, devemos ter em consideração a forma e dimensões das suas hastes. Estas são o objecto primordial da nossa análise pois são elas que constituem o “troféu” do veado.

Num veado de tipo representativo o “troféu” deve ser exibir um par de hastes homogéneas ( no comprimento, grossura e côr), devendo ainda cada haste ser constituída por estoque (ou lutadeira), contraestoque ( ou contralutadeira), ponta intermédia, e coroa. A Coroa deverá ser constituída no mínimo por três pontas mais ou menos homogéneas.

Ora qualquer veado que não exiba nas suas hastes as pontas mencionadas não será um animal representativo da espécie já que as características genéticas do seu “troféu” pecam pela ausência ou irregularidade. Logo não estaremos em presença de um veado representativo mas sim de um veado de tipo seletivo.

Nestes termos e para ponto da situação podemos definir como veado de tipo representativo aquele que tenha no mínimo 4 anos de idade, tenha uma corpulência e um porte adequados a essa idade (cerca de 120 Kg), e um par hastes com a seguinte constituição:  um comprimento mínimo de 80 cm e com 12 pontas (estoque + contraestoque + ponta intermédia + coroa com 3 pontas x 2).

Dirão os nossos leitores que será difícil aquilatar das características da morfologia externa de um veado em liberdade na Natureza. No entanto se formos suficientemente observadores chegaremos à conclusão que não é tão difícil quanto parece pois num grupo de veados apercebemo-nos com alguma rapidez (com a ajuda de uma óptica de qualidade razoável) das características físicas e da idade aproximada de cada indivíduo que integra o grupo.

Note-se que até aqui temos escrito troféu entre aspas. Este termo pode referir dois conceitos distintos: por um lado um conceito mais genérico que se refere à armação do veado ou de qualquer outro animal objecto de caça maior e por outro, num conceito mais restrito, uma armação cuja estrutura apresente grande qualidade sendo assim digna de figurar nos livros internacionais de registo de troféus de caça maior ( C.I.C ou S.C.I.).

 

    

 

  

Para mostrar as caraterísticas das hastes dos veados de tipo representativo escolhemos as imagens que identificámos com Representativo 1, 2, 3 e 4. O nº4 refere-se a uma veado já em regressão pelo que o comprimento das hastes e a formação do coroa esquerda se encontram já algo minguados.

 

O tipo Troféu

 Depois de tudo o que anteriormente se referiu é fácil compreendermos que um animal de tipo Troféu será aquele que ultrapassa as características básicas dos de tipo representativo: um par de hastes com mais de 12 pontas, mais grossas e compridas do que é normal, com uma envergadura invulgar (relação entre o comprimento e a abertura das hastes).

Estes animais não são fáceis de encontrar em zonas abertas onde a pressão normal de caça não lhes permite viver em média mais do que uma meia dúzia de anos. Um veado  tipo troféu precisará, em condições naturais, de chegar aos 9 ou 10 anos de idade para que as suas hastes possam atingir estes parâmetros.

Nestes termos os animais de tipo Troféu deverão corresponder sempre a uma real possibilidade de inscrição nos livros internacionais de registo de troféus sendo ai catalogados nos escalões de Bronze, Prata e Ouro e logo pagos como tal. É frequente que nas zonas de caça conceituadas onde a disponibilidade de troféus de veado homologáveis é elevada estes sejam cobrados a valores que facilmente ultrapassam os 2 500 Euros, e como se compreende com esta ordem de valores não pode haver dúvidas para ninguém do tipo de armação que o animal ostenta.

 

 

 

As imagens Troféu 1, 2, e 3.  apresentam-nos alguns tipos de troféus que se podem encontrar com alguma facilidade no espaço nacional. O nº 1 é um veado cobrado na Contenda e que está muito próximo de Bronze (162 pontos C.I.C. não homologado) , o nº 2 é um veado da extinta Zona de Caça Nacional da Lousã e o nº 3 é um veado do nosso Alentejo.

Em conclusão os diferentes tipos de veados a caçar de aproximação nada têm a ver uns com os outros e enquanto alguns monteiros dão preferência à caça de grandes troféus outros há que preferem os atípicos ou deformados (também designados por bizarros).

 Por outro lado e para aqueles que têm bolsas mais modestas há sempre a beleza e o desafio dos desbastes de cervas, praticados em caça de aproximação a pé e selecionando cuidadosamente as que devem ser abatidas, processo este que muitas vezes envolve dificuldades maiores que aquelas que nos são exigidas para o abate de um macho homologável. Nestes desbastes, para além do muito tempo que se consome observando os diferentes grupos de fêmeas  somos com frequência obrigados a realizar  tiros de muito larga distância.  E se para uns a qualidade do troféu é o mais importante para outros a forma como se desenrola o lance tem igual ou maior importância .

Em qualquer dos casos estamos sempre em presença de um processo de caça altamente desportivo e muito seletivo (estando agora o conceito de seletividade associado a escolha) através do qual podemos desfrutar do contacto com a Natureza de uma forma inesquecível não só pelas cores, aromas e paisagens que esta nos proporciona mas acima de tudo por estarem associados aquilo que , nós caçadores, mais gostamos de fazer  : Caçar

 

Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 26, em Junho de 2012)

Texto  e Imagens do autor do domínio.


 

ESPERAS AOS JAVALIS - O Nosso Cevadouro (SETEMBRO de 2012)

 

Ao contrário de tudo o que seria de esperar nesta Lua tudo correu de feição ao caçador e este não foi capaz de aproveitar a oportunidade que o javali lhe proporcionou.

Lua de Agosto/Setembro

O mês de Agosto beneficiou de dois períodos lunares: um de que decorreu no principio do mês e o outro com a Lua a mostrar a sua face maior no passado dia 31 de Agosto. Assim sendo o período de caça de espera teve inicio no  dia 23.

Após análise detalhada das condições de funcionamento do nosso cevadouro, decidimos não caçar logo nas primeiras noites, uma vez que se suspeitava de que os visitantes continuassem a ir comer muito tarde, muito próximo da madrugada. Para mais e apesar de o cevadouro continuar certo, começou a estar apenas levemente tocado o que para nós poderia ser sinal daquele javali que perseguimos há vários meses. E, apostando neste palpite, se tanto pensámos melhor decidimos que só se caçaria o posto quando estivessem reunidas todas as condições de segurança: boa meteorologia com vento não muito forte, lua suficiente sem ser demasiado clara e a certeza de frequência do posto.

Mas as noites foram passando e umas porque o vento estava mau, outras porque estava forte demais, não nos restou outra alternativa do que caçar no dia 30 de Agosto, véspera de Lua cheia.

E assim se fez apesar das condições de caça para essa noite não serem as ideais em termos dos nossos desejos. A perspetiva era de vento de NNW com cerca de 29 Km por hora ( vento demasiado forte ) e céu pouco nublado ou limpo.

Confesso que a minha sensação para essa noite, em termos de sucesso, era muito fraca e a minha deslocação a Portel foi baseada na obrigação de “cumprir calendário” a fim de poder fundamentar este artigo.

No entanto e depois de bem instalado e preparado para passar longas horas no local, o Sol pôs-se às 20,16  a noite caiu com um céu completamente limpo e o vento (contrariamente ao previsto) foi progressivamente diminuindo de velocidade até se aquietar como uma leve brisa de noroeste, sempre estável na direcção.

Quem diria que a noite ficaria tão boa para caçar.

Mas as perspetivas mantinham-se inalteráveis e a minha atenção estava mais fixa nos acessos ao cevadouro de que propriamente nele.

Eram 22.40 quando no topo do aceiro me pareceu ver uma sombra que não estava lá momentos antes. Binóculos no ponto de referência e parece-me ver uma silhueta de um javali grande que muito lentamente e de frente se desloca numa aproximação mais sigilosa do que cautelosa. “Será que é aquele ? “, pensei. Fui seguindo o animal com os binóculos e comprovo tratar-se de um bom macho que entretanto começa cheirando o chão em busca de sinais ou cheiros de alerta. Continua nesta tarefa de forma errante sem mostrar intenção de ir à comida e de repente apercebo-me que se vai embora pois vira-se para o Eucaliptal numa linha quase oposto à que trazia.

E a decisão foi instantânea: há que atirar antes que se vá embora. Rapidamente largo os binóculos e passo à carabina que assentei no apoio transversal enquanto, ao mesmo tempo, desativava a segurança, ligava o ponto vermelho do RI e armava o gatilho de cabelo numa sequência de procedimentos rápidos e mais instintivos do que ponderados.

Coloco o óculo em cima da silhueta do animal, que entretanto se parou de atravessado a cerca de 10 metros dos eucaliptos. “ É bem grande” , pensei e no mesmo instante afaguei o gatilho. O tiro partiu e o porco ficou no local onde se encontrava, dando às patas numa nuvem de pó. Soltou ainda um curto e surdo ronco, bateu as patas mais meia dúzia de vezes e aquietou-se.

“Finalmente conseguimos cumprir o nosso objectivo! Temos porco!” pensei novamente.

Mais uma confirmação com os binóculos só para verificar que o animal estava mesmo morto, após o que encosto a carabina e ligo o telemóvel para chamar o Luís.

“ Podes vir que já estou despachado” - sussurrei-lhe pelo telefone – “ … e trás ajuda para carregarmos o grande.”

Ao mesmo tempo olho para o local onde o javali está caído e parece-me notar um leve movimento. Pego rapidamente nos binóculos para verificar o que se passa e o porco está já meio levantado. Num repente arranca numa corrida desenfreada para dentro dos eucaliptos.

Como se calcula, fiquei estupefacto! O que se passou ?? O que foi que deu ao bicho ??

Pego outra vez na carabina, remunicio, recarrego e de lanterna na mão dirijo-me ao local. Lá está bem nítido o sitio da queda e do estrebucho do porco e as marcas do arranque mas nem sangue nem rasto de entrada nos eucaliptos. Entretanto chega o Luís com o Gonçalo e exaustivamente batemos o eucaliptal à procura de sinais de sangue ou de qualquer outro indício do animal. Mas nada, mesmo nada de nada. Parece que o bicho se esfumou no ar. No dia seguinte de manhã retomaram-se as buscas com um cão de sangue e nada de nada mais uma vez.

Nesta noite estava a caçar com uma carabina de calibre 9,3x62 com munição de 285 grs, e assim mesmo o porco desapareceu do nosso cenário e do nosso imaginário. Estaria provavelmente mal tocado e a bala não terá atingido uma zona vital tendo provocado um ferimento alto junto à coluna vertebral sem contudo a ter atingido, pois a reação do bicho é característica desta localização dos impactos.

Em conclusão, para além da tristeza do desfecho do lance e de mais este desaire aproveito para lembrar que nem sempre a ciência está do nosso lado nesta coisa de caçar javalis: a noite esteve melhor do que previsto, o porco ( …será que era o mesmo que andávamos à procura?) apareceu apesar de toda a claridade da noite e apenas faltou ao caçador o discernimento para colocar o tiro onde devia, sendo ele o único responsável pela situação. Lamentavelmente perdeu-se um animal ferido que não se cobrou.

Lamentavelmente são também estas as cenas que nos relembram que apesar de 30 anos de experiência de caça maior nunca sabemos tudo e que todos os dias temos mais uma lição a aprender. E caros amigos, convençam-se que esta ficou não só bem aprendida como viverá para sempre na minha memória de monteiro e de caçador.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº  180, em Setembro de 2012)

Texto e imagens do autor do domínio..

 


 

Caça de Aproximação aos Veados: Os meses de Verão

 

Os meses de Verão são os mais propícios para a caça de aproximação aos cervídeos. E são-no por vários motivos e factos que descrevemos no artigo designado por "Caça de Aproximação aos Veados - Os meses de Verão"

 

 

Introdução

Julho, Agosto e Setembro são os meses mais indicados para se praticar a caça de aproximação aos veados, aos gamos e aos corços. Diremos mesmo que são os meses de caça de aproximação por excelência.

 

Nesta época do ano os machos já têm as hastes completamente formadas sendo assim mais fácil apreciar a qualidade dos troféus dos animais que caçamos. Por sua vez, ao aproximar-se a época do acasalamento (o cio dos corços que decorre em Julho/Agosto, a brama dos veados em Setembro e a ronca dos gamos em Outubro), os machos começam a demarcar os seus territórios tornando-se menos erráticos nas suas deslocações, logo mais fáceis de encontrar.

A falta de alimento de qualidade devido à estiagem da época leva a que os animais se concentrem nos locais onde a comida está mais disponível e lhes é mais apetitosa, facilitando assim a tarefa do caçador.

Por outro lado a água disponível é escassa e qualquer ser vivo necessita diariamente de quantidades razoáveis de água pelo que esta época do ano é  a mais indicada para encontrarmos os cervídeos junto dos pontos de água ao fim da tarde.

Mas não se pense que caçar de aproximação nos meses de verão proporciona só vantagens porque há muitos outros cuidados a ter em atenção sob pena de não conseguirmos tirar o proveito desejado deste extraordinário momento de caça.

Para podermos entender melhor como tudo se processa vamos meter-nos na pele de um qualquer caçador que deseje realizar uma caçada de aproximação aos veados e assim dar os passos que este daria para concretizar a sua pretensão.

 

Comecemos pela escolha da zona de caça.

Atualmente de Norte a Sul do continente existem muitas zonas de caça onde é possível a caça de aproximação aos cervídeos estando a nossa decisão condicionada apenas ao tipo de animal que queremos caçar e à dimensão da nossa bolsa. Pessoalmente considero como regiões preferenciais para caça de aproximação os distritos de Castelo Branco, de Portalegre e de Beja onde se situam várias zonas de caça de tipo turístico abertas nas quais se pode caçar de aproximação aos veados. Para além disso são “centrais” têm bons acessos e muito por onde escolher em termos de alojamento e restauração de qualidade a preços razoáveis. Mas se quisermos caçar gamos também o podemos fazer nestas mesmas regiões já que as zonas de caça que oferecem caça de aproximação aos veados também têm presente um ou outro gamo, sendo contudo a sua caça mais complicada devido ao reduzido número de efectivos. Mas para os gamos temos sempre a possibilidade de caçar em zonas de caça nacionais como na tapada de Mafra, às portas da capital, onde o único cuidado a ter é o cumprimento dos prazos de inscrição para as diferentes jornadas de caça o que acontece apenas uma vez por ano. 

Por sua vez a caça de aproximação aos corços, sendo mais esporádica não é de todo impossível, uma vez que no Alto Alentejo existem duas zonas de caça de tipo turístico fechadas que oferecem este tipo de caça.

Como será fácil de compreender não citaremos as possíveis zonas de caça pois não pretendemos enaltecer umas em desfavor de outras, mas como caçador com alguns anos de caça maior recomendo vivamente que qualquer interessado em adquirir este tipo de jornadas tenha o cuidado de se informar cuidadosamente sobre a forma de atuação das diferentes organizações porque neste ramo (como em muitos outros) podemos sempre encontrar o bom e o mau.

 

A seguir devemos ter o cuidado de definir com a entidade organizadora da nossa caçada o tipo de animal que pretendemos caçar. Os valores a pagar estarão sempre dependentes do tipo de troféu que desejamos pelo deveremos distinguir se pretendemos o abate de um animal representativo, de um com troféu homologável ou se nos contentamos com um simples seletivo pois as dificuldades a superar na caça de uns e de outros, nesta época do ano, não são muito diferentes. Diferente será sim o valor a pagar no fim da nossa jornada quando se proceder à medição do troféu do animal abatido. Sobre este tema e para não alongarmos a extensão do artigo recomenda-se a leitura de “Veados de Aproximação: Seletivo, Representativo ou Troféu”, publicado no último número da revista Caça Maior & Safaris no qual o assunto é tratado em pormenor.

Por fim, escolhida que foi a organização de caça e acordado o tipo (bem como o valor a pagar) pelo “nosso” veado deveremos ainda ter em consideração as despesas acessórias e que são nada mais nada menos que as portagens e combustíveis bem como o eventual alojamento e alimentação. Estas despesas, neste período crítico que atravessamos, podem representar um incremento significativo da verba que inicialmente disponibilizámos para a nossa jornada de caça. Convém recordar que por vezes encontramos uma caçada “barata” mas no final as despesas acessórias fazem ultrapassar o valor inicialmente previsto em algumas centenas de euros. Este tipo de caça normalmente decorre ao longo de dois ou três dias pelo que há que ter em conta o alojamento e alimentação necessários.

 

Depois passamos ao ato, propriamente dito.

Definida a data da caçada convém estar na região de véspera ou pelo menos muito cedo porque para caçar cervídeos de aproximação deveremos comparecer na zona onde vamos caçar antes do nascer do Sol, momento em que os animais começam a sua actividade diária. Chegar mais tarde significa alertar os animais e dificultar não só as observações dos diferentes grupos como mais ainda as aproximações aos mesmos. As grandes deslocações de madrugada implicam que se comece a caçar já cansado e por tanto com as nossas faculdades mais necessárias no momento de tiro minguadas.

E para que a nossa caçada possa decorrer com prazer e comodidade não devemos esquecer o equipamento considerado como absolutamente necessário para este tipo de caça: roupa leve de cores neutras ou que estejam dentro do padrão das tonalidades vegetais da região onde vamos caçar, calçado adequado à época e usado para que não magoe os pés devido às muitas horas de caminhada por vezes necessárias e que tenha solas macias e silenciosas pois que nesta época do ano todas as ervas e arbustos estão secos denunciando facilmente as nossas movimentações. Não devemos esquecer a óptica, seja a de tiro seja a de observação. A de tiro deve ser um óculo com 6 a 8 ampliações em média com objectivas de 32 mm como mínimo. Podemos dar como exemplo os 3-9x40, os 2,5-10x50, ou até mesmo os 6x ou 8x fixos desde que previamente regulados para uma D.R.O. mínima de 180 metros. Já no que se refere à óptica de observação devemos equipar-nos com uns binóculos de 8 ampliações de qualidade razoável.

Igualmente importante, quase tanto como a arma e respetivas munições, é uma provisão razoável de água potável, tão necessária para manter uma forma física equilibrada ao longo da jornada.

Por fim e partindo do princípio que estamos a caçar acompanhados de um guia facilitado pela organização tenhamos atenção às suas sugestões e recomendações pois é ele que conhece a região, os hábitos diários dos animais e a forma como o ar – que deve estar sempre na nossa cara ou de atravessado (a 45º)- corre nas diferentes zonas da propriedade. Ele estará seguramente tão interessado quanto o cliente na consecução dos objetivos contratados porque, se nosso trabalho preparatório foi corretamente realizado, sem veado não haverá lugar ao pagamento (com excepção por vezes para algumas despesas menores de acompanhamento ou eventual inscrição).

Sobre os procedimentos a adotar na caça de aproximação recomenda-se a consulta da Internet no endereço

www.apaginadomonteiro.net/processosdecaca/a aproximacao

 no qual estas técnicas são descritas em pormenor.

 

Depois e com mais ou menor esforço e mais ou menos desaires conseguimos abater o animal desejado. Imediatamente após a imortalização do momento com a realização das fotografias da praxe (se não levou máquina fotográfica pode sempre usar a câmara do telemóvel), outras tarefas de absoluta necessidade se nos impõem. Uma é a de eviscerar o animal e outra realizar a  inspeção sanitária afim de puder aproveitar a carne do animal. Quer a carcaça seja entregue ao caçador quer fique na posse da zona de caça estes são procedimentos imprescindíveis no final de qualquer caçada de aproximação e que obrigatoriamente têm de ser concretizados logo nas primeiras horas após a morte do animal sob pena da carne se estragar.

E depois o que fazemos ao troféu?

Se pretendermos naturalizar o animal devemos proceder ao corte da cabeça acompanhada da capa de pele retirada até ao nível posterior aos ombros do veado e acondicionar o conjunto num saco de transporte suficientemente grande e de preferência isolado sob pena de ficarmos com a nossa viatura infestada com os parasitas cutâneos que proliferam nos animais bravios e com o sangue que naturalmente escorrerá do corte da cabeça.

Para concluir e para que tudo termine como deve ser devemos providenciar a sua entregue imediata no taxidermista que nos irá tratar do troféu ou procedermos nós próprios a essa tarefa no prazo mais curto possível. Se tal não acontecer o conjunto deverá ser acondicionado logo à chegada numa arca congeladora com o espaço necessário para a cabeça com as hastes ( espaço mínimo de um metro quadrado!) sob pena da pele e restantes tecidos se deteriorarem por ação do calor ficando a naturalização irremediavelmente perdida.

Finalmente e satisfeito o desejo creiam os nossos leitores que esta caçada ficará para sempre gravada na nossa memória e que sempre que olharmos o troféu - que ocupará um lugar de destaque na nossa parede -  viveremos outra vez tudo o que nesses dias aconteceu.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº  179, em Agosto de 2012)

Texto e imagens do autor do domínio..

 


 

ESPERAS AOS JAVALIS - O Nosso Cevadouro (AGOSTO de 2012)

 

Mais uma Lua e mais um desencontro. E por isso mesmo foi este o título dado a mais um relato das esperas noturnas aos Javalis. Veja-se então como foi.

 

Horários Desencontrados:

 

Tal como na Lua anterior e uma vez que já estava de férias decidi dar um maior acompanhamento ao nosso cevadouro, não só em termos do controle dos seus visitantes, como sobre a qualidade da comida e bem assim o desempenho do nosso tratador. E tudo corria pelo melhor: o posto era tratado com trigo e milho todos os dias, estava sossegado e resguardado de presenças humanas estranhas e a frequência era quase infalível. Portanto nada de especial a assinalar e pensamento de “ … vamos a ver se será desta!”

Aproveitando datas cacei o posto na primeira noite do período hábil ou seja dia 25 de Julho. Cheguei ao local às 18.50 e entrei no aguardo pelo lado oposto do caminho evitando assim alertar algum bicho que estive ali pelas imediações. Vento de NW firme, com 14 km por hora de velocidade média, céu limpo, alguma luz da Lua, enfim as condições perfeitas.

O cevadouro estava muito certo e apesar de nem sempre serem visíveis os rastos do porco que procuramos, os sinais da fêmea com a cria não falhavam noite nenhuma. Agora toda a área envolvente ao local da comida estava batida (muito pisada) com a terra feita em pó e todas as pequenas pedras espalhadas à volta como num circulo imaginário de limpeza. Logo as nossas perspetivas voltaram a subir.

No entanto e apesar das excelentes condições de caça, até às 23.30, hora em que Lua começou a baixar e a luz a fraquejar, nada aconteceu. Nem sons no mato, nem sopros abafados, nem sequer … nada.

Pensei que algo poderia acontecer depois da Lua “cair” e que os animais pudessem entrar à comida quando as sombras e o escuro lhes dessem a desejada proteção.

Mas não. Cacei até às 02.30 da madrugada sem sentir nada e durante o regresso a casa fui matutando sobre as possíveis causas da ausência dos bichos. A noite esteve ótima, o vento firme, enfim estiveram reunidas todas as condições para que tivéssemos visto algo.

Na manhã seguinte por volta das 10.30 da manhã telefona-me o Luís Camacho para me dizer que estava a tratar do cevadouro onde eu tinha estado algumas horas antes e que este estava… “todo limpo, completamente aspirado” foram as suas palavras.

Resumindo: os bichos foram depois de eu ter saído do posto ou na pior das hipóteses no regresso da manhã.

Começa a ser uma rotina incómoda, a história deste cevadouro.

Na segunda noite que decidi caçar o posto, dia 31 de Julho e antevéspera da noite de Lua Cheia, as condições meteorológicas eram muito semelhantes às da primeira noite logo estava outra vez tudo de feição para o caçador. Mas desta vez fui preparado para ficar até mais tarde e decidi terminar a espera nunca antes das 04.00 da madrugada no caso de não ver nada ou de não atirar antes dessa hora.

E assim fiz. Só que mais uma vez se repetiu a faena da primeira noite: não vi nada, não senti nada, e nem sequer houve movimento na zona do cevadouro. 

Desesperado com mais uma noite “perdida” pedi ao Luís que fosse ver o cevadouro o mais cedo possível na manhã seguinte e ele assim fez. Às 7.30 já estava no local constatando mais uma vez o que já suspeitávamos: o cevadouro estava outra vez completamente comido, limpo, mas desta vez havia vários sinais de saliva ainda húmida sobre o pó do cevadouro.

Este facto permitiu-nos ter agora a certeza que os bichos só estavam a entrar à comida (a esta comida) ao nascer do sol, quando regressavam aos encames.

Este facto leva-nos a procurar, em primeiro lugar os motivos de tais ocorrências, uma vez que as soluções só serão possíveis depois de conhecidas as causas.

Ora eu estive a caçar, também nesta Lua, em outras duas zonas de caça com localizações muitos distintas, uma neste mesmo concelho de Portel e outra no concelho de Coruche. E apesar da pressão se caça nestes concelhos ser relativamente elevada o que é certo e que tive javalis nos cevadouros às 20.20 em Coruche e às 20.40 em Portel, para além de outras várias entradas ao longo da noite e todas entre as 22-00 e as 0.00.

Então porque entram aqui, no nosso cevadouro, tão tarde, estando este guardado e sossegado e apenas sendo caçado e utilizado por mim?

É uma questão a que procuraremos dar resposta no próximo relato.

Até lá, saudações monteiras e muita paciência para aqueles que fazem esperas.

 

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº  179, em Agosto de 2012)

Texto do autor do domínio .


 

ESPERAS AOS JAVALIS - O Nosso Cevadouro (JULHO de 2012)

 

Mais um relato e mais um desaire. Para que não se pense que isto de caçar javalis de espera é chegar, esperar e atirar. Primeiro porque não se atira a um javali qualquer. Depois porque quando há sinais de um macho bom há que fazer tudo para conseguir cobrá-lo. Com cuidado, rigor e muita muita persistência. E nem sempre se consegue o que se pretende.

 

Duas noites

A Lua de Julho começou ainda no mês de Junho pois que sendo Lua Cheia no dia 3 de Julho, o primeiro dia legal de caça foi o dia 25 de Junho. E neste mesmo dia lá fomos testar mais uma vez o nosso cevadouro. Como é habitual fomos consultar a meteorologia para sabermos horas de pôr do Sol e de nascimento da Lua, velocidade e direcção do vento para além de outros pormenores como a evolução da temperatura ao longo da noite, informações estas que nos facilitam a permanência no campo ao longo de várias horas com um mínimo de conforto e de tranquilidade.

E as perspectivas não eram famosas: vento de sudoeste a variável com uma velocidade média de 27 km por hora o que, de acordo com a nossa experiência e numa zona com eucaliptos, não é nada favorável pelos muitos ruídos que provoca no coberto vegetal não facilitando nada a saída de animais adultos e experientes.

Os dias anteriores tinham estado muito quentes e nesse mesmo dia, quando cheguei a Portel o termómetro do meu automóvel marcava 42º no exterior, pelo que tratei de imediato de fazer a necessária provisão de água fresca para levar para o posto.

Coloquei-me ás 19.40 (muito cedo, pois o Sol só se punha ás 20.57) e ali estive passando horas. O vento, contrariamente ao indicado, estava terrivelmente incerto: ora soprava de Leste (nas costas) ora de Sul (carregando para a entrada dos animais) ora de oeste, rodando sempre, acompanhado de rajadas fortes com frequência e muito fortes ocasionalmente.

Resultado: guardámos o cevadouro até à 1.30 da madrugada e nada entrou, tal como seria de esperar. No dia seguinte observamos que nada ali tinha comparecido pois a comida estava intacta.

 

A segunda noite

Uma vez que o período lunar assim o possibilitava agendámos outra espera para a semana seguinte em dia a acordar, mas os meus afazeres profissionais apenas me permitiram voltar a tentar na terça-feira seguinte ou seja na noite de Lua Cheia. Contrariamente às minhas perspetivas ( pois não gosto de fazer esperas com muita luz por motivos mais que óbvios) lá fomos outra vez a caminho do Alentejo. O cevadouro continuava a estar comido ao longo de toda a semana e apesar de nem sempre se conseguir ver os rastos devido à dureza do terreno o que é certo é uma vês por outra se notava o rasto do nosso “amigo”.

Nesta segunda noite o vento já estava na direcção certa ( NNW ), mas ainda muito forte (23Km por hora) o que não era nada bom, mas lá nos colocámos às 19.50 como era habitual, com a perspectiva de ter de esperar bastante até que o vento abrandasse, o que estava previsto apenas para depois da meia-noite.

Pôs-se o Sol e caiu lentamente a noite que sendo de Lua cheia mais parecia de dia. Às 22.00 horas a lua iluminava já a encosta do cevadouro mas este estava ainda encoberto pelas sombras das poucas azinheiras circundantes.

E às 22.10 pareceu-me ver qualquer coisa a caminho do cevadouro o que, pelo  tamanho, calculei ser uma lebre. Passo para os binóculos 10x50 e verifico tratar-se de um listrado e logo de seguida, 2 metros atrás, vem a progenitora: uma marra que não tinha mais de 40Kg.

Enquanto estes começam a comer calmamente percorro com os binóculos a zona envolvente que ainda se encontra na sombra. Apercebo-me que está outro animal a aproximar-se pelas sombras muito lentamente e meio rastejante mas bem maior que a marrã. Parou, olhou para o cevadouro onde a companheira já tinha começado o banquete e fez duas tentativas para sair das sombras. Estava muito desconfiado e o vento também não estava a ajudar nada pelo reboliço que fazia. Entretanto arriscou-se a sair ao claro e foi para a comida, sempre muito desconfiado.

Rapidamente revi o “ficheiro de dados” sacado das memórias das noites anteriores. Este animal não tinha mais de 75 Kg, é negro de pelagem e pelo trabalho que estava a fazer era capaz de ser aquele que temos andado à procura.

Chegou ao cevadouro e tal como um gato que se prepara para saltar sobre a presa estica-se todo o toma uma bocada de milho. Neste preciso momento decido-me e largo os binóculos para passar à carabina. Quando a encaro e ponho o óculo em cima de cevadouro, já lá não está…

Vejo perfeitamente a marrã e o listrado que ora de frente ora de atravessado se banqueteiam, mas do porco nada. Corro com o óculo a periferia até onde a vista alcança mas nada.

“Está muito vento e está muito desconfiado” pensei.

“Ainda é cedo, a noite ainda agora começou e a companheira ficou a comer. Pode ser que volte”.

A fêmea e a cria comeram durante mais de meia hora. A marrã começou a ficar também muito desconfiada após a saída do macho e intercalava a comida com saídas para o mato e calmas reentradas, quando por volta das 22.45 saiu para não mais voltar. O listrado ainda comeu sozinho cerca de 5 minutos mais até que saiu de corrida seguindo os passos da progenitora.

E até ás 2.30 da madrugada nada mais.

Mais uma noite em que o javali superou a técnica e a ciência do caçador mas desta vez já o vimos e sabemos “quem ele é”!

Outra noite virá. Outra noite será.

E se aquele não voltar certamente haverá outro capaz de pagar o tributo pelas noites em branco.

Esta foi mais uma noite da caça. Algum dia será a noite do caçador !

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº  178 , em Julho de 2012)

Texto e Imagens do autor do domínio .


ESPERAS AOS JAVALIS - O Nosso Cevadouro (JUNHO de 2012)

 

Continuando a saga das esperas noturnas aos javalis passando por alentos e desalentos vários, transcrevemos mais um dos artigos publicados sobre o assunto para que todos se possam aperceber que isto de cobrar "um porco grande" não é como o caçador pensa...

 

Após um interminável mês de “defeso” o nosso organizador o Luís (Camacho) Nunes foi acompanhando e tratando o cevadouro, dando-nos notícias semanais da sua evolução e confirmando as presenças já de todos conhecidas: a fêmea com as crias e o “senhor” acompanhado do seu escudeiro.

 

Eis que chegou novo período de Lua Cheia e após consulta da meteorologia decidi caçar logo na primeira noite do período legal.

Ora o primeiro dia do período hábil foi, efectivamente, Domingo dia 27 e, por princípio e tradição, faço os possíveis por passar sempre este dia com a família tentando desta forma compensar as muitas e frequentes saídas para o campo. Assim sendo a primeira grande tarefa foi conseguir convencer a minha esposa da necessidade imperiosa de caçar neste dia, facto que me custou algumas promessas de futuras saídas e outras compensações. É claro que com o Luís já estava tudo combinado e preparado para chegar cedo à Zona de Caça, espreitarmos os rastos no local e decidir a minha localização face á entrada dos javalis, tudo isto dando ainda tempo para voltarmos à vila e aproveitarmos um leve lanche  no restaurante do nosso amigo Gonçalo.

E assim aconteceu. Cheguei á zona de caça às 15.00 horas onde o Luís me esperava com a sua carrinha 4x4 e fomos observar e eventualmente fotografar os rastos no cevadouro.

 

O Desaire

Qual não foi o nosso espanto quando, chegádos ao local e entrando pelo lado oposto ao habitual afim de escolhermos convenientemente a localização para a espera ( lembremo-nos que logo na primeira noite o porco foi descobrir-nos no palanque), encontramos uma porca mansa a banquetear-se com o milho. Parou de comer e ficou a olhar atentamente para nós que estávamos a mais de 100 metros do cevadouro. Assim a olho nu demos-lhe cerca de 150 Kg de peso bruto e ainda conseguimos perceber que estava parida pois as tetas, cheias de leite, quase tocavam o chão.

Ao cabo de alguns segundos o bicho sopra-nos e arranca para o mato em trote rápido.

“Esta já está assilvestrada” comentei.

“Mas de onde é que este bicho saiu?” interrogou-se o Luís.

A propriedade não tem gado e a criação intensiva de porcos mansos mais próxima situa-se a mais de 2 Km de distancia, facto que não é impeditivo da presença daquele animal na zona de caça. Assim mesmo fomos observar os rastos no cevadouro e confirmamos que aquela patorra não enganava ninguém e que era a primeira vez que ali era vista, o que nos permitiu concluir que o animal, nas suas deambulações, teria encontrado o cevadouro naquele mesmo dia. Mas, estando parida e cheia de leite, onde teria deixado os bácoros??

Quanto aos outros rastos, os dos javalis, lá continuavam presentes apesar de muito misturados uns com os outros e apenas na área do milho pois que, com a melhoria do tempo, o terreno voltou a ficar muito duro e os rastos eram praticamente imperceptíveis.

Depois de muitas perguntas sem resposta outras mais sérias se levantaram: O que fazer agora? Manter a opção da caçar o cevadouro ou deixar para outra noite? Continuar a apostar no local ou … ?

 

 

As Perspetivas

Como estamos em época de crise e de contenção de despesas decidi que, uma vez que ali estava, a opção seria de assim mesmo caçar. Voltar para casa estava fora de questão pois a despesa estava feita, e para além do mais os rastos dos javalis mantinham-se no local e eram recentes pelo que a presença da porca não alteraria a rotina dos visitantes bravios.

Decidimos que a comida seria reposta para compensar o “desbaste” dado pela porca mansa mas apenas mais tarde e no momento em que me fosse colocar para realizar a espera não fosse a nossa visitante voltar ao local e encher a barriga com o mais milho.

E fomos calmamente passar o resto da tarde a lanchar e a contar as nossas desventuras na Cozinha d’Aboim, o restaurante onde o Gonçalo nos esperava como de costume.

O Gonçalo não sendo caçador é contudo um amante do campo, da Natureza e de tudo o que à caça diz respeito. Faz questão de nos ajudar a carregar um porco a qualquer hora para além de fazer o favor de manter o seu restaurante aberto durante a noite quando se trata de fazer um petisco para os caçadores ou clientes do seu compadre Luís. Vantagens de se viver na província onde tudo é possível desde que haja boa vontade.

 

A Espera

Cheguei ao local às 19.00 horas com tudo sereno, vento firme e não muito intenso (apesar da meteorologia prever ventos de 27 Km por hora ou seja demasiada fortes para o meu gosto nas esperas) e coloquei-me diametralmente oposto ao palanque, no alto do cabeço, mas com boa visibilidade para o cevadouro. O Rangefinder indicava 112 metros mas como o desnível era bastante grande calculei a distância real, entre verticais, em não mais de 70 metros.

Na imagem ao lado pode ver-se a localização de espera escolhida (A) bem como o local onde se encontrava a porca mansa (B) e por onde saiu (seta  vermelha).

Apesar do vento estar nas minhas costas e carregando na Direcção do cevadouro, confiei no facto do desnível não permitir que os javalis, na entrada, não me apanhassem o odor.

E assim foi. O Sol pôs-se por volta das 20,45 e às 9,30 era já noite fechada e com pouca luz uma vez que Lua estava ainda muito fraca e baixa. Mas como havia bom contraste com o terreno dava para perceber a entrada de qualquer animal.

Eram 22.00 horas quando o eucaliptal pareceu desmoronar-se em sons abafados de ramas secas trituradas. O rumor ia-se aproximando progressivamente até que, por cima do cevadouro e no limite do eucaliptal com o aceiro, suou um ligeiro sopro. Logo começaram a aparecer no limpo pequenas sombras (quatro ao todo) seguidas de um vulto bem maior que se dirigiam para a comida que antes tínhamos espalhado.

Na imagem pode verificar-se a localização do caçador e o ponto de entrada dos javalis.

 

 

 

 

Tinha acabado de entrar o grupo familiar que frequentava o cevadouro há mais de uma mês. Os listrados com cerca de 3 ou 4 kg cada um, ora comiam ora brincavam, ora corriam atrás uns dos outros enquanto a progenitora parecia revelar algum nervosismo. Esta comia pouco tranquila, voltada para a zona de entrada, eriçando as cerdas e soprando como que tentando adivinhar se algo de estranho se passava dentro dos eucaliptos.

Ali estiveram cerca de 15 minutos, comendo pouco e exibindo muito nervosismo até de repente e sem motivo aparente fugiram todos de corrida para o lado oposto ao da entrada.

Entretanto o vento começou a ficar mais forte, diria mesmo muito mais forte atirando-se agora para as velocidades previstas. O barulho que provocava nos eucaliptos era ensurdecedor, parecendo que os troncos se partiam uns após os outros, inviabilizando qualquer perceção auditiva dos animais. E assim esteve o resto da noite.

Por volta das 22,40 pareceu-me ver uma sombra em movimento junto ao cevadouro e os binóculos comprovaram tratar-se de um javali com cerca de 35 kg que “batia” o terreno de focinho no chão como se de um perdigueiro se tratasse. Entrava e saída pelos mesmos passos voltando a entrar em pontos diferentes. Conferiu o rasto de saída da porca mansa e o da javalina com a sua prole, foi ao cevador confirmar a comida, mas não lhe tocou e voltou a sair.

“ Aí está o escudeiro! Vamos ver se o grande entra.” Pensei.

Mas o barulho nos eucaliptos era tanto que logo me assomou a ideia do “nosso” porco não se confiar e infelizmente assim aconteceu. Mais uma ou duas entradas efusivas do escudeiro e uma saída definitiva sem que o senhor comparecesse no terreiro. Eram então 22 e 50 e até ás 2.00 da madrugada nada mais compareceu no cevador.

Pelo menos desta vez não me sentiu nem fizeram ideia que eu lá estava, apesar de estar com o vento nas costas. O declive do terreno foi meu aliado, mas mesmo com esta nova aposta ainda não foi nesta Lua que consegui enganar o “tal”.

Dizia um companheiro de caça maior que os grandes navalheiros só morrem quando querem morrer, o que significa que não é por lhes darmos mais caça que os conseguimos cobrar.

E pelos vistos este ainda não quis morrer.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº  177 , em Julho de 2012)

Texto e Imagens do autor do domínio .

 


 

ESPERAS AOS JAVALIS - O Nosso Cevadouro ( Maio de 2012)

 

Na sequência dos artigos anterior sobre as esperas aos Javalis e agora acompanhando a evolução do posto, passamos ao relato da segunda Lua  de caça na qual demos tréguas ao animal.

 

Ao longo do período de não caça (entre Luas) fomos acompanhando através do nosso organizador local, o Luís Camacho, os visitantes do cevadouro que, pela frequência de ocorrências,  se tornaram presenças habituais.

Assim e logo que terminou o período de Lua Cheia do mês de Abril e os campos serenaram da presença inoportuna de pessoas e veículos, reganhando a tão necessária tranquilidade para os animais bravios de maior porte, o “nosso” javali não falhou noite nenhuma até ao período da Lua Nova. Só que neste período e provavelmente devido a algum susto maior que o tenha surpreendido nas suas deambulações, o bicho passou a vir acompanhado de outro de bem menor porte que, pelo rasto, aparenta cerca de 30/40 kg. Será possivelmente um “escudeiro” que na expectativa de aprender alguma coisa com o seu “mestre” lhe servirá também de batedor, melhorando assim a segurança de ambos.

Depois, e coincidindo com três dias de maior temporal ( muita chuva e vento forte) o cevadouro falhou. Mas foi interrupção de pouco tempo pois logo que o tempo estabilizou e apesar de continuar com chuva, os nossos “amigos” voltaram a frequentar o local agora com a “mesa” servida com apetitoso cocktail de trigo, cevada e milho, aditivados com algumas (poucas) bolotas.

E começámos a criar novas expectativas aguardando impacientemente a chegada do período legal de caça.

Entretanto e por algum motivo de novos amores inconcretizados, começaram a aparecer no local outros rastos: um porca acompanhada da sua última criação também começara a desfrutar do repasto diariamente servido, sendo que os antigos frequentadores também ali mantinham a  presença. Os seus rastos apareciam sobrepostos aos da fêmea e crias, significando isso que ou vinham com ela ou chegavam imediatamente a seguir.

E as expectativas do caçador foram crescendo, mas em vão.

Nos primeiros dias de caça o vento esteve sempre muito forte e incerto o que inviabilizou qualquer tentativa de espera. Temos por experiência que porcos grandes não saem ao limpo com vento forte e que limitam as suas deslocações ao mínimo durante a noite.

Por outro lado e durante todo o período da Lua, a fêmea acompanhada da sua prole foi presença assídua no comedouro mas o nosso macho nem sempre comia. E dizemos não comia porque o seu rasto apenas era perceptível diariamente dentro da mata de eucaliptos não se arriscando a sair ao limpo, tal como já esperávamos.

E por tudo isto e porque queremos cobrar este javali de forma correta e desportiva, optámos por não lhe dar caça nesta Lua. Pensamos que o animal está fixo e dominante na área e que provavelmente, devido à presença da fêmea ali se manterá por mais uns tempos, pelo que decidimos aguardar por noites com melhor tempo, logo melhor visibilidade e acima de tudo melhor vento, pois este é a condicionante maior da caça de espera.

Devemos salientar que o local destinado a esta série de artigos está rigorosamente reservado apenas sendo caçado por nós, facto este que nos dá garantias de podermos aguardar pela altura certa para o caçar, sem correr  o risco de alguma perturbação afugentar o animal ou fazê-lo mudar de zona .

Mais uma vez foi a vez da caça ficando o caçador de novo a perder.

E como dizia o nosso Editor no mês passado : Javalis 2, Caçador 0.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº  176 , em Junho de 2012)

Texto e Imagens do autor do domínio .

 


 

ESPERAS AOS JAVALIS - O Nosso Cevadouro ( Abril de 2012)

 

Primeira noite e Lua de Caça. Muitas expectativas como era natural. No entanto a esperteza do animal levou a que mais uma vez o bicho vencesse o Homem. Este é o verdadeiro desafio das autênticas Esperas aos Javalis.

 

Após a instalação do cevador e segundo o responsável pelo local este começou a  ser comido dois dias após a sua criação, seguindo assim durante 13 dias consecutivos e enquanto o tempo esteve seco.

Depois e com a aproximação do período da Lua Cheia começou a chover e o cevador, tal como já esperávamos, começou a falhar ficando incerto.

E enquanto até a essa altura esteve sempre completamente comido fazendo crer a presente de uma grupo de animais relativamente jovens e não identificáveis devido à dureza e secura do terreno à volta do ponto de comida, agora a incerteza deixou-nos  esperanças de uma nova realidade.

E assim foi. Dois dias, após as primeiras chuvas o cevador voltou a estar frequentado mas desta feita apenas ligeiramente tocado, diríamos mesmo muito pouco comido.

A experiência de muitas anos levou-nos a pensar que teríamos ali um novo visitante que nada tinha a ver com o anterior grupo de assíduos frequentadores.

No quinto dia do período lunar, durante a manhã, eu e o organizador fomos observar e “tratar”o cevador, voltando a constatar que continuava pouco comido como até ali vinha acontecendo, mas agora como o terreno estava mais brando procurámos indícios do visitante, os quais fomos encontrar junto a uma poça de água meio seca nas imediações da comida. ( Foto).

De imediato decidimos que naquela mesma noite iria observar o personagem e se fosse o exemplar que esperávamos, tratar de o fazer pagar o consumo alimentar dos dias anteriores.

E se bem o pensámos melhor o fizemos. Consultada a Meteorologia as previsões para a noite na região de Portel anunciavam céu pouco nublado ou limpo durante a noite, vento de Oeste Noroeste de 10 Km por hora, ligeira descida de temperatura para uma mínima de 9º centígrados e 0% de probabilidade de chuva. Melhor só de encomenda. Só faltava saber a que horas se punha o Sol e até que horas teríamos a Lua a iluminar-nos e os resultados foram respectivamente de 19.59 e 04.56.

E às 18.40 já estava instalado no aguardo metálico, ao nível do chão, desfrutando de um entardecer calmo e quase sem vento, ouvindo todos os ruídos dos muitos animais e aves que se atarefavam uns a preparar o descanso noturno e outros a começar a sair para os seus afazeres diários. Tão calma estava a tarde que cerca das 19.00 horas estalou um ramo seco na encosta à minha frente e à esquerda do local do cevador. Passados alguns minutos novo ramo quebrado alguns metros mais abaixo. Depois cerca das 19.35 foi uma pedra que rolou um pouco mais abaixo e logo a seguir outro rumor que me pareceu qualquer coisa a ser mastigada.

Não fosse a calmaria da tarde e a inexistência de vento e todos estes pequenos ruídos teriam passado despercebidos ao ouvido mais atento.

O meu pensamento no momento foi aquele que se calcula: “…estava deitado na encosta à esquerda do cevador e começou calmamente descer para entrar à comida encoberto com os eucaliptos e com o vento no “focinho”. Mas de imediato uma dúvida me assaltou o espírito: “… será que me sentiu chegar ao posto? Talvez não. Poderá estar a aguardar o cair da noite e a escuridão protetora do crepúsculo para se aventurar a sair ao limpo. E para mais é a primeira noite de caça desta época e ainda não ouviu tiros. A ver vamos!”

Longos minutos foram passando com a noite já caída e a Lua a não querer dar sinais de vida encoberta pelas últimas nuvens que se afastavam, quando me pareceu sentir um ligeiro sopro de tomada de ventos junto ao caminho onde calculava que o meu visitante fosse entrar à comida. Com a natural descarga de adrenalina e a pulsação ligeiramente acelerada fui levantando os binóculos 10x50 com a mão esquerda enquanto a direita procurava já o fuste da carabina.

Mas… nada aconteceu. Tudo voltou à normalidade. A calmaria continuava, apenas interrompida de quando em vez por um golpe mais forte de vento que logo de seguida serenava. Senti algo a sair dos eucaliptos: duas perdizes que por estranho que pareça não foram ao grão mas antes se entretiveram a picar rebentos do prado recém nascido. Logo depois e do lado oposto ao nosso visitante uma jovem raposa entrou e dedicou-se ao reconhecimento do local, de focinho no chão, cheirando avidamente o rasto das perdizes.

E do porco nada.

Eram exactamente 20.55 quando nas minhas costas, a não mais de 2 ou 3 metros da porta do aguardo sinto um ligeiro sopro seguido de uma corrida desenfreado mato abaixo. Assim sem mais nem menos. Sem um único ruído de aproximação, sem nada que pudesse denunciar a sua chegada.

Estava agora esclarecida a minha dúvida. O bicho sentiu mesmo a minha chegada e como previdente que é foi certificar-se dos seus receios acautelando desta feita e mais uma vez a sua existência.

Desta vez ficou ele a ganhar.

Prevendo-se que seja um animal sabido, comecei logo a delinear a estratégia para o tentar enganar e que passa por me mudar para uma posição segura, de forma a que vá ao palanque à minha procura e se certifique não estar lá ninguém.

Se ainda houver possibilidade esta Lua, faremos outra tentativa com a nova estratégia. Mas provavelmente será preferível deixá-lo acalmar por agora e dar-lhe caça apenas no próximo mês.

No momento em que escrevemos este relato, domingo dia 8 de Abril, soubemos que tem continuado a frequentar o local, agora acompanhado de outro mais pequeno que se supõe ser seu escudeiro. No entanto os indícios observados deixam concluir que apenas têm ido de madrugada, no regresso para o encame que pelos vistos se mantêm na mesma área.

Para o mês que vem logo veremos se ainda lá está pois o cevador está religiosamente guardado  na maior paz e sossego.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº 175 , em Maio de 2012)

Texto e Imagens do autor do domínio .


 

ESPERAS AOS JAVALIS

 

Apesar de muito se ter já escrito sobre este tema, voltamos ao assunto para acompanhar, em termos de reportagem mensal, um posto de caça aos javalis algures no Alentejo. Para além da preparação e referências do local e do posto, faremos o acompanhamento dos factos, vicissitudes e estratégias a que um esperista tem de se sujeitar.

 

Um dos processos de Caça Maior que mais praticantes congrega é sem dúvida o processo de espera aos javalis em noites de Lua Cheia. Sobre ele muito se tem escrito quer na imprensa da especialidade quer em fóruns da Internet. Mas será que já se disse tudo o que havia para dizer?

 

Fazer esperas aos javalis qualquer caçador animado de vício e de paciência faz. Mas há uns que se distinguem da maioria por serem aquilo que normalmente se designa por verdadeiros “Esperistas”.

Ir para o campo de arma na mão munido de carabina com uma boa ótica ou de uma simples caçadeira com alguns cartuchos de bala é fácil e muitos são os que isso se dedicam, mas a diferença reside realmente no facto de alguns terem mais sucesso do que outros, diria mesmo, alguns terem quase sempre sucesso enquanto outros só o conseguem por acaso.

O verdadeiro “Esperista” é aquele que caça de forma desportiva, isto é, que tendo tantos factores a seu favor, dá algumas possibilidades de defesa aos animais. E para isso caça de espera no chão, fora dos sofisticados abrigos, sem palanques a 3 ou mais metros de altura e/ou sem utilizar neutralizadores de odor. E desta forma ou tem o posto preparado de forma correta ou nunca chegará a ver os javalis uma vez que estes o sentirão com muita antecipação e se irão a salvo de qualquer perigo.

Já foi frequentemente dito e escrito que nas esperas o vento tem de “estar bom”, que a Lua deverá colaborar com o caçador iluminando a zona de tiro, que se deve estar o mais sossegado e calado possível e que, para além disso, se deve usar uma ótica suficiente boa para podermos identificar correctamente o nosso alvo.

Então porque é que tantas vezes estes factores não funcionam e a nossa espera não passa de mais uma noite perdida no campo?

Porque frequentemente nos esquecemos que as condições que nos levam a definir o posto de espera são analisadas durante o dia e em função dos sinais deixados pelos javalis, e quando cai a noite as regras se alteram completamente: os ventos mudam ou tornam-se incertos, a visibilidade do local de tiro nem sempre é a que pensávamos e porque muitas vezes os animais vêm pelas nossas costas e somos prematuramente detectados, para mencionar apenas as situações mais vulgares.

A única forma de ultrapassar estes problemas é cumprir com mais alguns pressupostos que condicionam a escolha do lugar para levar a cabo, com sucesso, a nossa espera, seja ela feita numa passagem, à água ou com um cevadouro. Vejamos pois quais.

 

A Orientação do posto em relação ao local de tiro:

Partindo do princípio que em Portugal, durante a noite e com tempo estável (definido como aquele em que a Pressão Atmosférica se encontra em níveis normais ou seja próximo dos 1020 milibares) o vento dominante sopra sempre de Noroeste e mesmo que esteja ligeiramente instável, soprará sempre do quadrante Norte - Oeste, então esta deverá ser a orientação do nosso posto: tal como na imagem que se segue o posto deverá estar no vértice do quadrante de círculo e o local de tiro em qualquer ponto do arco de círculo compreendido entre Oeste(W) e Norte(N).

                              W

        N

 

Com esta localização garantimos que o vento nos estará sempre favorável e que a Lua estará sempre nas nossas costas ou por cima de nós iluminando a zona de tiro.

E para garantir que mesmo com inesperadas mudanças de direcção do vento não goramos a espera, deveremos estabelecer o posto num ponto mais elevado que o local de tiro garantindo pelo menos um ângulo de inclinação mínimo de 20º, bem como uma distância mínima ao local de tiro de 75 metros.

Sabendo nós que os javalis, durante a noite, preferem deslocar-se utilizando as sombras dos vales e as linhas de água pela proteção que estas lhes proporcionam, se o caçador estiver mais elevado que o local de passagem ou de entrada, então os ventos maus não denunciarão a sua presença.

A segunda condição será que o posto deverá situar-se em terra limpa e despejada de mato. Porquê? Porque se o animal desconfiar da nossa presença e quiser vir às nossas costas certificar-se, não se arriscará a fazê-lo em terra limpa e iluminada.

Creiam os leitores que estas regras garantem, à partida, mais de 50% do sucesso da espera e apenas estaremos dependentes dos javalis quererem ir àquele local, nessa mesma noite. Mas esta é uma contingência sempre presente e que nenhum humano consegue alterar.

E se mesmo cumprindo as condições referidas algo se alterar, como por exemplo uma anunciada mudança de tempo que faça com que o vento rode para o quadrante Sul Ou Este, a Lua estiver completamente encoberta por nuvens baixas e visibilidade for muito reduzida ou qualquer outra condição imprevista e incontrolável? Então essa será seguramente uma noite para ficar em casa ou para nos dedicarmos a qualquer outra actividade, pois ir para o campo nessas condições apenas serviria para alertar os animais e possibilitar um sucesso mais que duvidoso.

Não nos esqueçamos que estamos a pretender o máximo sucesso possível caçando sempre de forma desportiva e isto é o que distingue o “Esperista” de todos aqueles que fazem esperas de noite.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº 174 , em Abril  de 2012)

Texto e Imagens do autor do domínio .

 


Calibre .22 LR  um calibre para Caça? 

 

Este artigo teve como objectivo primordial levar as entidades responsáveis a considerar os problemas que recentemente têm ocorrido no nosso país no que se refere à tentativa de aquisição de armas longas de calibre .22 LR para utilização em atos de caça. Casos houve em que as Direcções Distritais da P.S.P. emitiram as solicitadas autorizações de compra, e casos outros houve em que para os mesmos pedidos a Direcção Nacional as recusou. Ao mesmo tempo e para as poucas que foram emitidas. não se sabe quando terão os  adquirentes acesso ao respectivo Livrete de Manifesto de Arma. Assim sendo tentou-se explicitar e clarificar a base do problema e atendendo a que a publicação do artigo foi acompanhada de um parecer jurídico sobre o assunto e pelo parecer da Direcção Nacional da P.S.P. estamos conscientes de ter dado o nosso melhor contributo para a clarificação de assunto de tão grande importância.

 

Em Portugal e ao longo dos últimos anos temos assistido a um furor legislativo que condiciona a aquisição e a utilização das armas de fogo com base nos pressupostos do combate à criminalidade e da manutenção da segurança interna. No entanto parece que as novas directrizes sobre este assunto não têm conseguido atingir os objectivos propostos.

 

A Lei das Armas

Um pouco à semelhança do que tem acontecido por essa Europa Comunitária as autoridades portuguesas resolveram “moralizar” o acesso às armas de fogo impondo normas rígidas sobre a sua aquisição e utilização. Se bem que não sejamos contrários a um conjunto de regras que impõem as mais elementares normas de segurança na utilização de uma arma de fogo, bem como sobre a sua guarda e transporte, sentimo-nos por outro lado incomodados com a burocracia processual que ainda se mantém para além de todos os “Simplexes” implementados até ao momento sobre este mesmo assunto.

Após a publicação da Lei 17 de 2009, que veio , pela segunda vez, alterar a inicial Lei 5/2006, impondo regras e normas tão apertadas para o sector que o próprio estado se viu incapaz de as implementar e cumprir, veio finalmente à luz do dia uma terceira alteração com o objectivo de resolver os problemas criados pelo o anterior diploma e que tinham a ver com a duplicação de processos, reduzidos prazos de vigência das licenças, curso de formação inicial e de actualização que não podiam ser ministrados  (e que salvo raras excepções continuam a não poder ser prestados) para citarmos apenas alguns.

Ora na mencionada Lei 17 de 2009 aparece-nos uma novidade: a inclusão na classe C das “armas de fogo de calibre até 6 mm ou .22 unicamente aptas a disparar munições de percussão anelar”(sic), novidade esta que se vê confirmada na alteração que este ano foi produzida ( Lei 12 de 2011 de 27 de Abril), pelo que será de deduzir que não houve qualquer erro ou confusão do legislador nesta inclusão.

Mais adiante, no seu artigo 15º a mesma lei define a quem pode ser atribuída uma licença de uso e porte de arma de tipo C, e refere de forma explícita as condições cumulativas que qualquer cidadão deve respeitar para que a mesma possa ser atribuída:

a) Se encontrem em pleno uso de todos os direitos civis;

b) Demonstrem carecer da licença para a prática de actos venatórios de caça maior ou menor e se encontrem habilitados com carta de caçador com arma de fogo ou demonstrem fundamentadamente carecer da mesma por motivos profissionais;

c) Sejam idóneos;

d) Sejam portadores de certificado médico;

e) Sejam portadores do certificado de aprovação para o uso e porte de armas de fogo.

Assim sendo fica bem claro que os caçadores, a quem foi atribuída uma licença de uso e porte de arma de tipo C, podem adquirir (mediante prévia autorização é certo) uma arma de fogo de calibre até 6 mm ou .22 unicamente apta a disparar munições de percussão anelar. E logicamente que sendo caçadores e detentores da respectiva licença de uso e porte de arma poderão utilizar, na caça, as armas previstas e consideradas na classe da sua licença.

Mas… “Não há bela sem Senão” diz o ditado. E se voltarmos novamente ao artigo 3º da referida Lei 17, encontramos no seu ponto 10 o Senão.

Neste nº 10 estão consideradas para efeitos da legislação da caça, entenda-se como armas de caça, todas as armas mencionadas nas alíneas a),b),e c) do dito artigo 3º omitindo-se a alínea e) deste mesmo artigo.

Assim sendo as armas de calibre .22 são armas da classe C mas não são armas de caça.

Ora, seria lógico considerar que a definição das armas e calibres para caça fosse da responsabilidade da entidade que a regula ou seja o Ministério da Agricultura, no qual estão inseridos todos os organismos que regulamentam a caça em Portugal. Mas no entanto esta entidade remete para a legislação específica - artigo 2º, alínea e) do Decreto-Lei 202/2004 – ou seja para a Lei das Armas, tal definição.

 

O calibre .22 em Portugal

Ao longo de décadas temos assistido a uma preocupação muito grande por parte das autoridades competentes em relação ao calibre .22. Primeiro foi considerado durante anos e anos como calibre de arma defesa (armas curtas) e calibre especifico de tiro desportivo (armas longas e curtas) logo calibre de aquisição condicionada. Depois deixou de ser considerado como calibre de arma de defesa (e muito bem pela sua ineficacidade para este efeito), passando agora a ser incluído nas armas de classe C situação que considerados igualmente correcta. Mas… não sendo considerada como arma de caça, então pode ser adquirida, mas não pode ser utilizado para este efeito, pelo menos em Portugal. Não faz sentido!

Para os detentores de licença de uso e porte de arma da classe C não há qualquer restrição nos calibres a adquirir desde que a arma se destine à pratica de caça. Assim sendo não se compreende a relutância das autoridades em relação ao calibre .22 seja ele Short, Médium ou Long Rifle. Existem calibres muito mais perigosos e mortíferos em armas longas e no entanto em relação a esses não parece haver qualquer tipo de preocupação.

O calibre .22 é utilizado como calibre de caça na quase totalidade dos países europeus e em todos os países por esse mundo fora onde há caça organizada. Tanto se utiliza na caça menor como na caça maior sendo especialmente utilizado na correcção da densidade de espécies que provocam prejuízos na Fauna e na Flora para além se ser um calibre com munições baratas.

E como facilmente se entende estas normas nada têm a ver com a manutenção da ordem pública, da segurança interna ou do combate á criminalidade.

Em Portugal as estatísticas mostram que o crime praticado com armas de caça representa uma percentagem muito baixa e tem pouca expressão. Por outro lado com ou sem estatísticas para nos chamarem a tenção assistimos no dia-a-dia ao aumento da criminalidade violenta com utilização de outro tipo de armas e com armas de fogo de calibres proibidos que certamente não chegaram aquelas mãos por via dos caçadores ou de cidadãos idóneos.

 

Cidadãos Legais ou Criminosos?

Todos os cidadãos cumpridores e responsáveis se sentem ofendidos quando são acusados de serem responsáveis pela passagem das armas para o lado do crime.

E têm todo o direito de se sentirem ofendidos porque, depois de um extenso processo documental para concretização da atribuição de uma simples licença de uso e porte de arma de caça, para além dos custos financeiros que tal processo implica e para além do tempo consumido em todo o processo que ultrapassa largamente os prazos previstos na lei das armas, ainda serem considerados como suspeitos… porque são proprietários de uma arma de fogo!

Ora o cidadão que se candidatou à atribuição de uma Licença de Uso e Porte de Arma deste tipo e que superou todas as vicissitudes do processo é reconhecidamente um cidadão idóneo, honesto e cumpridor e não pode nunca ser considerado como suspeito de facilitar o crime. E se tal se tal suspeição alguma vez se levantar tal só pode significar que o processo previsto para o efeito é uma fraude e que a atribuição da Licença de Uso e Porte de Arma – seja ela de que tipo for – depende de critérios outros que não aqueles que presidiram às normas agora impostas. Mas felizmente sabemos que assim não é e que tal não acontece.

 

Nestes termos e tentando dar uma solução a este problema a A.P.A.F. – Associação Portuguesa da Arma de Fogo contactou o sr. Ministro da Administração Interna no sentido de na próxima alteração legislativa que se prevê e aguarda ser o problema resolvido através da inclusão a alínea e) do nº5 do artigo 3º no nº 10 do mesmo artigo da lei 12/2011, considerando assim o calibre .22 como calibre de arma de caça. Tal inclusão, estamos certos, resolverá todas as dúvidas com que a Direcção Nacional da Polícia Pública se confronta quando recebe um pedido de autorização de compra de uma carabina de calibre .22 por parte de um detentor de Licença de Uso e Porte de Arma de tipo C.

 

Publicado na revista Caça e Cães de Caça nº 172 , em Fevereiro  de 2012)

Texto do autor do domínio e Imagens Web.

 


O QUE ACONTECEU ÀS ZONAS DE CAÇA NACIONAIS ?

As zonas de Caça que tiveram o patrocínio do Estado e que foram a semente da Caça Maior Portuguesa, encontram-se em perigo de extinção. Tal facto deu origem à elaboração do artigo que se segue com a finalidade de sensibilizar autarquias, Organizações do Sector da Caça e Caçadores em geral para a necessidade da sua protecção/manutenção. Trata-se de um desafio enorme que vai por à prova não só a capacidade de mobilização como também a consciência da sociedade cinegética nacional.

 

Esgotado o prazo estabelecido para a mudança de gestão das Zonas de Caça Nacionais o futuro destas zonas de intervenção prioritária prevê-se mais que duvidoso. Desde a incapacidade para a sua gestão até ao desinteresse que sobre este assunto se tem manifestado, tudo leva a crer que as melhores zonas de caça maior do nosso país se vejam desbaratadas e os seus efectivos animais desbaratados para sempre.

 

Motivos para a criação

 Anos 80. Publica-se a célebre Lei 30/86, mais conhecida como Lei da Caça. Como director dos Serviços de Caça encontramos um homem esclarecido, Engenheiro Silvicultor de formação académica, caçador e ecologista. A apoiá-lo estão assessores com larga experiência de caça e caçadores desportivos.

A lei 30/86 delineou os fundamentos do actual regime ordenado, pondo um ponto final no “res nulius” vigente como consequência da mudança de regime de 1974 e reconhece não só a necessidade da fruição racional dos recursos cinegéticos como a equidade de acesso de todos os caçadores ao regime ordenado. Para tanto define no seu modelo de ordenamento a regras para a constituição de zonas de caça de tipo turístico, sociais, associativas e nacionais. Estes modelos viriam mais tarde a evoluir para outras formas e dado origem aquelas que ainda hoje se conhecem como zonas de caça associativas e municipais. No entanto os modelos de zonas de caça turísticas e nacionais mantiveram-se praticamente inalterados.

Mas, ainda antes da publicação da Lei 30, o Estado tinha (na sequência da Reforma Agrária) reconhecido a existência de algumas regiões sensíveis para a caça nas quais, de uma forma geral, estavam presentes o javali e o veado, as quais necessitavam de uma intervenção mais cuidada com o objectivo de preservar os recursos faunisticos ali existentes. São elas as zonas fronteiriças dos distritos de Beja, Castelo Branco e Bragança. Paralelamente a estas zonas com necessidade de intervenção, o Estado “herda” através da mesma reforma agrária, as áreas vedadas propriedade da Casa de Bragança, onde o javali o veado e o gamo estão igualmente presentes : as Tapadas Reais de Mafra e de Vila Viçosa. Nestas os recursos eram mais fáceis de preservar pois estando vedadas e nunca tendo sido abandonadas pela presença humana não foi possível desbaratar as espécies cinegéticas existentes (como aconteceu por exemplo da herdade da Torre Bela), apesar de terem sido várias as tentativas efectuadas nesse sentido.

A solução encontrada para a preservação destas áreas, antes da publicação da Lei 30/86 foi a sujeição de algumas ao regime de zonas de ordenamento temporário, onde a caça era pura e simplesmente proibida, ou ao regime florestal (parcial ou total) onde a caça era condicionada. A responsabilidade da gestão destas áreas foi atribuída à então designada Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, hoje Autoridade Florestal Nacional.

Alguns anos depois estas áreas vieram a constituir-se como Zonas de Caça Nacionais, ficando sujeitas a legislação específica em termos de ordenamento cinegético e de condições de acesso de todos os caçadores às diferentes modalidades de caça disponíveis. Foram elas as Zonas de Caça Nacionais da Lombada, da Tapada Pequena de Vila Viçosa, da Tapada Real de Mafra, do Perímetro Florestal da Contenda e mais tarde da Serra da Lousã.

 

Os Factos

Podemos dizer que estas zonas de caça nacionais constituíram os modelos de ordenamento da Caça Maior no nosso país. Numa fase inicial, escolhidos a rigor os responsáveis pela sua gestão e criado um grupo de funcionários que as guardavam e cuidavam, elas desenvolveram-se, prosperaram e criaram uma enorme atracção em muitos praticantes de caça maior, quer nacionais quer estrangeiros. São elas que de forma indirecta dão origem à criação de OSCs representativas da caça maior nacional até então inexistentes por desnecessárias. São elas que inscrevem os primeiros grandes troféus de javali e de veado nos registos internacionais de caça maior como o C.I.C e S.C.I.. São também elas que facilitam o repovoamento de outras áreas nacionais com especímenes ali criados e capturados. São, finalmente e ainda elas, a Escola para muitos gestores de caça maior e monteiros portugueses. Uma chegou mesmo a ser considerada como a “Jóia da Coroa” em termos da Caça Maior nacional devido à variedade, quantidade e qualidade das espécies ali existentes e caçadas: o Perímetro Florestal da Contenda. Outras como a da Lousã, foram muito mais tardiamente criadas mas serviram de base a estudos cuidados sobre a biologia e desenvolvimento do Veado e do Corço.

Em conclusão pode-se referir que a reintrodução da caça maior no panorama cinegético nacional se ficou a dever directa ou indirectamente à existência e funcionamento destas áreas.

Depois, instalada a crise (primeiro a dos valores sociais e nacionais e só muito depois a económica) o Estado entendeu que a viabilidade económica das Zonas de Caça Nacionais era mais importante que a manutenção dos recursos faunisticos ali existentes e esquecendo que a Caça é tão só e apenas um rendimento completar da normal exploração da terra ( agricultura, pecuária e floresta)  não encontrou melhor solução do que, como em tudo o resto, reduzir encargos. Para isso começou a desmembrar as zonas de caça daquilo que mais falta lhes fazia: os recursos humanos. Sem pessoal pois os primeiros a serem retirados foram os guardas florestais e os assalariados rurais e sem verbas para despesas correntes, as nossas zonas de intervenção prioritária começaram a ser fortemente frequentadas por furtivos de todos os tipos e origens sociais.

E foi aqui que começou do declínio das Zonas de caça Nacionais.

A Autoridade Florestal Nacional decide então a devolução da posse e da gestão destas zonas de caça às entidades proprietárias dos terrenos e define-se um período de transição de três anos (que terminou em 31 de Dezembro de 2011)  para que as mesmas se possam adaptar às suas novas responsabilidades.

E enquanto umas conseguiram reformular o seu modelo organizativo e de gestão como a Tapada Nacional de Mafra que se constituiu em Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada dividindo a gestão por entidades públicas e privadas, e a Tapada Pequena de Vila Viçosa que foi devolvida à Casa de Bragança e mantém uma gestão privada de qualidade em termos cinegéticos, as restantes parecem não ter ainda encontrado o seu rumo prevendo-se para elas um futuro mais que duvidoso.

 

ZCN da Lombada

 

No que toca á Zona de Caça Nacional da Lombada, com uma extensão de 20 830 hectares e 90% da sua área  integrada no Parque Natural de Montesinho, a  gestão é ainda da responsabilidade da A.F.N.. No entanto o Presidente da Câmara Municipal de Bragança reconhece não só o valor do património cinegético da sua região bem como a incapacidade da autarquia para gerir tal património e nestes termos solicitou (e continua a solicitar) a colaboração da A.F.N. para que o mesmo não se perca.

 

 

Até à data em que se escreve este artigo sabe-se que na ZCN da Lombada se continua a caçar o veado de aproximação mediante inscrição previa publicitada por edital, prevendo-se para a corrente época venatória e à semelhança do edital do ano transacto o abate de 7 veados de troféu. Concluído que foi o período da brama desconhecemos se todos os exemplares foram caçados e qual a qualidade dos troféus obtidos. Assim mesmo na Zona de Caça Nacional da Lombada está presente o javali e o corço, sendo que a caça a este último continua proibida na zona por motivos que se desconhecem. Sobre a caça de Montaria e de Espera ao Javali, estranhamente nada consta.

 A Lombada enferma dos mesmos males referidos neste artigo e que perece ser apanágio das melhores Zonas de Caça Nacionais. Para confirmar esta afirmação basta atentarmos num artigo publicado pelo Diário de Trás-os-Montes  em 2004 e que refere na  abertura do título “ Lombada está abandonada” o seguinte:

Má fiscalização, muito furtivismo aliado a alguma impunidade, sinalização quase inexistente, pouca formação e profissionalismo, poucas verbas disponíveis, inércia na recuperação de habitats e no repovoamento de espécies, desorganização nas montarias e em parte do território, má gestão de determinadas zonas de caça.

Perspectivas de futura para a Lombada? Incertas e duvidosas pois temos conhecimento de que a autarquia se prestou a colaborar com a A.F.N. disponibilizando meios humanos e materiais e não obteve resposta às suas ofertas. Esgotado o prazo para a transição da administração não se sabe se a Z.C.N da Lombada terá uma nova entidade gestora ou sequer se continuará a existir.

 

ZCN do Perímetro Florestal da Contenda

 

Mas infelizmente no panorama nacional das Z.C.N.s este problema não é único. Aquela que foi mencionada como a “Jóia da Coroa” vai pelo mesmo caminho: furtivismo desmesurado, falta de rigor e de responsabilidade organizativa, caçadas comercializadas e realizadas à margem da regulamentos oficiais, para citar apenas alguns dos problemas a que temos assistido no decurso dos últimos quatro anos. Se a estes juntarmos ainda o aumento despropositado das taxas de inscrição das montarias mistas então compreender-se-á a constante perda de clientes para os diferentes actos de caça propostos pela entidade gestora.

Os valores solicitados para participar nestas montarias são mais que exorbitantes para a qualidade oferecida e para a média de animais cobrados em cada uma delas. Aumentou-se o preço dos postos com base na possibilidade de atirar a veados (dois por posto e por montaria) a javalis e  a muflões, ambos sem limite. Mas depois os resultados obtidos raramente ultrapassaram a média de um animal por posto com troféus de qualidade média. Também não se compreende porque não se têm realizado caçadas de espera e de aproximação a muflões de troféu apesar de estarem previstos no edital anual, haver sempre inscrições para tal e a densidade existente mais do que o justificar.

Nas épocas passadas a desorganização foi ainda maior quando uma semana antes da realização da primeira montaria do calendário se andava a fazer desbaste de cervas, tendo-se abatido mais de uma centena nesse período.

E tudo isto ainda sob a gestão da actual A.F.N. a qual tem partilhado a administração da Z.C.N. do Perímetro Florestal da Contenda com a futura entidade gestora, a Empresa Municipal criada para o efeito pela Câmara Municipal de Moura, a quem desejamos os maiores sucessos futuros sugerindo-lhe entretanto que comece por moralizar a gestão e a organização dos futuros actos de caça, sob pena de ver gorados todos os objectivos que presidiram à sua criação.

 

ZCN da Lousã

 

E deixámos para o fim, propositadamente, a Zona de Caça Nacional da Lousã por ser a mais recente de todas as mencionadas neste artigo. Criada em 2005, com 10 851 hectares de extensão territorial espalhada por seis concelhos  teve honras de estado quando em Abril de 2006  o Secretário de Estado do Desenvolvimento Rural ali foi apresentar e apadrinhar  o Plano de Gestão Global para a ZCN e para as nove zonas de caça envolventes, abrangendo este um total de 55 398 hectares. Nesta ZCN estão presentes o veado, o javali e o corço, tendo o modelo global de gestão sido elaborado pela A.F.N com a colaboração da Universidade de Aveiro, entidade que ali tem vindo a desenvolver estudos e trabalhos científicos de natureza vária, obviamente beneficiando de avultados apoios financeiros.

Mas depois deste lançamento nada mais aconteceu. Desconhecem-se os resultados da implementação do tal Plano Global de Gestão e a caça na Z.C.N. não existe pura e simplesmente. Pelo menos legalmente.

Em Junho do corrente ano a A.F.N publica o despacho 1/2011/ZCN na qual define as taxas de inscrição e de abate para a caça de aproximação ao Veado, e para de espera e montaria ao Javali. E mais uma vez esqueceram-se do Corso.

E ficaram os monteiros portugueses a aguardar a publicação do edital contendo as condições de candidatura aos diferentes processos de caça previstos no despacho, mas este nunca chegou a ver luz do dia ou melhor, do papel, pois nunca chegou a ser publicado.

E por este facto deveríamos questionar a A.F.N porque, enquanto caçadores pagadores de Licença de Caça e enquanto contribuintes que cada vez mais impostos suportamos, temos o direito de saber o que acontece ao NOSSO património cinegético.

E mais uma vez cansamo-nos de ler as muitas denuncias publicadas em fóruns da especialidade e jornais regionais que apontam o dedo para o abate indiscriminado de veados, corços e javalis na ZCN da Lousã, sem que haja o mínimo de controle ou de preocupação para estes factos. Para onde foi então o tal Plano Global de Gestão?

Sei que os técnicos das Universidades portuguesas envolvidos no estudo das populações de caça maior são sensíveis à caça organizada e controlada pois ela contribui diretamente para a tal fruição racional dos recursos e para a facilitação dos seus modelos de gestão. Mas não compreendo como situações tão antagónicas possam coexistir no terreno: gestão global e a caça furtiva e desorganizada.

 

O Futuro

Parece assim fácil concluir que as instituições públicas portuguesas atiraram para trás das costas os princípios que andaram a defender ao longo de décadas tais como a fruição racional dos recursos, a manutenção dos efectivos bravios enquanto património biológico e a preservação dos habitats entre outros, para agora, baseados em critérios economicistas de duvidosa competência abandonarem regiões e patrimónios que precisaram de muitas décadas para se estabelecerem.   

Se olharmos para os valores que se cobram nas diferentes ZCNs pelos actos de caça oferecidos facilmente se constata que as receitas podem cobrir todos os custos normais de funcionamento desde que as jornadas de caça sejam organizadas com responsabilidade, qualidade e respeito pelo caçador pagante. Os efectivos existentes permitem um número elevado de jornadas de caça assim as futuras entidades gestoras queiram ver esta zonas como um património a explorar com racionalidade e honestidade e deixem de as entender como um feudo pessoal onde só alguns caçam.

Que futuro para as Zonas de Caça Nacionais? Se tudo se mantiver como agora seguramente caminharão para um fim anunciado apenas porque a limitada visão politica do nosso país não chegou mais além e não foi capaz proteger situações tão elementares como a fruição racional dos recursos naturais.

É preciso compreender que a Caça não é um privilégio de uma minoria de cidadãos mas sim uma forma organizada de controlo e manutenção das diferentes populações animais que ainda existem em liberdade na Natureza, constituindo estas um património nacional.

 

Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 25, em Janeiro de 2012)

Texto  e Imagens do autor do domínio.

 


MATILHAS E MATILHEIROS III

Conclui-se agora a coletânea de artigos sobre as matilhas de caça maior. Enquanto os dois primeiros artigos estavam mais direccionados para a perspectiva do matilheiro no que respeita à constituição e organização da sua matilha, este derradeiro artigo direcciona-se para o organizador da montaria tradicional referindo a quantidade média de cães necessária para "bater" uma mancha e para a forma como estas devem fazê-lo  quando em trabalho de caça.

Brevemente conto concluir a organização de um "dossier" intitulado Matilhas de Caça Maior o qual incluirá o Código de Conduta do Matilheiro. Tais noções revestem-se da máxima importância pois parece que nestes tempos modernos muitos  denominados matilheiros se esquecem da sua verdadeira função na Montaria.

Tal como prometido abordamos agora a derradeira parte do tema das matilhas de caça maior fazendo referência às diferentes técnicas de movimentação destas dentro da mancha a caçar e ao número de cães necessários para este efeito. E para isso continuaremos a seguir a óptica do gestor/organizador da montaria.

Como já foi mencionado o principal objectivo do trabalho das matilhas é levantar e conduzir as diferentes espécies aos postos para que aí estas possam ser cobradas. Voltamos a salientar que este objectivo deverá estar sempre presente em qualquer montaria e em qualquer espírito Monteiro pois a montaria sempre foi uma grande “batida” organizada com método e rigor, destinada a proporcionar aos diferentes monteiros a possibilidade de observar, escolher (sempre que tal seja possível) e cobrar o animal objecto das decisões anteriores.

 

Montaria e Selectividade

 

Dirão alguns leitores que a montaria não é um método de caça selectiva e que, pelas características deste processo de caça maior, os monteiros nos seus postos não terão a possibilidade de identificar e de escolher determinado animal.

Não é bem assim! Tal só acontece quando a mancha a montear não reúne as condições desejadas, ou quando as armadas estão mal montadas, ou quando qualquer outro pressuposto falhou. Senão vejamos: quando nos encontramos em acto de caça numa montaria não nos apercebemos de uma javalina seguida da sua prole? Não seremos capazes de distinguir, num grupo de veados ou de gamos, aquele que ostenta o maior troféu? Não distinguimos um macho de uma fêmea de cervídeo? Não somos capazes de ver que o veado que nos vem entrando ao posto é apenas e ainda um simples vareto? Caros amigos: se as respostas a estas questões forem negativas então não somos dignos de participar numa montaria e devemos evitar de aí comparecer.

Partindo então do principio que os pressupostos essenciais foram cumpridos e que os monteiros presentes sabem o que ali estão a fazer, durante a montaria resta-nos esperar com calma, silêncio e paciência que os diferentes animais compareçam no nosso posto para assim podermos cumprir o objectivo e este só será possível se matilhas cumprirem também com a sua função. Por sua vez este facto tem uma grande condicionante a qual é frequentemente esquecida por muitos organizadores: a necessária “força” (pressão) exercida pelos cães.

São os cães que descobrem e levantam as rezes e os javalis dos seus encames; são também os cães que têm de os perseguir e evitar que se fiquem num “pé de mato” mais denso ou que se voltem para trás num qualquer cabeço ou elevação de terreno mais dura, pelo que estes têm de ser em quantidade suficiente para mancha a caçar.

 

Quantas Matilhas

 

Ao longo de décadas de caça maior fomos estudando os hábitos dos animais bravios que caçamos de montaria e fomos aprendendo as manhas que utilizam para evitar o confronto com os cães e com o homem. E desta forma aprendemos que havia um número mínimo de cães a utilizar para bater as manchas, número este que varia (também) em função do tipo de terreno, da densidade do coberto vegetal e do facto da área a montear ser aberta ou fechada. Estabeleceu-se assim uma relação entre o número de cães necessários e número de hectares de mancha sendo a relação básica e normal de um cão por hectare, em circunstâncias normais. Para as manchas vedadas a relação é de meio cão por hectare porque nestas é normal os matos serem ordenados, reduzidos ao mínimo estritamente necessário e ditados pelas condições do meio.

Então uma montaria de javalis que cubra uma área aberta de cerca de 400 hectares (por exemplo) precisaria de ser caçada com um mínimo de 400 cães ou seja um mínimo de 16 (dezasseis) matilhas no caso de cada matilha ter um número médio de 25 cães (400:25=16). Se a nossa montaria fosse realizada numa propriedade vedada da mesma dimensão então o número de cães necessário seria de metade do número referido ou seja 200 cães (8 matilhas).

Em Portugal e nos últimos anos muitos são aqueles que têm participado ou organizado montarias com fracos ou quase nulos resultados quando muitas vezes as manchas caçadas se encontravam bem compostas de animais. Quase sempre estes maus resultados se ficam a dever ao insuficiente número de matilhas contratadas, para além de outros factores organizativos igualmente negligenciados. Cada mancha tem uma dinâmica própria que é preciso conhecer em grande pormenor sendo que as características que cada uma evidencia serão os factores condicionantes para a organização da montaria. Apenas a título de exemplo se refere que, antes de organizar uma montaria numa determinada mancha, há que conhecer exactamente onde encamam os animais que a povoam, quais as principais querenças de fuga, onde se situa o mato mais denso pois este será o grande aliado dos animais e uma limitação aos cães que os perseguem, onde situar as diferentes armadas de fecho, se será ou não necessário colocar algumas “travessas” (portas situadas isoladamente no coração da mancha) para citar apenas  algumas das mais importantes.

Outra das condições importantes igualmente olvidada com frequência é que, face ao que se referiu, é a tipologia da mancha que dita o número de postos com que esta se “arma” e que igualmente define o número de matilhas a contratar. Fazê-lo de outra forma é desperdiçar recursos (pois uma mancha mal caçada estará vazia de animais durante várias semanas mesmo que estes não tenham sido abatidos), gorar as expectativas dos participantes que ficarão sem vontade de voltar e dar má referência à região. Desta forma não poderão nunca ser os factores de natureza económica a ditar o número de matilhas ou sequer o número de postos. Se os valores orçamentados não forem cobertos pelas receitas previstas haverá que aumentar o valor de cada posto ou reduzir a área a montear para as proporções desejadas evitando assim custos de organização mais elevados.

Para alem de tudo o que se referiu convém ainda frisar que numa montaria o factor organizativo de primeira ordem deverá ser sempre a segurança de todos os participantes. Tal significa, por exemplo, que a totalidade dos postos seja marcada por uma única pessoa – o organizador da montaria – que assim saberá a localização exacta de todos e as condições que cada um exibe. Por sua vez, a colocação dos postos no dia da montaria poderá ( e deverá) ser feita por várias pessoas (postores) à média de um por cada armada.

Depois e antes de falarmos no movimento dos cães dentro da mancha muito há ainda a referir e estas referências passam pelo “quando”, “como”, “onde” e “para onde”.

 

Quando, Como, Onde e Para Onde

 

Vejamos: “Quando” significa saber quando devem ser as matilhas soltas e para tal efeito não se marcam horas. Espera-se sim que todos os postos estejam colocados e que essa comunicação chegue ao organizador via rádio ou telemóvel. O “Como” significa que terá de ser previamente determinado se haverá apenas um local de solta ou vários, conforme o terreno e o tipo de montaria (mista ou só de javalis). O “Onde” é um factor frequentemente esquecido e que complica ou estraga irremediavelmente muitas montarias pela impossibilidade de levar as matilhas contratadas às imediações da mancha; lembremo-nos que os carros que transportam os cães são pesados, frequentemente de tracção simples em vez de dupla e por esses motivos nem sempre conseguem chegar a determinados pontos ou rolar em todos os caminhos pelo que haverá sempre o cuidado de analisar os acessos para estes veículos tendo em conta a sua estrutura/constituição e o tempo atmosférico que se fará sentir na época da montaria; um caminho muito inclinado, barrento e encharcado impossibilitará a transição dos veículos das matilhas que se forem todos juntos estarão impossibilitados de chegar ao local marcado para a solta. Finalmente o “Para onde” implica que cada grupo de matilhas seja acompanhado de um guia, perfeito conhecedor do terreno a montear e que siga escrupulosamente as instruções que lhe foram dadas pelo organizador, caso contrario as matilhas mais não serão que uma estrutura desorganizada, caçando cada uma para seu lado e não cumprindo com o objectivo desejado: levar os animais aos postos. O exemplo mais prático desta situação é vermos a linha das matilhas em ato de caça como se uma linha de caçadores de perdizes se tratasse. Cada matilha será a representação de uma caçador, constituindo todas a chamada “meia lua” a fim de evitar que os animais saiam da mancha em simultâneo num mesmo ponto e com ambas as pontas ligeiramente adiantadas ou uma mais adiantada do que outra conforme o efeito de movimentação que se deseje.

Deve ainda referir-se que as manchas devem ser batidas sempre da parte mais larga para a mais estreita (excepto quando são uniformes na sua largura), que os cães devem caçar o terreno seguindo sempre as hipotéticas curvas de nível, pois assim caçam melhor, mais rápido e mais folgados, sendo de evitar por matilhas a caçar “de cima para baixo” e vice versa; sempre que possível os cães deverão ser soltos com vento de feição, por motivos mais que óbvios.

Bem, finalmente estamos prontos para soltar os cães e para que melhor se perceba como tal funciona usamos mapas reais extraídos do Google, referentes a uma dada região florestada e onde imaginámos diferentes tipos de montarias, englobando apenas uma ou várias encostas com extensões igualmente distintas. Para referência indica-se que as linhas amarelas contínuas representam os limites da mancha, as estrelas os diferentes postos (que foram marcados no terreno com critério e não ao acaso), as linhas brancas a movimentação das matilhas e as letras S os pontos de solta das matilhas, um ou mais conforme o caso e o terreno. Por questão de facilidade e não alongarmos demasiado o artigo, partimos do principio que todas as montarias se realizavam em área aberta, pois seguramente serão estas as de maior interesse para a finalidade a que nos propusemos.

 

E os Esquemas de Trabalho

 

Sobre este tema aproveito para, mais uma vez, prestar homenagem a um grande Monteiro português, infelizmente já falecido, fundador do Clube Português de Monteiros, a quem carinhosamente tratávamos por Tio Jorge ( Jorge de Andrada Roque de Pinho) e com quem tive o prazer de viver grandes momentos de caça maior, em várias montarias, ao longo da década de 90 do século passado. Em 1983 o Tio Jorge elaborou para a então Direcção Geral das Florestas, um folheto intitulado " Elementos para a Organização de Montarias em Portugal" onde referia os princípios fundamentais que cada organizador de montarias devia ter em conta quando pretendesse meter-se por estes caminhos. Nele constam regras e procedimentos inalterados que sendo respeitados conduzem facilmente ao sucesso da jornada e que pessoalmente comprovei e confirmo como eficazes e actuais.

Definia este grande Monteiro quatro principais modelos de trabalho para as matilhas que, seguindo a toponímia histórica, referenciou como “ De uma Mão”, “ Ao Choque”, “ Cruzadas” e de “ Volta Inteira”. Estes quatro modelos podem por sua vez ser combinados entre si e utilizar a ida e volta das matilhas (soltas num local, e regresso ao mesmo local). Os modelos só de ida caíram praticamente em desuso pela necessidade acrescida de pessoal para deslocar os transportes das matilhas até ao ponto da recolha e pela maior dificuldade na recolha dos cães que, se bem treinados, voltam todos ao local onde foram soltos. Vejamos então:

 

“ De uma Mão”

Ideal para manchas estreitas mas bastante compridas, com coberto vegetal mediano de mato mediterrânico, englobando uma única encosta de terreno ou duas com um barranco central. Na imagem apenas se representa uma “passagem” das matilhas, mas pelos motivos anteriormente referenciados convém que seja implementado com ida e volta. As matilhas são soltas todas do mesmo lado da mancha, apesar de em pontos diferentes deste sector e batem o terreno em toda a sua extensão. Necessita apenas de uma guia de matilhas que acompanha a(s) matilha(s) central. Válido para montarias mistas ou só de javalis.

 

“ Ao Choque”

Ideal para um tipo de terreno como o do anterior mas com mato muito forte e fechado, sendo a mancha pouco larga mas bastante comprida e quando apenas existe uma travessa central, que neste caso serve de referencia como ponto de paragem e de retorno.

Consiste em duas soltas diametralmente opostas sendo a mancha também completamente batida por dois grupos de matilhas que caçam um contra o outro possibilitando assim uma maior movimentação dos animais. Permite que as matilhas não tenham de percorrer uma grande extensão de terreno caçando em mato cerrado, facto este que lhes poupa esforço e rentabiliza melhor o trabalho. Caça-se igualmente com ida e volta. Esquema propício para fortes manchas que apenas albergam javalis. Necessita de dois guias de matilhas, um para cada local de solta.

“ Cruzadas”

Ideal para manchas quase tão largas como compridas, mas que ostentem duas encostas paralelas (umbria e soalheira) separadas por uma cumeada central. Terá também dois pontos de solta diametralmente opostos sendo a mancha completamente batida por dois grupos de matilhas que se deslocam em sentidos opostos sem nunca se encontrarem. Permite que os animais, ao pretenderem na fuga transpor o cume e voltarem-se para trás, se encontrarem logo, logo com as outras matilhas sendo obrigados a encetar a escapada pelos postos. Caça-se também de ida e volta. Aplicável a montarias mistas ou só de javalis. Necessita de dois guias de matilhas.

“De Volta Inteira”

Este é o esquema mais fácil de implementar pois não necessita de grandes recursos ou técnicas. Utiliza-se em manchas homogéneas de coberto vegetal pouco denso ou nulo, nas quais se tenha marcado um número representativo de travessas, e que não sejam muito dobradas. Consiste num único local de solta alinhando as matilhas como foi descrito e seguindo as de cima a orientação da armada de fecho do topo e as de baixo a orientação da linha da travessa. É muito utilizado nas montarias em áreas vedadas em que predominam os cervídeos pois é sabido que nestes caso os veados têm a tendência de se juntarem em grandes grupos e se encostarem à vedação tentando desta forma iludir os cães. Tanto vale para montarias mistas como só de javalis. Precisa de um guia apenas ou de nenhum.

 

No entanto os esquemas de movimentação das matilhas não se esgotam nos que agora foram explicitados, apesar destes serem os típicos, os principais ou aqueles que com maior frequência se utilizam. Assim atrevo-me a acrescentar um quinto modelo que designo de misto e que pode, em função das condições do meio, da orografia da mancha e do seu coberto vegetal utilizar em simultâneo dois ou mais dos modelos básicos apresentados.

“Misto”

Pode ser o caso de uma mancha mais arredondada de formato, com três encostas e coberto vegetal misto: mato muito denso nas umbrias e menos denso nas soalheiras, na qual imperam duas cumeadas paralelas. Terá três locais distintos de soltas e diferentes movimentação dos três grupos de matilhas: dois caçam de forma cruzada e o terceiro de volta inteira. Utiliza-se para manchas muito dobradas e especialmente para montarias mistas. As soltas realizam-se normalmente em diferentes momentos da jornada e obriga a  montarias de longa duração, com todos os inconvenientes que essa longa duração implica. Necessita de três guias de matilhas.

Cabe ao organizador da montaria, que deverá ser um experiente prático de campo, conhecedor do terreno e dos hábitos dos bichos, escolher e adoptar aquele que lhe parecer mais correcto por mais conveniente, sendo que acima de tudo e para além da segurança deve imperar o bom senso. Quero com isto dizer que não faz sentido escolher uma mancha com  1 000 hectares e armá-la com 160 ou 200 postos, (situações estas que nos tempos modernos vêm sendo frequentes), não só pelo tempo que demora a colocar tanto posto, como pelo alvoroço que se gera nessa colocação esvaziando antecipadamente a mancha, e pelo imenso número de cães necessário para tal batida, bem como pelo exagerado número de meios humanos exigido. Não nos devemos esquecer que uma montaria, para além de um dia de festa e de confraternização é acima de tudo um acto de caça, ou melhor um Acto de Caça Maior e o respeito que a Natureza e os animais bravios nos exigem  obriga a que sejamos responsáveis, honestos e realistas nas coisas que fazemos.

Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 24, em Outubro de 2011)

Texto  e Imagens do autor do domínio.

 


Gestão, Melhoramentos Genéticos e Selecção Natural.

Este artigo teve como principal objetivo alertar as instituições responsáveis nacionais para a necessidade de se medirem os troféus de caça maior portugueses com base em critérios que distingam as áreas fechadas das áreas abertas. Não nos parece correcto que os troféus geneticamente controlados pela mão humana desfrutem dos mesmos níveis  ou escalões de pontuação utilizados para a medição dos troféus provenientes das áreas abertas onde as espécies bravias têm de atingir recordes de sobrevivência.

Soubemos agora que foi recentemente apresentada à atual Comissão Nacional de Homologação de troféus uma directiva que solicita a correcção destes parâmetros.

No decurso da última época de caça a vizinha Espanha viu-se confrontada com a homologação do novo Record Nacional de Veado, o qual suplanta o já enorme record anterior, este homologado com 223,72 pontos CIC e cobrado no ano 2000 por  Sua Majestade o Rei, na finca El Palomar.  

No termo de 2010 aparece um novo troféu de veado que na medição provisória se “atirou para cima” da pontuação do anterior record.

 

A rapidez e a facilidade com que cada ano vão aparecendo novos “records”, levou a que a Junta Nacional de Homologação de Troféus passasse e exigir uma autenticidade genética através da prova de ADN, com o objectivo de comprovar que se trata de animais geneticamente puros e, no caso dos veados, garantir que se trata de exemplares genuínos de Cervus Elaphus Ibericus e não de qualquer outra subespécie ou cruzamento destinado a melhorar a qualidade dos troféus. Para isso criou a norma que obriga à certificação do ADN para todos os troféus de veado cuja medição se preveja superior a 200 pontos CIC.

Para além de todas as polémicas científicas e cinegéticas que sobre este assunto têm feito correr rios de tinta no país vizinho, várias questões se nos levantam sobre a qualidade dos troféus dos veados (ou de qualquer outros espécies) que nos últimos anos têm proliferado na Península Ibérica, situação na qual o nosso país também se inclui.

 É certo que todos aqueles que praticam a caça maior nas suas diferentes modalidades procuram um troféu o que nem sempre corresponde ao maior troféu. No entanto se for grande (mais pontuado) tanto melhor. É igualmente certo que todos nós gostaríamos de ver o nosso nome associado ao registo de um troféu de qualidade digno desse nome.

Mas… seja pelas regras mais elementares da ética, seja pelo desportivismo que o lance deve encerrar, seja ainda porque a nossa forma de estar na caça a isso obriga, um grande troféu não deve nunca ser obtido de qualquer maneira.

A dificuldade do lance, as defesas que o animal exibe e pratica, a técnica de caça utilizada, o esforço aplicado a cada momento da caçada revestem-se para muitos de tanta ou de maior importância do que a qualidade do troféu obtido em si e os pontos de medição oficial que este atingiu.

E foi aqui, neste ponto, que começou toda a polémica pois o animal em causa e novíssimo record de Espanha era proveniente de uma organização que pratica o melhoramento genético através de técnicas sanitárias e de maneio sofisticadas, altamente controladas em ambiente cercado. Os animais ali criados são todos geneticamente puros, e acompanhados quase diariamente com o objectivo de lhes melhorar rapidamente a qualidade do troféu.

E no caso vertente o animal foi criado e melhorado nesse mesmo lugar e posteriormente vendido e introduzido noutra herdade (também cercada) e posteriormente “caçado”. Terminou rapidamente o seu ciclo de vida devido ao excelente troféu que exibia e ao qual faltava a maturação necessária.

Mas voltemos à questão da caça desportiva.

Quando se caçam cervídeos de aproximação tanto podemos fazê-lo em áreas fechadas como em áreas abertas. E, para além das opiniões de muitos “entendidos”, é mais fácil obter um bom troféu numa zona de caça aberta do que numa fachada com malha cinegética, apesar de nesta última estarem todos os animais perfeitamente identificados e se conhecerem por tanto os efectivos.

Não sendo objectivo deste artigo analisar as dificuldades da caça de aproximação num e noutro tipo de zonas de caça, deixaremos a discussão desse assunto para outra ocasião.

Voltando ao assunto inicial passemos então a analisar o ato de caça, a sua ética e o seu desportivismo. Porquê? Porque estes são alguns dos pressupostos estabelecidos pelas duas entidades homologadoras de troféus (SCI e CIC) que actuam no continente europeu.

No caso vertente poderá estar (ou não) em causa a ética do acto de caça, mas esta é também uma matéria muito discutível, pois que, nos tempos modernos em que o homem caçador se habituou a obter os seus troféus por medida e no momento que mais lhe agrada, o conceito de ética passou a ter interpretações diferentes.

No que toca ao desportivismo já o caso muda de figura, pois que numa zona de caça aberta a existência de um grande troféu de veado só é possível quando este atingiu a idade maior (dez ou mais anos) e por isso se tornou um campeão da sobrevivência que resistiu, ao longo dos anos, a todas as ameaças e vicissitudes a que foi submetido. E assim sendo seria seguramente um animal muito cauteloso, previdente e habituado às investidas do seu predador maior. Neste caso estamos mais que seguros que só um GRANDE CAÇADOR estará em pé de igualdade com este GRANDE sobrevivente para conseguir por fim aos seus dias de existência temerosa e desconfiada.

Este sim é um acto de desportivismo, pois caçar um grande veado numa zona aberta implica ser capaz de o descobrir, ser ainda mais capaz para o encontrar no momento apropriado e finalmente conseguir cobrá-lo.

Por outro lado quando se caça numa zona fechada, teremos a certeza que o nosso troféu se encontra naquela região ou zona, sabemos inclusivamente onde vai comer, beber e até proteger-se das intempéries pelo que o seu cobro será sempre e apenas uma questão de tempo, seguramente curto e fácil de concretizar. No entanto não deixará de ser, também, um acto de caça e uma caçada de aproximação a um veado.

Mas, no caso em análise, o grande troféu era imaturo, habituado à presença humana, logo tranquilo e submisso pela fácil supressão das suas necessidades fundamentais, logo muito fácil de descobrir, de ser aproximado e mais fácil ainda de cobrar.

Dirá quem o abateu, que não terá sido fácil, que o tiro foi muito largo e que o animal deu “luta” vendendo cara a sua existência. Apenas acreditamos que o dono do animal, esse sim, tenha seguramente vendido caro o troféu que o animal ostentava.

Mais uma vez se dirá que se trata igualmente de um acto de caça. Não tenho dúvidas que sim. E não tenho dúvidas porque, em pleno século XXI e com caça “feita” por medida, tudo é possível desde que não seja ilegal. Como tal há clientes para tudo desde que as bolsas suportem as exigências financeiras que são apresentadas a quem deseja  realizar os seus sonhos com facilidade e rapidez.

Para uns será importante ter uma vida de caça cheia de histórias, cheia de lances, cheia de imagens daquelas que nunca se apagarão da memória de um verdadeiro caçador, enquanto outros se contentarão em ter no mais curto espaço de tempo algumas paredes pejadas de grandes troféus homologados e com as respectivas medalhas pendentes. E não me interpretem mal pois, pois força dos meus valores, tanto respeito e considero uns como os outros.

Analisemos as coisas por outro prisma: imagine-se um caçador que se dedica à caça de aproximação dos veados e que o faz da forma mais ética e desportiva possível. Em um certo dia de caça, fazendo o reconhecimento de uma determinada área apercebe-se de um enorme veado com um excelente troféu, mas que infelizmente está longe demais e num ápice desaparece. Tendo tempo e disposição vai ao lugar do avistamento e procura rastos e sinais. Logo tenta aperceber-se dos locais de querença onde o animal se alimenta, onde se dessedenta e até onde poderá encamar-se. Estabelecida a estratégia em função do terreno, do coberto vegetal e da direcção do ar, dá-lhe caça. E… um certo dia… encontram-se e o lance concretiza-se.

Imaginemos agora o mesmo caçador que é contactado por alguém que lhe diz dispor de um enorme veado, homologável, e que se propõe vendê-lo por determinada importância. O caçador dispõe da verba necessária, aceita o contrato de venda e dirige-se ao local, obviamente vedado com malha cinegética e, com maior ou menor dificuldade e mais ou menos tempo consumido na caçada, cobra o animal. Ambos serão medalhas altíssimas e ambos serão recordes nacionais. Será que um e outro proporcionaram ao caçador a mesmo desafio, a mesma sensação, o mesmo prazer e o mesmo lance?

Quer num caso quer noutro o caçador poderá intitular-se o detentor do recorde de veado do seu país. Mas será que é exactamente a mesma coisa?

Em Portugal tudo se passa da mesma maneira que na vizinha Espanha e apesar dos modelos de ordenamento serem algo diferentes, por cá tal como lá, proliferam as zonas de caça maior vedadas, com maior ou menor extensão.

Como distinguir então estas duas formas de obtenção de troféus sendo que, em toda a Península Ibérica ambos os modelos são legais e habituais?

Parece-me que a necessária distinção só é possível através da criação de parâmetros diferentes de homologação para um e outro tipo zonas de caça.

Se os tempos são de mudança e de adaptação às novas realidades, então também as instituições internacionais (e nacionais) de homologação de troféus se deverão adaptar a estas novas formas de caçar, pelo que é tempo de começarem a pensar neste assunto. Aliás o próprio CIC admite esta necessidade e está neste momento a estudar a possibilidade de alteração das regras de homologação distinguindo as áreas se caça abertas das fechadas..

Assim sendo os critérios seriam bastante mais equilibrados se a pontuação exigida para a atribuição de medalhas de qualquer espécie de caça maior fosse mais alta para as zonas fechadas do que para as zonas abertas, devendo as últimas manter os parâmetros actuais.

E quanto mais altas perguntarão os leitores?

Esta é uma resposta que deixo a cargo de biólogos, naturalistas, instituições de homologação e caçadores conceituados pois só em conjunto será possível chegar a valores justos e razoáveis.

Aqui fica pois a recomendação para a Comissão Nacional de Homologação de Troféus a fim de evitar um episódio como o agora relatado que ainda só não se verificou no nosso país por mero acaso.

 

Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 24, em Outubro de 2011)

Texto  do autor do domínio. Imagens WEB.

 


MATILHAS E MATILHEIROS II

Dando continuidade a tema das matilhas de caça maior e cumprindo uma promessa feita à equipa redatorial da revista Caça Maior e Safaris, facilita-se agora o segundo artigo da série Matilhas e Matilheiros, este sobre o tipo de cães que deve integrar as matilhas conforme o tipo de terreno e de animais a caçar. Pretende-se que o texto possa facilitar as escolhas a todos aqueles que pretendem constituir uma matilha de caça maior.

No número anterior falámos sobre matilhas de caça maior, sua constituição e utilização nas montarias sendo certo, mais uma vez, que sem matilhas não há montarias.

Falámos também nas raças de cães mais usuais (e também mais úteis) que integram as boas matilhas. No fundo abordámos o tema de um ponto de vista generalista quando apresentámos a nossa experiência sobre este assunto. E porque partilhar é importante, porque formar é necessário, vamos dar continuidade ao tema definindo que tipo de matilhas se deve usar em função da tipologia do coberto vegetal das manchas a caçar e das espécies objecto de caça, ou seja vamos abordar este tema segundo a óptica do organizador.

Em Portugal as montarias começaram a realizar-se unicamente sobre javalis e em zonas onde o coberto vegetal era denso, contínuo e áspero, constituído frequentemente por espécies vegetais invasoras cuja idade era muitas vezes desconhecida. Nesse tempos idos da já longínqua década de 80 do século passado era frequente ouvir os matilheiros referirem a dificuldade de se movimentarem através das “estevas de pé branco” ou dos tojos, giestas e carquejas que cobriam muitas das umbrias e soalheiras das nossas Beiras e Alentejo.

As matilhas de caça maior então existentes eram raras e as primeiras de origem portuguesa com quem tive o privilégio de montear contavam-se pelos dedos de duas mãos, sendo que a relação entre monteiros de comparência habitual, matilheiros e proprietários de matilhas era estreita, respeitável e respeitadora, para além de assentar muitas vezes em laços de amizade pura e sã.

Não significa isto que as ditas montarias fossem privilégio de um grupo restrito de caçadores. Antes pelo contrário estávamos em presença de realizações de Junta de Freguesia e Serviços Regionais de Caça onde era frequente o número de postos atingir as oito dezenas. Estas consignavam uma percentagem significativa de postos destinados à ocupação exclusiva dos caçadores locais, sendo que a maior parte de postos era destinada aos caçadores da freguesia, do concelho e do distrito e apenas os restantes, numa percentagem diminuta, eram postos à disposição dos então designados como “caçadores nacionais”.

Neste tempo as matilhas existentes não primavam pela selecção de raças de cães de caça maior, mas sim pela qualidade dos cães e pela boa vontade e dedicação dos seus condutores. E nem imaginam como essas matilhas caçavam, como levantavam javalis e com que facilidade os encaminhavam para os postos que fechavam as ditas manchas. Não havia perfeccionismo mas sim eficacidade.

Depois começaram a parecer as primeiras zonas de caça com veados de origem natural ou introduzidos e as montarias diversificaram-se como se diversificaram igualmente, para valores muito superiores, os custos de aquisição de um posto para estas montarias. E as matilhas que então existiam foram as que tiveram que, numa fase inicial, dar conta do recado.

 

 

Fácil foi para os matilheiros entenderem que quando uma mancha tinha veados, os cães se comportavam de forma muito diferente. Sendo este animal de maior porte logo mais visível, os seus odores mais intensos do que os dos javalis, e o seu terreno de fuga mais elevado e mais aberto estes pormenores possibilitavam que os cães mais facilmente os encontrassem, e mais facilmente os levantassem dos seus encames. No que toca a perseguições o tema já era outro bem diferente pois a facilidade e a rapidez da corrida dos veados levava matilhas inteiras no seu encalço que só paravam quando os veados paravam ou seja no “fim do mundo”.

Como as matilhas não primavam pela selecção de raças e sendo os cães de pequeno e médio porte, acontece que perseguiam os veados durante horas deixando frequentemente a mancha deserta de matilhas durante muito tempo, e por vezes durante o resto da montaria. E lá ficavam os javalis muito sossegados nos seus encames por falta de cães que os levantassem.

Começaram então os matilheiros a introduzir raças de cães de maior porte e dimensão que desta forma conseguiam perseguir os veados e voltarem ao contacto com o matilheiro sem se esgotarem nestas idas e vindas. Foi então que, quem o pode fazer, diferenciou as suas matilhas: uma de cães mais pequenos e baseada nos podengos e outras raças cruzadas, e uma ou duas de cães maiores em que predominavam os podengos grandes e os ibicencos. E estava o problema resolvido.

Hoje passadas quase duas décadas sobre esta evolução as matilhas de caça maior exibem-se na sua grande maioria com cães de médio/grande porte que muitas vezes agarram os animais não só antes destes se levantarem dos encames, mas também e por vezes no arranque da fuga. E este não será verdadeiramente o desejado trabalho de uma matilha.

Tudo isto para dizer que há que escolher cuidadosamente as matilhas que chamamos para participar numa montaria cuja organização esteja a nosso cargo.

E começamos por definir se se trata de uma montaria mista, só de javalis ou ainda só de veados, porque também as há exclusivamente desta natureza. Por outro lado o tipo de coberto vegetal e a sua densidade serão factores a ter igualmente em conta, para a contratação das matilhas. Vejamos as diferentes situações que se nos podem apresentar.

 

 

Montarias  de javalis.

Para este tipo de realizações as matilhas a seleccionar seriam as de tipo tradicional em que predominem os cães de pequeno e médio porte, de raças puras ou cruzadas mas que reúnam as características que referimos no nosso primeiro artigo: tenham vício de caça e especificamente cacem o javali, estejam ematilhados, ladrem no rasto e na perseguição e sejam capazes de segurar um animal ferido. Partimos do princípio que nestas montarias de javalis o coberto vegetal será de tipo mediano, porque se o mato for muito denso, espesso e velho com tojos e silvados então não necessitaremos de outro tipo de cães nas nossas matilhas, mas sim de maior quantidade.

E sobre a quantidade de cães a utilizar numa montaria bem como sobre as dinâmicas de trabalho destes na mancha, temos assunto para umas quantas páginas mais e não esquecendo a importância do assunto deixá-lo-emos para um terceiro e último artigo sobre as matilhas.

 

Montarias  de veados:

As montarias de veados começaram a realizar-se, inicialmente, em zonas fechadas as quais foram previamente preparadas para o tipo específico de exploração a que se destinavam, ou seja os matos foram ordenados e ou reduzidos ao mínimo desejável privilegiando as zonas abertas onde o alimento disponível fosse a prioridade produtiva. Logo o coberto arbustivo era reduzido pelo que agora apenas se necessitava de matilhas cujas cães dessem a máxima mobilidade aos cervídeos e, para isso, apostava-se nos cães de maior porte e leves, mais ágeis e de maior capacidade atlética para não se esgotarem nas muitas corridas que teriam de realizar durante a montaria. Neste caso entram os podengos médios e grandes (com prevalência dos últimos) e outras raças que revelem características semelhantes. Nestas montarias em áreas vedadas a vantagem reside no menor número de cães necessário e por outro lado na garantia e facilidade dos resultados a obter.

Se por outro lado estivermos em presença de áreas abertas então as características das matilhas já se revelam, em tudo, semelhantes às da descrição que a seguir se faz para as manchas mistas, porque qualquer gestor cinegético ou organizador pretenderá cobrar de igual forma um ou outro javali que se possa encontrar encamado na mancha da sua montaria.

 

Montarias mistas:

Actualmente e em quase todo o país, as montarias que se realizam são do tipo misto, ou seja dando caça a javalis e veados. No caso vertente facilmente se entende que o tipo de matilhas a utilizar terá também que ser “misto”, ou seja para, em termos organizativos - e partindo do principio que a mancha tem a quantidade de animais que justifique a sua realização - a mesma possa ter o sucesso desejado, teremos forçosamente que utilizar matilhas para javalis e matilhas para veados.

É aqui que reside a experiência e conhecimento do nosso organizador pois que, em função das observações que previamente realizou na mancha, saberá se nesta encamam mais javalis do que veados e vice-versa. Conforme o caso assim deverá contratar mais matilhas para veados ou para javalis, em função dos animais observados. Igualmente deverá estabelecer pontos de solta distintos e compreende-se facilmente que as primeiras matilhas a soltar devam ser as dos veados, reservando as de caça ao javali para locais diferentes de solta e momentos igualmente distintos. Quer isto dizer que para as coisas corram o melhor possível será imperioso que primeiro se esvazie a mancha de veados – que normalmente nem são muitos na maioria das nossas montarias em zonas abertas - e só quando tal acontecer se deva proceder à solta das restantes matilhas que, neste momento frescas e descansadas apenas darão caça aos javalis, garantindo assim que os animais não se fiquem nos encames por falta de pressão de cães.

 

Trata-se pois de utilizar as técnicas adequadas em função das condições do meio e da fauna que se apresentam, garantindo ao mesmo tempo a máxima eficacidade do trabalho a realizar. Este é um dos motivos que leva a que o organizador da montaria nesse dia tenha de estar atento ao que a todo o momento se vai passando na mancha para assim poder, caso a caso, ir tomando decisões e emendando procedimentos que vão desde o momento apropriado para a solta de umas e /ou de outras matilhas, à orientação das mesmas dentro da mancha bem como aos trajectos que cada uma deve fazer quando em acto de caça, e bem ainda qual o momento apropriado para as fazer regressar e consequentemente dar a montaria por terminada.

Para além de um conjunto de técnicas este trabalho reveste-se de vários princípios com base cientifica que têm, ao longo de décadas, constituído o grande livro da cinegética Ibérica.

 

 

Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 23, em Julho de 2011)

Texto  do autor do domínio. Imagens WEB.


Nos tempos que correm a caça já não é o que era. Evolução ou recuo, é um facto que a Caça é aquilo que os caçadores dela fazem. Tempos Modernos é mais um texto crítico sobre as actualidades da Caça e  do muito que tem de mudar em Portugal para que haja um Futuro para a Caça e para os Caçadores.

TEMPOS MODERNOS

Os tempos modernos têm-se revelado muito conturbados.

Desde a instabilidade nas decisões governamentais sobre armas de fogo, passando pelo desequilíbrio económico e social que gera alterações de posturas e de mentalidades, tem acontecido de tudo um pouco. A Caça em Portugal não tem sido alheia a todas estas instabilidades.

Depois de um período post revolucionário que arrastou consigo o sentimento de que “tudo é de todos”, a situação evoluiu e verificamos que recomeçou a sobressair uma consciência ecológica e conservadora que conduziu aos princípios do terreno ordenado. Numa primeira fase foi o Estado que ordenou e consequentemente geriu, e numa fase mais adiantada e próxima dos nossos dias são, supostamente, os caçadores e as suas organizações representativas os responsáveis pelo chavão de Lei da Caça, reconhecido por caçadores, não caçadores e ecologistas: A FRUIÇÃO RACIONAL DOS RECURSOS.

Convenhamos que a frase para além da pompa que encerra é um paradigma dos tempos modernos: todos se preocupam com o equilíbrio ambiental, todos dizem querer caçar de forma responsável, todos apregoam as diferentes necessidades de ordenamento. E para além da pompa desta máxima vem igualmente a circunstância pois infelizmente esta nova consciência, para a maioria dos fruidores da Natureza, caçadores incluídos, não passa de banal retórica.  Senão vejamos: a maioria dos caçadores portugueses defende as necessidades de ordenamento, vulgo gestão das diferentes áreas cinegéticas, mas no entanto confunde gestão cinegética com gestão de zonas de caça: a maioria nem sequer distingue se se deve gerir para caçar ou se se caça para se gerir. Pior: nada mais praticam para além da fruição irracional dos parcos recursos com que a Natureza nos brinda todos as épocas.

Quando interpolamos os responsáveis pelas zonas de caça associativas e municipais sobre o modelo de gestão que praticam respondem-nos que gerem em função dos abates da época anterior, ou que sabem muito bem o que estão a fazer ou simplesmente nada.

Quando interpolamos estes mesmos responsáveis sobre o conhecimento dos efectivos cinegéticos existentes na sua zona de caça continuam a responder o mesmo da questão anterior.

Quando lhes perguntamos pela realização de censos dizem-nos não os realizarem por desnecessários para além “ de não serem fiáveis”.

Novamente, a tal fruição racional não passa de uma mera falácia!

Era suposto que, ao longo de cerca de quatro décadas, as mentalidades cinegéticas tivessem evoluído de alguma forma e no entanto o que continuamos a observar é uma generalizada “evolução na continuidade” como antigamente se dizia.

O caçador português evoluiu em termos dos equipamentos disponíveis para prática do acto venatório, mas a sua forma de estar manteve-se inalterada ao longo destas últimas décadas.

A maioria dos caçadores continua, pelo simples facto de obter (a preços incomportáveis para alguns) uma licença anual de caça, a exigir que alguém tenha de lhe facultar, no campo, os animais prontos para o abate.

Exemplos desta situação podem encontrar-se em qualquer tertúlia, Clube de Caçadores e até fóruns de Internet. Ultimamente cheguei mesmo a ler quem defendesse a utilização de zagalotes na caça maior e até o incumprimento das normas legais sobre esta matéria (por estarem as leis mal feitas e só servirem os interesses de alguns…) e serem os autores de tão enormes disparates aplaudidos pelos seus congéneres.

Depois chocamos, ao mesmo tempo, com a presença e com a manipulação de opiniões provenientes dos grupos defensores da não caça, que encontram neste ambiente social um fértil terreno para lançarem a s suas sementes. E vemos o governo utilizar cada vez mais mecanismos legais para limitar a obtenção e utilização de armas de fogo apoiando-se, para o efeito, em pressupostos tão disparatados como aquele de serem os caçadores os maiores responsáveis pela passagem de muitas armas para as mãos do crime.

Não serão os caçadores, pelas suas atitudes e posições indirectamente responsáveis por estado de coisas?

Felizmente este paradigma não se generalizou a toda a população caçadora. Ainda existe quem, quer na prática quer na oratória se mantenha dentro dos princípios da sustentabilidade e faça por ela tudo o que está ao seu alcance. Ainda existe quem, pela sua forma de estar, tente mostrar a quem está errado, a forma correcta de fruir os recursos.

Esta vertente de actuação apenas representa – infelizmente – uma pequena fatia do regime ordenado. Refiro-me a zonas de caça de tipo turístico nas quais os investimentos inicialmente realizados obrigam a que os modelos de ordenamento e de exploração tenham “cabeça, tronco e membros” apesar de ser certo que, na sua grande maioria, as entidades gestoras apenas implementem um modelo de gestão orientado para a caça e raramente se vejam confrontados a necessidade de caçar para gerirem.

Nos restantes dois terços do regime ordenado – as chamadas zonas associativas e municipais – a grande maioria não dispõe de qualquer tipo ou modelo de gestão.  Diferindo apenas as primeiras das segundas na dimensão territorial disponível, quer umas quer outras “vivem” só dos efectivos que a Natureza gentilmente lhes fornece ano após ano.

E infelizmente estas representam a grande maioria do Regime Ordenado actual.

Desta forma os caçadores habituaram-se a utilizar aquilo que os diferentes modelos lhes facultam. Enquanto uns praticam a caça preferencialmente nas zonas que conhecem e sabem manter um modelo de gestão equilibrado, o que por sua vez exige um esforço financeiro superior ao da média nacional, os outros continuam a manter o tal espírito de que a caça é de todos e que este desporto tem de poder ser praticado sem custos para além dos que implicam a aquisição dos equipamentos e utensílios necessários à pratica do acto.

Ora quando o cidadão comum adquire em qualquer supermercado o equipamento e o material necessário para a prática, por exemplo, do ténis, o estado não é obrigado a facultar-lhe o acesso gratuito a um “court” para que este possa praticar a modalidade sempre que lhe apeteça. De igual forma têm os caçadores de ser os principais responsáveis pela manutenção dos habitats e das espécies cinegéticas, praticando numa primeira fase aquilo que se designa por “gerir para caçar” sendo que este modelo se aplica quer à Caça Maior quer à Menor.

Por outro lado os números mostram-nos que cada ano que passa se reduz mais e mais o número de caçadores que adquirem uma licença de caça, o que poderia ser sinónimo de desinteresse pela modalidade, falta de meios para a praticar ou outro motivo qualquer. No entanto não sabemos, por falta da informação necessária, se esta redução é real ou meramente fictícia, ou seja, a redução anual do número de licenças tanto pode ser devida ao abandono da modalidade como à continuação da prática sem aquisição de licença; todos sabemos como é fácil, hoje em dia - devido á quase inexistência de controlo oficial - passar-se a época a caçar em zonas próprias ou de amigos sem ser necessário exibir a respectiva licença de caça ou qualquer outro documento exigido para a prática do acto.

Resta-me pois concluir que o caçador responsável tem um peso cada vez menor no panorama cinegético nacional e que as mudanças e limitações que neste momento já estão a acontecer – para além daquelas que se adivinham – apenas revelam uma responsabilidade implícita de todos os caçadores, os quais são não só os mais directos responsáveis pela situação que atravessamos como também aqueles que mais sofrerão na pele as consequências dessas mesmas mudanças.

Porque Natureza e as espécies bravias, essas, nunca mais voltarão a ser o que eram.

 

Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 23, em Julho de 2011)

Texto  do autor do domínio. Imagens WEB.


Numa época  de desequilíbrios e de crítica social como aquela que atravessamos e na qual o caçador é cada vez mais mal interpretado pela sociedade não caçadora decidi elaborar um texto para publicação tentando explicar que ninguém, mais do que o caçador, consegue proteger a Natureza. Trata-se pois de mais uma apologia da Caça.

Ser Caçador

O Homem  moderno industrializou o Planeta porque o rápido crescimento populacional, a nível mundial, obrigou a que a produção de bens alimentares tivesse de ser rápida e quantitativamente crescente. Assim também a agricultura, de uma forma geral, se industrializou.

Esta industrialização produziu os efeitos que todos conhecemos hoje e que se vêm arrastando desde o século passado: a alteração dos habitats, os crescentes níveis de poluição com as consequências que daí advêm e consequentemente a nefasta influência sobre as espécies bravias as quais, mais que quaisquer outras, pagam pelos erros humanos.

Por outro lado o Homem moderno, face à industrialização, tornou-se um ser citadino concentrado à volta dos locais onde desenvolve a sua actividade profissional e onde cria os filhos.

Esta concentração conduziu ao progressivo abandono dos espaços rurais, aqueles que, hoje, orgulhosamente apelidamos de espaços naturais.

Desenvolveram-se as ciências da fauna e ambientais (Biologia, Ecologia e outras) mas, de uma forma geral os estudos são o que o próprio nome indica e o homem civilizado vê a evolução da Ciência mais como um modelo teórico do que como uma prática a implementar.

Resumindo: o Homem moderno tem vindo a destruir os ecossistemas cabendo-lhe a responsabilidade de reparar os erros cometidos sob pena de num futuro próximo se extinguirem muitas espécies da fauna e da flora.

Ora a caça, incidindo apenas sobre espécies bravias, tem uma relação directa com o desejado equilíbrio ambiental, da mesma forma que o caçador mantém a sua relação estreita com a Natureza.

 

Por outro lado a opinião pública não caçadora vê o caçador como um destruidor da natureza, dos espaços naturais e das espécies bravias generalizando, através de gerações, uma imagem do caçador redutora e desprovida de sentido.

O Homem moderno tem consciência de que os recursos naturais não são infinitos.

O Caçador moderno tem consciência de que os recursos naturais têm de ser fruídos de forma racional, equilibrada e responsável, contrariamente ao cidadão comum que apenas vê na Natureza um espaço de lazer que, acima de tudo, desfruta sem se preocupar com a sua origem ou conservação, porque não tem tempo para se preocupar com esses pormenores.

O caçador, por sua vez, é aquele que passa grande parte do seu tempo no campo (nos tais espaços naturais) observando, preparando, ordenando os terrenos, matos e manchas florestais, protegendo e desenvolvendo as espécies bravias, fornecendo alimento sempre que necessário e logicamente explorando as populações animais, acima de tudo com o objectivo de as manter estáveis quantitativamente e sanitariamente equilibradas.

Não fazia sentido estar a desenvolver tanto trabalho e recursos se os objectivos fossem outros.

Logo o Caçador é aquele que mais contacta com a Natureza – mais do que qualquer cientista ou activista ambiental – e aquele que mais recursos   (humanos e materiais) dedica ao equilíbrio natural.

Por outro lado, os não caçadores apontam o dedo aos caçadores pelo facto de estes “matarem” os animais. Não estaremos, por este simples facto, a esquecer todas as origens da vida e da sua evolução até aos tempos modernos? A Natureza, por si só, não é poética nem pacífica. As espécies só evoluíram e chegaram ao ponto em que hoje se encontram porque umas utilizaram outras em proveito próprio, fosse pela simples ocupação do espaço fosse por necessidades elementares de sobrevivência, como a alimentação. Tal significa que o conceito de Morte esteve sempre presente na Natureza e a única diferença está em quem a pratica: o animal ou o Homem. Escamotear esta realidade é renegar todos os princípios civilizacionais pelos quais nos pautamos hoje em dia.

Mas, por falar em morte, não me apercebo da existência de pessoas ou de instituições que queiram proteger todos os animais que consumimos no nosso dia-a-dia e que são criados intensivamente em condições que, essas sim, nos deveriam preocupar o espírito.

Ora se o Homem desequilibrou o Ambiente e destruiu os habitats, cabe-lhe a enorme responsabilidade de repor o equilíbrio e de minorar os estragos solucionando os problemas que criou.

Por sua vez e até há algumas décadas atrás a Natureza auto regulava-se, isto é, conseguia rebuscar o equilíbrio necessário para as diferentes entropias geradas pelo homem. Hoje tal não só não acontece como é impossível. Os desequilíbrios são tantos e tão enormes que não é possível melhorar o estado da Natureza sem a intervenção directa e responsável de quem os criou e não será certamente o homem citadino o mais vocacionado ou sequer capacitado para ter este tipo de intervenção.

E é aqui que entra a figura do caçador, pelo seu contacto quase permanente com o meio ambiente, pelo conhecimento concreto das diferentes espécies e das regiões onde pratica a sua actividade, pelas conhecimento das potencialidades de cada habitat, e pelo conhecimento dos problemas de que cada região enferma.

O caçador moderno deve ser visto e entendido como o regulador da Natureza e das espécies bravias, pois que se não existisse caça não havia protecção e controle por um lado, ou por outro lado, face à quase ausência de predadores naturais, as diferentes espécies bravias cresceriam  desmesuradamente até atingirem o declínio (devido à superpopulação) que inevitavelmente conduziria à morte por falta de condições de sobrevivência e consequentemente à extinção.

O caçador moderno tem de assumir o papel de predador maior, controlando os efectivos das diferentes espécies bravias para que estas se mantenham num nível estável e sanitariamente equilibrado consumindo, na sua actividade, apenas os excedentes de cada uma. E para isso tem de usar ferramentas tal como o agricultor utiliza as máquinas agrícolas, o cirurgião utiliza o bisturi, ou o desenhador utiliza o lápis.

Ora a ferramenta do caçador é a sua arma de caça, seja ela de fogo ou não, pelo que esta não passa de um mero utensílio. Por isso, possuir uma arma de caça deve ser um direito constitucional e não um privilégio concedido pelo Estado. Não cabe na ideia de nenhum cidadão consciente proibir o cirurgião de utilizar um bisturi pelo simples facto de este ter cometido um erro durante uma cirurgia, ou proibir o desenhador de fazer esboços ou de usar o lápis por não se gostar dos seus desenhos.  

Por tudo isto e como certamente já todos perceberam compete-me declarar que SOU CAÇADOR!

E sou CAÇADOR porque assumo a minha quota de responsabilidade na tentativa de resolução dos problemas ambientais que os meus antecessores criaram.

Sou CAÇADOR porque pretendo e desejo que as espécies bravias possam continuar um património de todos.

Sou CAÇADOR porque quero que os meus netos possam observar (e porque não caçar?) o javali, o veado, a perdiz ou a lebre, quando forem crescidos e para isso estiverem habilitados.

Sou CAÇADOR, porque quero que vida, TODA A VIDA, persista e se mantenha por muitos e muitos séculos.

 Sou CAÇADOR porque me considero um cidadão íntegro, responsável  e preocupado com o mundo que me rodeia.

Sou CAÇADOR porque tenho em mim os genes de séculos de evolução humana.

Sou CAÇADOR porque sou pacífico, condescendente e respeitador dos direitos do meu semelhante.

E finalmente sou CAÇADOR apenas porque sou !

 

(Publicado na revista Caça e Cães de Caça, nº 162 de Abril de 2011)

Texto  do autor do domínio e imagens  WEB.   

 


MATILHAS E MATILHEIROS

Este artigo é uma forma singela de prestar homenagem e agradecer a todos os matilheiros portugueses honestos e laboriosos que cada fim de semana contribuem com o seu trabalho e suor para que a Montaria Tradicional continue a perpetuar-se através do tempos e não se perca na História da Caça Maior de Portugal.

O Decreto-Lei 201/2005, mais conhecido por Regulamento da Lei da Caça  define Matilha de Caça Maior como “o conjunto de cães utilizados em montarias, com número máximo de 25 animais” e Matilheiro como “o auxiliar do caçador que tem a função de procurar, perseguir e levantar caça maior com ajuda de cães”.

Logo e apesar da forma como a lei define matilhas e matilheiros, uma matilha de caça maior será sempre constituída por um conjunto de cães devidamente ematilhados e por um condutor que pode ou não ser o proprietário dos cães. Este conjunto, ele sim, funciona como um auxiliar do caçador e tem o propósito primordial de levantar as rezes objecto de caça numa montaria.

Mas será que uma matilha é apenas isto? Será que apenas se trata de um conjunto de cães ematilhados, acompanhados por uma “batedor”?

Nada disso! As matilhas de caça maior são a peça chave e fundamental de qualquer montaria ou batida de caça maior, representando muitas vezes a percentagem maior do sucesso (ou insucesso) da caçada.

Mas para percebermos bem esta “coisa” das matilhas devemos recuar um pouco no tempo e olharmos para as origens da montaria que, como se sabe, é um processo de caça tradicional e característico da Península Ibérica. Em mais nenhum local do mundo se realizam Montarias; organizam-se sim vários tipos de batidas de caça maior mas não Montarias.

Ora sendo este um processo tradicional da Península Ibérica, as suas raízes estão maioritariamente em Espanha, sendo sobretudo na zona central e sul que a tradição se encontra mais arreigada e onde a montaria tradicional é realizada com frequência e a rigor.

Por sua vez, os nossos vizinhos também têm uma definição para matilha de Caça Maior e a primeira que se conhece é de D. António Covarsi que a descreve como 12 “trelas” de cães  que dêem caça ao javali e ao veado. Cada trela significa um par de coleiras, logo um par de cães, pelo que uma matilha seria constituída por cerca de 24 cães de caça maior. Mais recentemente definem matilha como um grupo de 6 a 20 ou 30 cães que se utiliza nas montarias.

Assim sendo, quer em Portugal quer em Espanha uma matilha de caça maior terá sido sempre constituída por 24 ou 25 cães devidamente ematilhados e que se destina a descobrir, levantar e eventualmente agarrar as diferentes espécies de caça maior que se caçam de montaria. Não se trata então e apenas de dar caça ao javali e ao veado mas também a outras espécies como o gamo, o muflão e até o corço já que actualmente se realizam montarias e batidas sobre todas estas espécies. Trata-se antes de levar as rezes aos postos, para que aí possam ser cobradas.

Com se percebe, para se constituir uma matilha de caça maior não basta juntar vinte e tantos cães, habituá-los a um condutor e levá-los ao campo para caçarem.

Trata-se outrossim, de organizar um grupo de cães que se conheçam (cacem em conjunto e uns para os outros), que se hierarquizem, que tenham vício na caça e gostem de morder animais de grande porte, que sejam corajosos, tenazes e resistentes e que assinalem os rastos ladrando. E se bem que uma matilha possa ser constituída por qualquer tipo ou raça de cães que cumpra com as características enunciadas é normal que estas apresentem raças específicas. São elas os podengos grandes e ibicencos, os Mastins, os Dogos Argentinos e até algumas raças portuguesas normalmente não associadas à caça como o Castro Laboreiro, o Serra da Estrela ou até o Rafeiro Alentejano.

O porquê desta especificidade está patente na função que a matilha desempenha numa montaria. E esta é, para além de “bater” o terreno caçando, encontrar, levantar e encaminhar as diferentes espécies em direcção aos postos que cercam essa mesma mancha.

É usual referir-se que uma matilha equilibrada deverá ter cães ponteiros, cães de levante e cães de “agarre”.

Vejamos pois como tal funciona.

Quando se solta a matilha, no início da montaria, há cães que de imediato abandonam o conjunto e o matilheiro para, minutos depois, se encontrarem a meio da mancha. São animais de focinho apurado e grande capacidade olfactiva que “procuram” as rezes encamadas. Quando as encontram dão sinal ladrando lenta e insistentemente no local onde se acoitam os bichos. Designa-se este sinal por “ladra de parado”. Se a matilha estiver “ bem caçada” os restantes cães ao ouvirem o sinal do companheiro acorrem ao local para ajudar e levantam o javali ou veado que até então se aguentou encamado por não sentir força e pressão de muitos cães. Dá-se então o “levante” ou “levantar da rês” que logo, logo, perseguida por número maior de cães se lança em rápida fuga. Mas há outros protagonistas destas lides que se mantêm fielmente junto ao seu condutor por serem cães mais pesados e mais lentos, e que não alcançam distâncias nem corridas tão grandes quantos as dos seus congéneres. São os chamados cães de “agarre” (ou presa). Têm estes por função segurar um animal ferido ou que se recusou a abandonar o encame. São animais de corpolência maior, grande boca e correspondente força de maxilas, que aqui constituem a defesa do matilheiro nos casos mencionados.

Percebe-se então que a matilha tenha uma constituição específica no que respeita às características dos cães que a integram. E esta constituição pode ser quantificada: quatro a seis cães ponteiros, doze a catorze cães de levante e os restantes serão os cães de agarre, logo de maior porte.

Apesar de tudo o que se referiu, actualmente as matilhas têm as composições mais variadas que se possa imaginar. Muitas apresentam só cães de levante (preferíveis para caçar manchas onde apenas encamam javalis) outras exibem apenas podengos grandes e ibicencos (notoriamente visíveis nas manchas onde predominam os cervídeos), pelo que se pode encontrar de tudo um pouco. Até aquelas que maioritariamente levam cães de caça menor, nunca chegando a ser uma verdadeira matilha e que apenas conseguem confundir as restantes e estragar uma mancha devido á algazarra que produzem atrás de lebres e coelhos. Com esta atitude arrastam os cães das matilhas vizinhas que assim muito rapidamente se esgotam em cansaço, acabando por deixar grandes áreas de mancha por caçar.

Mas a matilha também tem um matilheiro, homem dedicado e conhecedor dos “seus” cães, que os conduz e orienta pelos fundos vales e cabeços soalheiros, facilitando o trabalho que o vento e por vezes o ar lhes rouba.

É ele que com as suas vozes dá alento à matilha, entusiasma a perseguição  após um levante, ou dá força e confiança num “agarre”. É também ele que após várias corridas atrás dos bichos toca a reunir com a sua corneta de latão, caracola ou simples apito, tentando reagrupar os cães para que estes possam continuar a bater o terreno nas condições desejadas. No entanto é também ele, por vezes, o responsável pelo insucesso da caçada, quando apenas antevendo o espírito comercial da jornada, se furta ao mato mais cerrado conduzindo os seus cães por caminhos, aceiros e terra limpa.

Como em tudo, neste tema também há de tudo.

Podemos então dizer que a peça chave de qualquer montaria ou batida de caça maior é efectivamente a matilha. Pode a mancha ser bem ou mal montada, podem os postos estar bem ou mal localizados, podem inclusivamente os senhores monteiros representar a mais fina e experiente nata da caça maior que, sem matilhas de qualidade e na quantidade adequada, nunca haverá êxito e os resultados das montarias serão sempre parcos ou mesmo nulos.

E a importância das matilhas é tão grande que todos os monteiros de reconhecido valor e experiência lhe atribuem créditos e importância elevada. Podíamos citar muitos escritos e intervenções onde tal importância é descrita mas mencionarei apenas D. Eduardo Figueroa, Conde de Yebes, grande monteiro e defensor da montaria tradicional, ou Mariano Aguayo, monteiro, caçador, pintor e escritor cinegético. O segundo dedicou uma das suas obras à matilha de caça maior (El Gran Libro de la Rehala) enquanto o primeiro escrevia a dado trecho da sua obra “Veinte Años de Caza Mayor”, o seguinte:

 

Não há verdadeira montaria sem matilhas. A sua importância é tal que basta observar a que os nossos clássicos lhe atribuem em qualquer dos tratados escritos sobre a matéria. Quando se monteia de verdade, isto é, com todas as condições que o acto requer, haverá várias rehalas que nos vão dizendo tudo. Vão dizendo tudo àqueles que sabem ouvir, o que não é fácil. Se se souber ouvir, mesmo ocupando um  posto de fraca ou nula visibilidade,  poderá qualquer um perceber e dar conta – sempre que os cães sejam de qualidade – de tudo o que vai acontecendo ao longo do dia. Desde o momento da solta até ao fim da jornada: se houve interesse dos cães ou se não houve; se predominaram os cervídeos ou se pelo contrário houve mais porcos; se se atirou bem ou mal; se a caça correu para onde se esperava, se voltou para trás, ou até se não se levantou. Enfim, perceberemos tudo o que aconteceu e pouco terão para acrescentar aqueles que tiveram melhores vistas sobre a mancha.”

 

Descrita e reconhecida a importância de matilhas e matilheiros para a Caça Maior, analisemos agora o que é isso de possuir uma matilha.

A primeira questão reside no número de cães necessário para cada matilha, pois que para ter sempre 25 cães disponíveis para caçar ao longo da época o seu proprietário terá de manter, seguramente, cerca de quarenta animais. Isto porque se tem de contar com os cães que, por exaustão numa montaria, devem ficar recolhidos no dia seguinte, com aqueles que são feridos pelas navalhas de algum javali mais feroz ou mais corajoso e têm de ficar de recobro e ainda pela possibilidade das cadelas entrarem em cio e terem de ser retiradas da matilha, por motivos óbvios.

Depois o segundo problema é onde alojar, durante todo o ano, tanto cão junto. Juntos porque para serem e se comportarem como uma matilha ( estarem ematilhados ) têm forçosamente de estar permanente juntos com o objectivo de se hierarquizarem e de se evitarem quezílias mais graves e indesejáveis quando se encontram em liberdade.

O terceiro problema é o das necessidades alimentares e sanitárias de tal agrupamento de animais, leia-se despesas com alimentação, eventuais tratamentos, desparasitações e vacinas que representam mensalmente valores por vezes incomportáveis. A estas acresce ainda a despesa com a licença anual de caça para cada cão e taxa anual de registo da matilha, sem as quais esta não pode participar nas montarias.

O quarto problema passa pela necessidade de adquirir e manter uma viatura de transporte adequada e adaptada às matilhas, pois que nas diferentes deslocações os cães necessitam de espaço e conforto sob pena de já chegarem cansados ao local e não terem a resistência física necessária para suportar a jornada.

Ainda outro e provavelmente o problema de maior dimensão quase sempre esquecido e que impossibilita muitas vezes a renovação dos efectivos: onde treinar os cães ou a matilha. Se esta só pode caçar durante a época legal das montarias, como proceder para rodar os cães e muscular os seus membros no momento da pré época? Parece que o legislador, a tutela e as Organizações do Sector da Caça se esqueceram de tão importante pormenor. Se por um lado o vulgar caçador pode utilizar qualquer Campo de Treino para preparar o seu cão de caça, onde irá o matilheiro treinar os cachorros e outros cães recém introduzidos? Não é possível soltar um javali ou veado num campo de treino para organizar e treinar uma matilha de caça maior. Este treino só pode então ser feito em pleno acto de caça com todos os inconvenientes que tal acarreta para a organização de uma montaria. Será fácil entender que qualquer organizador recusará contratar matilhas cujos cães não estejam suficientemente caçados e não ofereceram garantias de cumprirem com o que lhes é exigido.

Finalmente a necessidade imperiosa de se deterem noções básicas de primeiros cuidados e veterinária, sempre necessários quando há cães feridos, exaustos ou com algum outro problema físico durante a jornada. Quando algum veterinário participa na caçada e se dispõe a colaborar este problema está ultrapassado mas, infelizmente, na maioria das situações tal não acontece.

A título de balanço e feitas bem as contas, de uma forma muito básica considera-se que para manter uma matilha de caça maior são necessários sempre mais de 8 000 Euros anuais. Ora face ao montante de custos envolvidos – que não consideram a eventual compra de cães – compreenderemos que esta actividade não seja nunca entendida como um negócio rentável. Era preciso que cada matilha fosse contratada para caçar todos os dias da época, sem falhar nenhum, para que, com os valores médios de contratação praticados, pudesse suportar os custos anuais.

Então se não é rentável possuir uma matilha de caça maior, como é que há tanta matilha disponível para as montarias?

A resposta está muitas vezes na “aficion”, no gosto e no prazer de caçar a pé com os cães. É verdade que muitas das matilhas de grande qualidade que ainda hoje se conhecem levaram anos de trabalho, sacrifício e despesas para se “fazerem”. Passaram pela rigorosa selecção das raças e da qualidade dos cães, tentando cruzamentos de raças, trocando cães com outros matilheiros para, chegado o momento da verdade, se poder apresentar uma matilha de grande qualidade e que justifique plenamente o número de participações que cada ano lhes é proposto. Poderíamos citar aqui muitos nomes de excelentes matilhas, quase sempre associadas ou criadas inicialmente por grandes monteiros portugueses que colocaram todo o seu saber e trabalho na criação das mesmas. Em Espanha e em tempos idos, muitas das matilhas eram propriedade dos donos das herdades mais famosas pelas suas montarias ou organizadores acreditados mas actualmente o espírito comercial que a caça atingiu em ambos os países levou a que a matilha de caça maior seja vista como uma fonte de rendimento ou forma de negócio. Este facto, associado à ignorância e oportunismo de alguns proprietários, está na origem de algumas matilhas de reduzida ou nula qualidade. Estas quando em trabalho de caça apenas exibem um grupo indistinto de cães que não têm a mínima noção do que andam a fazer no campo, limitando-se a seguir fielmente os passos do tratador. Mas estas não serão nunca designadas por Matilhas de Caça Maior.

Segundo dados obtidos junto da Autoridade Florestal Nacional no ano de 2009 estavam registadas e licenciadas pelos Serviços de Caça 312 matilhas. Ora para o nosso universo estamos em presença de matilhas a mais. Se partirmos do princípio que uma montaria necessita em média de 8 matilhas, estaríamos em presença de uma disponibilidade de cerca de 40 montarias simultâneas por dia de caça, o que não é uma realidade. Realidade será sim o facto de muitas destas matilhas não reunirem as condições desejadas e apenas existirem para satisfazer o tal espírito comercial. Estamos em crer que muitas serão as boas e aquelas que todos desejamos ver a caçar nas montarias que frequentamos, mas infelizmente estas são a excepção e não a regra, enquanto as outras apenas conseguem defraudar as expectativas dos organizadores, dos monteiros e até de outros matilheiros que sem apoio se vem impossibilitados de cumprir melhor o que lhes é contratado.

Como em tudo as gerações mais novas necessitam de aprender, mas nos tempos em que vivemos e caçamos a crítica por mais construtiva que seja é sempre mal vista. O que quero referir é que muitos dos novos matilheiros deveriam informar-se e aprender com aqueles que há mais tempo batem as manchas pois com isso só teriam a ganhar e melhoravam a qualidade de trabalho das suas matilhas.

Finalmente não quero deixar saudar e de prestar homenagem a todos os matilheiros portugueses que de uma forma honesta, integra e laboriosa contribuem através do seu trabalho para que cada montaria cumpra os objectivos propostos e todos se sintam satisfeitos no fim da jornada em que participaram. Não nos esqueçamos nunca que é o matilheiro que rompe o mato mais forte e são os seus melhores cães que sofrem na pele as investidas dos animais bravios, para que o monteiro possa, no seu posto, cobrar, com ética e respeito, o seu troféu.

Sem matilhas e sem matilheiros não houve, não há e não haverá nunca montarias pelo que todos devemos respeitar aqueles que andam dentro da mancha dando o seu melhor.

 

(Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 21, em Janeiro de 2011)

Texto  do autor do domínio. Imagens Grupo V.

 


O CORÇO EM PORTUGAL: Presente e Futuro

        Trata-se mais um texto crítico que tenta avaliar a evolução deste pequeno cervídeo, no nosso país. A sua caça é permitida nas zonas de caça fechadas, mas estranhamente é proibida em zonas abertas. Não entendemos porquê. Esperamos que a alguém olhe para este anacronismo e venha a alterar as normas que regulamentam a caça do corço, em Portugal.

O editorial que o Pedro Vitorino publicou no último número da Revista Caça Maior e Safaris sobre o Corço em Portugal deixou-me a pensar no assunto e fez vir à minha memória os antagonismos entre a opinião pública e a caçadora sobre os regimes de exploração cinegética de tipo aberto e de tipo fechado.

Mas voltemos à questão principal que no caso vertente é o Corço e a sua existência em terras Lusas.

Todos sabemos que até há cerca de quatro ou cinco décadas não havia corços em Portugal; apenas se avistavam, de vez em quando, algumas presenças em regiões que faziam fronteira com zonas de querença do país vizinho. Referimo-nos à região Norte de Portugal, bem acima do rio Douro e alguns sítios da Beira Interior Norte.

Com o tempo, estes pequenos núcleos populacionais foram evoluindo e, tal como em Espanha, foram povoando não só as zonas limítrofes como aumentando a pouco e pouco a área de povoamento.

Em meados da década de oitenta realiza-se uma primeira tentativa de introdução da espécie na serra da Lousã, em área altamente controlada da Zona de Caça Nacional do mesmo nome. Este pequeno núcleo não tendo obtido o sucesso evolutivo desejado, supostamente devido às características genéticas da população introduzida, é reforçado mais tarde com a introdução, na mesma zona, de mais 20 casais deste pequeno cervídeo com origem distinta da dos primeiros.

Na sequência destas introduções e face a alguma “publicidade” junto dos meios cinegéticos de tipo turístico, acontecem outras, em zonas fechadas, vedadas com malha cinegética de 2 metros de altura. Estas situam-se no Alto e Baixo Alentejo em regiões onde os técnicos sempre referiram (e bem) não existirem condições ambientais propícias para o desenvolvimento da espécie.

Estamos então perante duas formas distintas de ordenamento cinegético: uma que se implementa e desenvolve em zonas abertas e controladas e outra que se aplica a zonas fechadas com malha cinegética.

Obtemos assim um primeiro modelo comparativo de desenvolvimento, entenda-se a possibilidade de comparar a evolução do corço em Portugal nas zonas abertas, naturais, e em zonas vedadas onde o biótipo nem sequer lhes é apropriado.

Ora contrariamente aquilo que certas correntes de opinião afirmam, uma zona fechada não é propriamente um “cercon”. As zonas vedadas mais não servem que para proteger de terceiros (leia-se furtivos) as populações introduzidas, bem como para permitirem/facilitarem uma específica técnica de gestão destinada a incrementar os efectivos.

Assim sendo devemos entender uma zona fechada como sendo uma área protegida e onde um determinado modelo de gestão é aplicado cuidadosamente exigindo um investimento significativo.

Por sua vez as zonas abertas onde as primeiras introduções aconteceram são frequentemente referenciadas como espaços igualmente protegidos, gestionados por entidades responsáveis e conhecedoras do seu “metier”, mas onde a tranquilidade nem sempre é um factor considerado (e esta é fundamental na gestão de qualquer população de Caça Maior), porque, tratando-se de áreas públicas, o acesso às mesmas não pode ser condicionado.

 O que não acontece nas áreas vedadas.

Se por outro lado considerarmos as zonas onde o corço se expandiu naturalmente (Norte do rio Douro) ficamos com um terceiro termo de comparação, podendo então observar o que aconteceu nas regiões onde o corço apareceu naturalmente, nas zonas abertas onde foi introduzido e nas áreas vedadas onde foi igualmente inserido.

E aqui a observação dos resultados obtidos conduz-nos a dados muito diferentes:

 - Nas zonas abertas e protegidas, as ditas ZCNs, os técnicos referem que não conseguiram ainda dados suficientes sobre a evolução das populações, ou então que estas, face a condições múltiplas, não evoluíram conforme o esperado pelo que ainda não se justifica a sua caça, com excepção de um caso único, em Bragança.

- Por sua vez nas zonas de expansão natural (situadas quase todas a Norte do Rio Douro) afirmam os residentes e os caçadores que a presença do corço é notória nas áreas de querença, pelo que uma conhecida OSC solicitou à tutela autorização para a sua caça em terrenos do regime ordenado. A resposta obtida foi que se desconheciam os efectivos na região Norte pelo que, não tendo sido realizados censos, não era possível satisfazer tal pedido. Esta mesma OSC afirmou ter posteriormente realizado os necessários censos e para além de ter comunicado os resultados a quem de direito, propôs ainda que a caça ao corço fosse autorizada mediante a atribuição de precintos de controlo. E continuou a obter o não como resposta à abertura da caça ao corço.

- Finalmente, nas áreas vedadas onde – relembramos – não existiam condições ambientais favoráveis à espécie, face ao labor dos seus proprietários e gestores as populações evoluíram rapidamente e atingiram bem depressa as capacidades de suporte das áreas. Os troféus apareceram, começaram a ser caçados com resultados incríveis e a cotação do ranking nacional para o troféu do corço cresceu exponencialmente. De tal forma que muitos dos corços caçados, cobrados e homologados em Portugal fariam inveja aos gestores das zonas de caça da Europa Central.

Perante estes factos parece estarmos em presença de um paradoxo: em Portugal há zonas onde a caça ao corço é permitida e há outras zonas onde a sua caça é proibida, sendo que todas elas integram o actual Regime Ordenado.

Mais estranho ainda é que seja nas zonas onde o corço é “acompanhado” por especialistas que a sua caça esteja proibida.

Ora não havendo caça não há protecção, não há controlo, não há gestão e não pode haver desenvolvimento. O facto da caça ao corço estar proibida em zonas abertas do regime ordenado é o principal factor de limitação ao desenvolvimento da espécie.

A proibição não significa que os corços não sejam caçados e abatidos nestas zonas. Antes pelo contrário são abatidos sem controlo, gestão ou autorização de quem de direito.

Tratando-se de um património nacional enquanto espécie cinegética, são propriedade de todos e não apenas de alguns que num mero acto de furtivismo roubam o que é de todos, limitando a expansão natural da espécie.

A confirmar esta opinião está uma mão cheia de exemplos espalhados por esse Mundo fora onde a caça foi proibida ou encerrada e a maioria das espécies cinegéticas existentes entrou em declínio tão rapidamente que rondou os limites da pré extinção.

Se compararmos com a expansão do corço no país vizinho percebe-se como foi possível que a espécie se expandisse tão rapidamente por todo o território,  porque a sua caça foi autorizada desde o primeiro momento não só por ter interesse económico de valor elevado, mas acima de tudo porque houve controlo e fiscalização.

Ora, não havendo caça não há controlo, não há gestão e muito menos fiscalização.

E será por isso que as populações nacionais de corços, em zonas abertas se mantêm estáveis não exibindo quantitativamente os efectivos que se esperavam, ao cabo de cerca de duas décadas. Note-se que o corço apenas evoluiu e aumentou nas zonas fechadas onde o ambiente lhes era desfavorável, mas onde a espécie foi controlada e protegida. Ao contrário, nas regiões Norte de Portugal (onde as características ambientais eram próprias e adequadas para o Corço), verifica-se que as populações não evoluem e por tanto continua a considerar-se não haver condições para a sua caça.

Como se pode então proteger uma espécie quando, não havendo caça, não há interesse económico?

Haverá alguém que esteja disposto a “guardar” um casal de corços e a sua descendência se daquele grupo familiar não puder, pelo menos legalmente, colher frutos?

Este é o grande paradigma do Corço em Portugal.

 

Se pretendemos que num futuro próximo a espécie prolifere e se expanda por todo o território nacional, então que se cumpram os objectivos da Lei da Caça, que transfere a responsabilidade do ordenamento das espécies para o Caçador e indirectamente para as OSCs, permitindo que sejam estes(as) a gerir e controlar a espécie. Tal só será possível se a sua caça for permitida e generalizada a todo o terreno ordenado, considerando que numa primeira fase apenas devam ser autorizados os processos de caça de espera e aproximação, com o objectivo de facilitar a identificação do animal a cobrar e a implementação das técnicas de gestão previamente definidas. Esta “abertura” deveria estar associada à definição prévia das regiões onde a caça seria permitida numa primeira instância e o seu controlo efectuado através da atribuição de precintos a cada Zona candidata. E mesmo que o número de precintos atribuídos seja muito reduzido, este processo constituirá seguramente um incentivo para as entidades gestoras das zonas de caça, tal como conduzirá à implementação de um processo de controlo e de organização das populações existentes.

De outra forma não me parece que o Corço , em Portugal, tenha futuro ou se expanda pelas zonas abertas.

 

(Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 20, em Outubro de 2010 )

Texto e Imagens do autor do domínio.

 


UMA SOLUÇÃO PARA MÚLTIPLOS PROBLEMAS

 

        Mais um texto crítico, este agora de alerta para os organismos da Tutela, mostrando quão fácil é solucionar os problemas detectados a nível da caça maior no nosso país.  Foi igualmente publicado na revista Caça Maior e Safaris do passado mês de Outubro.

 

No final da época passada tentámos fazer o balanço da forma como decorreu a época de caça maior em Portugal continental, dando especial ênfase à Montaria.

Sobre as montarias que foram realizadas na época transacta, constatámos que muitas delas não deviam nunca ter sido levados a cabo, fosse por falta de efectivos objecto de caça, fosse pela falta de segurança fosse ainda pela falta de qualidade organizativa.

Neste panorama apontámos algumas deficiências e incoerências que agora relembramos para uma suposta procura de soluções, e que eram:

-A sobrecarga de realização de montarias na mesma área, ao longo da época.

- A ausência do controle sanitário das carcaças dos animais abatidos.

- A falta de responsabilidade das entidades organizadoras face a acidentes ocorridos durante as montarias.

- A falta de segurança evidenciada pela existência de postos ocupados por duas e três armas.

- O abate indiscriminado de juvenis e fêmeas  (de veado).

- E finalmente o desconhecimento da tutela, no caso vertente da AFN, do número de montarias levadas a cabo durante a época, apesar de neste ponto nada podermos criticar por se tratar de uma situação prevista nas normas legais da caça, em vigor.

Dirá o leitor mais atento, cansado já de ler tanta crítica, que criticar é fácil.

Concordando inteiramente com esta afirmação e porque nos parece que se torna relativamente fácil dar solução aos problemas enunciados, passemos então a ver como resolvê-los.

 

Começaríamos pela reposição da norma legal que obrigava à solicitação de autorização para a realização de montarias através da respectiva comunicação às delegações distritais da AFN, vulgo Serviços Regionais de Caça, com a antecedência mínima de 30 dias. Este pedido seria apresentado através de impresso a preencher manualmente ou “on line”, no qual constaria obrigatoriamente a designação da entidade gestora, localização da zona a montear, a sua área, qual a entidade sanitária responsável pela inspecção das carcaças, o tipo de animais a abater (se machos apenas ou se ambos os sexos) e ainda uma cópia do Seguro de responsabilidade civil exigido por lei para este tipo de realizações.

A delegação regional da AFN ao receber tal pedido pode escusar-se de elaborar comunicação de resposta dado que, nos termos do Código de Processo Administrativo, apenas teria que responder se não autorizasse esta mesma realização e neste caso fundamentaria a recusa.

No caso de “necessidade” de repetição da montaria na mesma mancha e durante a mesma época ou de abate indiscriminado de machos e fêmeas de cervídeos – necessidade esta que apenas podemos entender por imperativo de controle de eventuais zoonoses  que ocorram na região ou outros motivos de igual peso - então a autorização estaria dependente de parecer do ICNB que sempre considerámos como um parceiro válido para as questões da caça no nosso país.

E um dos motivos fundamentais para uma eventual recusa seria a realização de duas montarias em áreas contíguas e no mesmo dia, por uma questão de elementar segurança.

Por parte  da entidade requerente, em caso de fiscalização, bastaria a apresentação de uma cópia do pedido formulado (se on line) acompanhado do respectivo recibo de entrega (se entregue em mão na respectiva Delegação Regional).

Compreendendo a múltiplas necessidades de organização da Administração Pública na conjuntura que se atravessa, esta solução, como facilmente se entende, não implica custos nem sequer mais recursos humanos. Tudo se pode fazer com “ prata da casa”.

E desta forma resolviam-se de uma assentada cinco dos problemas detectados: a responsabilidade das entidades organizadoras face a acidentes, o controle sanitário das carcaças, a sobrecarga de realização de montarias na mesma área, o abate indiscriminado de fêmeas e juvenis, bem como o conhecimento da Tutela face ao número de realizações.

Sobre o problema dos “postos dobrados” pensamos que a solução é ainda de alcance mais fácil. Sabendo nós que uma das regras da montaria é a proibição da existência de postos dobrados, regra esta sempre lembrada em todas as organizações credíveis e de qualidade, basta que através de um simples despacho de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado se regulamente a questão: um único caçador ocupando o posto pode levar quantas armas quiser; vários ocupantes do posto apenas se podem fazer acompanhar de uma única arma, por questões da mais elementar segurança. Norma esta certamente entendida por todos os que se consideram como utilizadores responsáveis das armas de fogo.

 

Não esquecendo, por outro lado, que nas Zonas de Caça Municipais o PAE é elaborado e autorizado anualmente pelos serviços da AFN, estamos em crer ser fácil o enquadramento destas no processo de autorização das montarias através do simples lançamento das realizações autorizadas numa base de dados de nível nacional (na qual conste a globalidade dos pedidos), a qual será facilmente acedida por todas as delegações regionais. Aqui o trabalho suplementar seria, apenas, aquele que o técnico responsável teria para aceder à base de dados e verificar através dos registos existente as condições agora propostas. No caso de nada a opor passaria a registar as datas e locais das montarias autorizadas às diferentes zonas de caça.

Para tudo isto bastaria a boa vontade da Tutela no sentido de querer resolver problemas que no futuro se podem revelar graves, senão muito graves. E neste caso, já lá diz o ditado que mais vale prevenir do que remediar.

Esta boa vontade seria traduzida pela elaboração de um simples despacho do Senhor Secretário de Estado (a publicar ainda antes da próxima época de montarias) o qual se revelou sensível ao problema quando da Feira Nacional da Caça de Santarém, em Maio passado.

Sendo certo que estes não são os únicos problemas que o panorama cinegético atravessa, estamos conscientes que se deve começar por algum lado e neste caso pela selecção e correspondente aplicação das soluções mais fáceis, mais eficazes e que impliquem custos nulos ou mínimos.

Assim haja vontade de fazer.

 

(Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 20, em Outubro de 2010 )

Texto do autor do domínio.

 


COMO CLASSIFICAR AS MONTARIAS

 

           Este é um texto explicativo que acompanha a aplicação informática elaborada pelo autor com a colaboração e ajuda de um amigo caçador e monteiro, a qual se destina a possibilitar a criação de uma base de dados, a nível nacional, para a catalogação das montarias. Desta forma para além de classificarem as montarias dá-se a conhecer também e de uma forma directa quais as organizações mais fiáveis, mais credíveis e que mais empenho dedicam a este processo de caça.

 

Ao longo dos últimos anos tenho-me questionado sobre aquilo que é o entendimento geral de uma Boa Montaria. Para uns uma boa montaria é aquela na qual se cobram muitas rezes (segundo o ponto de vista do caçador), para outros será aquela em que se dão muitos tiros (pelo ponto de vista do organizador), para outros será aquela em que se deram poucos tiros e se cobrou um número mínimo de rezes, mas na qual o convívio foi muito agradável e para outros ainda será aquela em que a segurança foi cumprida e “correu tudo muito bem e muito seguro”.

Esta extrema divergência de pontos de vista, levou-me a que – conversando com alguns amigos e companheiros de caça maior de longos anos - auscultasse opiniões daquilo que  se deveria considerar uma Boa Montaria.

E cada um foi dizendo de sua justiça e manifestando opiniões sobre o assunto, sendo certo que alguns deles “fazem” largas dezenas de montarias todos os anos na Península Ibérica e, naturalmente, já provaram o muito bom e o muito mau.

Como tal foi fácil perceber, não só através da opinião alheia como também através de muitas vivências próprias, que o sucesso de uma montaria não depende tanto (como frequentemente nos querem fazer crer) das condições atmosféricas e da má acção da mão humana, mas sim e contrariamente, do conhecimento e do trabalho prévio postos na organização deste acto de caça.

Ora sendo certo que uma Montaria é um acto de caça com carácter comercial, já que na maioria das realizações a participação nela só é possível através do pagamento do valor solicitado pelo posto, estamos em presença de um acto comercial puro e simples, no qual quem compra deverá ter acesso ao produto adquirido e quem vende deve entregar o que está a vender. Pelo que não será correcto afirmar que ao adquirir um posto de montaria se está a comprar exclusivamente o direito de participar nesta jornada de caça, ou seja, não se trata de pagar o direito de entrada numa propriedade (vulgo “piso de sala”) mas sim de adquirir o direito de atirar a alguns animais, supostamente bravios e naturais, em quantidades dependentes do acordo celebrado com quem detém o direito de venda.

Pelo que, mais uma vez, se pressupõe a existência de animais para serem caçados e que estes efectivamente “apareçam”.

Porque pessoalmente me dediquei durante mais de uma década à organização de montarias, pude sentir na pele as dificuldades que um organizador enfrenta quando quer fazer um trabalho honesto e de qualidade. O que implica não só o conhecimento técnico do acto, como o do terreno a montear, como também dos hábitos e vivências da(s) espécie(s) a caçar e ainda o conhecimento do meio em que a montaria se realizará, tendo este último factor um peso quase tão importante como cada um dos restantes.

Assim sendo é importante escolher criteriosamente e em primeiro lugar, o local da mancha e estruturá-lo em termos da área a caçar. Em segundo lugar virá a definição do número de matilhas necessário para caçar aquela dita área, bem como a forma como as mesmas deverão bater o terreno e só depois a forma como se “arma” a mancha, ou seja onde se colocam os postos, devendo respeitar-se sempre a possibilidade de tiro nesses postos, a segurança nos mesmos e ainda a sua acessibilidade. Não conjugar estas três condicionantes é marcar postos ao “Deus dará”.

Ora foi exactamente com base nestes pressupostos que construímos uma aplicação informática que, utilizando cálculos matemáticos, nos permitisse chegar a um modelo de classificação para a montaria. Foram então definidos – a título de critérios objectivos e mensuráveis – como parâmetros de análise para aplicar, os que se seguem:

A área da Mancha.

O número de postos.

O número de matilhas utilizadas.

O número de tiros dados.

O número de animais cobrados.

O número de postos que não atirou.

O número de animais eventualmente homologáveis.

Por outro lado e considerando que uma montaria não é só caçar, dar tiros e cobrar rezes, pareceu-nos importante ter em atenção também outros factores, estes agora de carácter um pouco mais subjectivo mas ainda assim mensuráveis:

A Segurança.

O cumprimento dos planos e horários.

O atendimento ao cliente.

O tipo de Coberto Vegetal.

A Orografia do terreno.

E porque as Montarias se realizam com fins e em locais tão diferentes como as Zonas de Caça de tipo Turístico, de tipo Associativo e de tipo Municipal, também a aplicação dos parâmetros se moldou a cada uma destas realidades.

Assim, a totalidade dos parâmetros só tem aplicação para as zonas de caça de tipo Turístico, enquanto nas de tipo Associativo e nas de tipo Municipal o preço do posto bem como o atendimento ao cliente não são considerados.

 

Como funciona o modelo:

Trata-se um aplicação em formato .xls (Excell) que, utilizando uma escala de valores que oscila entre 0 e 10, relaciona as diferentes condições analisadas em cada parâmetro. Definidos que foram para cada um o nível satisfatório mínimo ou seja o meio da tabela, sempre que as condições se reduzam o modelo aplica um valor mais baixo e sempre que estas aumentem, um valor mais alto.

Por exemplo para a área da mancha, quanto menor o número de hectares, maior será a valoração. Para o número de postos considerou-se um número médio como razoável em função do coberto vegetal e da orografia, e este relaciona-se igualmente com o número de hectares da mancha. Igual é a relação para o número de matilhas tendo-se considerado como equilibrado o número de 0,8 cães por hectare de mancha caçada. Também o número de tiros dados se relaciona com o número de postos, considerando-se agora como valor médio 0,8 tiros por posto. O número de animais abatidos também está relacionado com o número de postos tal como o número de postos que não atiraram.

A título de exemplo referimos que numa montaria em que se cobraram bastantes rezes mas na qual mais de metade dos postos não atirou, significa que algo não correu da melhor forma, no que se refere ás condições organizacionais.

 

Preenchidos que foram todos os parâmetros do modelo com os valores reais da montaria, em cada um deles a aplicação devolve um valor entre 0 e 10. O resultado final é obtido através da média aritmética dos diferentes valores sendo que nem todos os parâmetros têm peso igual. A segurança, por exemplo, sendo fundamental, tem um peso acrescido nos cálculos.

Uma tabela final devolve a classificação a atribuir à montaria: Mau de 0  a 3; 4  Medíocre   ; Satisfatória de 5  a 7; 8 Boa  : 9 Muito Boa  e 10 Excelente  .

Para além da simples classificação quantitativa, ficam-nos as referências de como se passaram as coisas em termos de qualidade organizativa e segurança das pessoas sendo esta última a condição mais importante de qualquer jornada de caça.

 

O presente modelo de classificação de montarias tem como finalidade primeira permitir a constituição de uma base de dados a nível nacional das montarias realizadas e bem assim dos resultados obtidos em cada uma delas, classificação esta que, indirectamente, facilitará um conhecimento mais profundo das diferentes manchas monteadas e dos momentos do ano em que dão melhores resultados.

Em segundo lugar vai permitir conhecer melhor as organizações que nos apresentam montarias, facultando alguma publicidade às boas realizações e fazendo uma “separação do trigo e do joio”.

Finalmente destina-se a possibilitar a todos aqueles que pretendem iniciar-se no mundo da Caça Maior e mais especificamente na montaria uma referência de diferentes qualidades, preços e locais onde poderão celebrar o seu “noivado”.

 

(Publicado na revista Caça Maior e Safaris nº 19, em Julho de 2010 )

Texto do autor do domínio.

 


Até Quando?                      

                                   Trata-se de um texto publicado na mesma data do que segue a este e tem por objectivo alertar as Organizações do Sector da Caça e a  Tutela para o facto de não se poder continuar a ignorar o que se passa no nosso país, em termos de Caça Maior. Não se sabe quantas montarias se realizam, nem quem realiza, nem onde se realizam e bem assim quais os resultados obtidos. Conclusão: a Tutela e quem nos representa não quer saber o que se passa!

Terminou mais uma época de caça e é tempo de fazer balanços. É tempo de analisarmos como caçámos nesta época e como o vamos fazer na próxima.

Num destes balanços pretendi saber quantas montarias se tinham realizado nos últimos dois anos, com o objectivo de analisar a evolução deste processo de caça no modelo global de ordenamento. Para tal, nada mais adequado que solicitar à tutela da caça, neste caso a Autoridade Florestal Nacional, as informações necessárias à minha análise. E, sem grande surpresa, fui informado não ser possível satisfazer esta solicitação, em virtude da comunicação á Tutela ter deixado de ser exigida pelo Regulamento da Caça. Ou seja: para se realizar uma montaria ou batida de Caça Maior, não é necessário qualquer tipo de comunicação ou sequer de autorização, facto que aliás conhecíamos há muito.

Mais: ninguém sabe, em Portugal, quantas montarias ou batidas de caça maior se realizam em cada época de caça, e muito menos onde se realizam!

 

 

Devo salientar que sempre que solicitei informações ou pedi a colaboração da AFN em assuntos de natureza cinegética, fui sempre atendido atempadamente. 

Por sua vez o conhecimentos destes valores – número de montarias realizadas – parece-me revestir-se da maior importância não só pela necessidade de implementação dos tão desejados modelos integrados de gestão para as espécies de caça maior, como para que muitas Zonas de Caça Turísticas (por exemplo) possam reorganizar os seus modelos de exploração, e bem assim, para que a desejada fruição racional dos recursos cinegéticos possa ser uma realidade concretizável.

Sendo certo que a Tutela passou a responsabilidade do ordenamento e cumprimento das normas legais para os caçadores, representados pelas suas organizações do sector da caça, é também certo que uma parte da responsabilidade de controle e fiscalização do cumprimento da Lei passou a estar nas mãos destas últimas, cabendo a restante responsabilidade ás forças policiais a quem foi atribuída a competência da fiscalização da caça.

Ora, enquanto as primeiras parecem continuar a viver afastadas da realidade, pois desconhecem muito do que se passa no terreno e no dia-a-dia, as segundas parecem simplesmente não existir, seja por falta de efectivos seja pela falta de recursos.

Assim sendo, subentende-se que o mundo da caça deva auto regular-se, tal como dantes acontecia com a Natureza.

No entanto todos sabemos que o Homem desequilibrou as regras naturais criando uma entropia que nos levou ao ponto em que hoje nos encontramos, com ambientes poluídos e espécies extintas ou vias de extinção para citar apenas alguns destes desequilíbrios.

De igual modo se entende que o caçador, pelas suas atitudes irresponsáveis, não possa contribuir para a desejada auto regulação da caça.

Resta então aos caçadores fiscalizarem-se a si próprios.

Mas não pode o caçador desempenhar a função fiscalizadora. Porque esta não é a sua competência, porque não tem ao seu dispor os mecanismos legais que lho permitam fazer, e ainda porque estas situações geram mal-estar e desavenças graves entre pares. 

Por outro lado, estes factos confrontam-nos, de forma indirecta, com uma outra realidade que frequentemente passa despercebida a muitos de nós e a quem de direito. Trata-se da realização de montarias ou batidas de caça maior levadas a cabo fora da época legal, seja antes da abertura geral (meses de Agosto e Setembro) seja após o seu encerramento (Março). E tão grave é a sua realização fora de época como o desconhecimento destes factos por parte de quem de direito.

Vários foram os casos chegados ao nosso conhecimento ao longo dos anos de 2009 e de 2010. E enquanto uns, porque foram publicitados atempadamente, nos permitiram intervir junto da Tutela e evitar a sua realização – enfrentando por vezes alguma resistência por parte das entidades organizadoras locais – outras continuaram a realizar-se, agora de forma mais camuflada com o objectivo de evitar intervenções externas. Uma das últimas que suspeitamos ter acontecido teve lugar no passado mês de Março e apenas chegou ao conhecimento público porque alguns dos participantes não resistiram à tentação de exibir as fotos dos animais cobrados, esquecendo-se de ocultar a data.

E sobre este tema ninguém se pronunciou; nem antes nem depois dos factos terem acontecido; nem as Associações com responsabilidades a nível da caça maior, nem sequer as restantes OSC’s.

E tudo isto porque a realização de Montarias e de batidas de caça maior é livre, arbitrária e feita á medida de interesses e conveniências pessoais, ultrapassando frequentemente as normas legais em vigor.

Sem sequer serem devidas ao desconhecimento da Lei, sendo assim intencionais e premeditadas, o que agrava a falta cometida.

Então e já que estamos a fazer balanços, somos forçados a levantar algumas questões, para que a próxima época venatória possa funcionar sem tantos atropelos e para tal  citamos algumas:

Será que a Tutela ainda não se apercebeu que as montarias e batidas não podem realizar-se de forma arbitrária, entenda-se sem comunicação/autorização prévia?

Será que as OSC’s ainda não entenderam as responsabilidades que lhes estão atribuídas a este nível?

Será que os caçadores terão que se dividir em fiscalizadores e fiscalizados para que a legalidade possa voltar ao sector da caça?

Estas questões conduzem forçosamente a outras, relativas ao futuro da actividade cinegética no nosso país:

Até quando vai a Tutela manter o seu afastamento enquanto entidade reguladora?

Até quando vão as OCS’s continuar a fingir que tudo está bem e correcto?

Até quando vai o sector da caça subsistir sem o mais elementar cumprimento das normas estabelecidas?

Até quando vão as espécies de caça maior sobreviver a uma exploração tão intensiva?

Até quando vai a Natureza suportar tanto desrespeito e atropelo?

Até quando teremos que caçar desta maneira?

Até quando?...

 

 

Muitos dos caçadores portugueses querem ser respeitados enquanto fruidores racionais da Natureza e para tal exigem o cumprimento das normas legais em vigor, sendo este um dos nossos contributos para um futuro promissor da caça em Portugal.

 

(Publicado na revista Caça Maior e Safaris, nº 18, em Maio de 2010 .)

Texto do autor do domínio. Imagens Caça maior e Safaris.

 


 

MONTARIAS, GANCHOS E OUTRAS SIMULAÇÕES

                                                                                é um texto recentemente publicado na Revista Caça Maior e Safaris que mais não pretende do que voltar a salientar a importância da Montaria Tradicional e das mais elementares regras do código de conduta da Montaria. Num momento de grande desorientação organizacional ao nível da Caça Maior portuguesa o assunto pareceu-me da maior importância já que se trata de alertar para um conjunto de desmandos e desvarios a que vimos assistindo ao longo dos últimos anos.

 

 

"Quando comecei a montear, há mais ou menos 30 anos atrás, as montarias eram uma novidade e um grande acontecimento local. Vinham gentes de todos os lados, caçadores curiosos principalmente, para ver as armas que  os participantes utilizavam e que muitos julgavam não serem permitidas. Mas vinham principalmente para ver o “porco bravo” que tanto dano fazia nas culturas e por vezes também nas gentes.

Nessa época, primórdios da década de 80 do século passado, as montarias eram organizadas pelas Juntas de Freguesia, sendo estas coadjuvadas pelos serviços regionais de Caça, sedeados em cada capital de distrito; ou melhor: as autarquias locais queixavam-se da presença dos javalis e dos seus estragos nas culturas e os serviços regionais, através dos seus técnicos, faziam o levantamento da região, procurando não só os estragos reais provocados pela espécie, como também as possíveis manchas de encames dos animais. Tratava-se de um trabalho prolongado de estudo e observação que durava meses até que os técnicos dos serviços, verdadeiros práticos de campo, considerassem não só a necessidade como igualmente a possibilidade de se fazer uma montaria.

Era pois natural que apenas se desse caça ao javali quando os efectivos eram comprovadamente muitos e assim sendo, para garantir o sucesso do jornada, era normal as manchas terem dimensões maiores que aquelas a que hoje estamos habituados. Caçavam-se manchas com 750, 800 e por vezes mais hectares, sendo estas armadas com um número proporcional de postos. No entanto não tenho ideia, pelo menos daquelas em que então participei, que estas levassem mais de 80 postos.

E estes 80 postos estavam criteriosamente marcados quer em termos de visibilidade,  quer de qualidade de tiro quer ainda de segurança das pessoas. Era normal, em terreno mais ou menos plano, os postos não se avistarem uns aos outros e nem sequer conseguirem comunicar gritando. Quantas vezes se gritava para o companheiro do lado “ Aí vai ele…” e o bicho lá se escapava sem que o avisado tivesse percebido o aviso.

Quando o declive dos terrenos era mais pronunciado e o coberto vegetal mais denso e alto, preparavam-se as manchas, no verão, utilizando para o efeito máquinas de rasto que a autarquia disponibilizava e “dava-se um jeito” no mato, fosse para facilitar a entrada dos postos para as travessas, fosse para criar campo de tiro.

Lembro-me que numa dessas montarias, em Penha Garcia, o posto que me coube em sorteio, numa das travessas, se situava num caminho de três metros de largura na encosta da serra. E, consciente da dificuldade de se atirar naquele local, alguém tinha tido o bom senso de mandar passar uma máquina de rasto do lado superior do caminho, partindo o mato e criando um alargamento do campo de tiro para mais 10 metros.

E nessas montarias era normal cobrarem-se 50, 60 e mais javalis sendo que a presença dos navalheiros no quadro de caça, já nessa época era escassa. Não por não os haver, mas por facilmente iludirem as matilhas e os monteiros.

De acordo com alguns dados que fui recolhendo ao longo desses anos, essas montarias tiveram quase sempre um resultado médio igual ou superior a 0,8 javalis por posto.

E como tal poucos eram os que no fim da montaria vinham de semblante mais carregado. Quando isso acontecia e os questionávamos sobre a forma como tinha decorrido a “sua” montaria respondiam-nos que tinham sido o único posto da sua armada que não tinha atirado ou então que tinham errado um ( ou mais) porcos.

Numa época de caça organizava-se uma dezena ou duas de montarias em todo o país e o facto da mancha ter sido caçada esse ano não era garantia para que, no ano seguinte, se voltasse a fazer. Isso dependeria como as “coisas” estivessem no ano seguinte.

E ouve manchas que passaram a dar-se todos os anos, constituindo imagens da qualidade venatória daquele concelho, outras houve que apenas esporadicamente se monteavam e outras ainda deram-se uma vez para não mais serem repetidas.

E desta época apenas nos restam as memórias.

Mas foi com estas memórias, com estas gentes e com estes práticos de campo de aprendemos o que era uma montaria; quando se poderia fazer, como se deveria armar para garantir postos de caça com o mínimo de qualidade, como se deveria caçar para fazer com que os javalis entrassem aos postos, e com quantas matilhas se deveria caçar.

Aprendemos igualmente que cada mancha é um caso; que cada mancha tem uma dinâmica própria; que cada mancha só suporta um certo número de postos; e que uma mancha num ano evidencia umas características e no ano seguinte, porque a climatologia é diferente ou porque houve alterações no seu coberto vegetal, evidenciará outras completamente diferentes.

Aprendemos que era preciso ir, andar e estar no campo muitas, muitas horas, para reduzir todo o sucesso deste tão nobre acto a uma jornada de caça.

Mais tarde e no final desta década de 80, já o assunto se tinha especializado. E, com a criação das primeiras Zonas de Caça Nacionais, fortemente vocacionadas para a protecção e exploração da caça maior, começaram a organizar-se, nestas, os primeiros ganchos aos javalis.

E agora sim, era a cereja em cima do bolo, ou seja, o máximo da especialização. Tratava-se de organizar uma montaria em “miniatura”, escolhendo com o máximo critério uma mancha com área de 150 ou 200 ha (de entre uma total continuo de 5 000, 6000 ou mais) , marcá-la com apenas 24 postos e utilizando um número mais reduzido ainda de matilhas, cobrar 30 ou mais javalis (por vezes com mais de 200 tiros feitos).

 

Estas eram as verdadeiras Montarias! Estes eram os verdadeiros Ganchos!

 

Depois os tempos evoluíram, entrou-se em novo milénio e as montarias da nossa memória, que foram organizadas em terreno livre (não ordenado), passaram a ser um processo de caça vulgar, agora sob a égide do regime ordenado.

E, assimilando o exemplo das Zonas de Caça Turísticas, os restantes modelos de ordenamento passaram a ver na montaria uma inesgotável fonte de receita.

 E disparou o número de realizações.

De acordo com um levantamento feito através da publicidade nas revistas da especialidade, durante a época venatória de 2007/2008, conseguimos contar uma média de 16 a 20 “montarias” por dia de caça, encontrando um ou outro fim de semana onde as montarias anunciadas atingiram a média de 4 dezenas, tendo chegado ao número disparatado de 78 num único dia.

E 90% destas eram realizadas acima do Rio Tejo maioritariamente em Zonas de Caça Municipais.

Estes factos, à primeira vista, poderiam (deveriam) permitir tirar como conclusões que existia uma grande proliferação de javalis (e eventualmente veados) nestas regiões do país, e que assim sendo era necessário controlar este expansionismo inusitado das espécies. Por outro lado, deveria revelar-nos a grande capacidade organizativa dos nossos presidentes de clubes e de associações de caçadores e bem assim a existência de uma grande procura para este nobre acto de caça.

Mas a realidade apresentou-nos conclusões completamente diferentes: montarias obtendo resultados nulos ou no mínimo medíocres, manchas sobrecarregadas de postos pondo em causa a segurança de pessoas e bens, desorganização completa na colocação e recolhas das armadas, generalização do conceito de Mata Pendura, postos dobrados e redobrados onde chegam a estar 4 armas fazendo fogo em todas as direcções, a repetição de manchas uma e duas vezes no mesmo ano, o abate generalizado de fêmeas e crias, o incumprimento geral das mais elementares regras impostas pelo Regulamento da Caça, para citar apenas algumas das tristes realidades a que tenho vindo a assistir ao longo dos últimos anos.

No entanto estes factos não significam que todos se comportam da mesma forma. Felizmente há clubes, associações e organizações de caça que praticam modelos de gestão e fruição racional dos recursos e conseguem assim equilibrar o outro prato da balança.

 

A realidade mostrou-nos também que estas realizações não passam de fracas simulações do que é a Montaria, dando uma imagem grotesca e desfocada daquilo que a caça maior representa para o caçador, para Natureza e para o Homem. Perdeu-se a sensibilidade pelas coisas belas da Natureza, perdeu-se o respeito por tudo o que nos rodeia e até por aqueles que connosco compartem as jornadas de caça, privilegiando o egoísmo e a ganância. Por outro lado muitas organizações reduziram o acto da montaria a um simples factor económico que todos aprenderam a usar para suportar despesas extra, melhorar a tesouraria ou simplesmente engordar alguns gestores.

 

Para muitos esta é evolução natural dos tempos e da Caça. Esta será (é?) a caça do século XXI . E quando falamos em tradição, ética e códigos de conduta para a forma de estar na Caça e nas Montarias, dizem-nos que essa é a “nossa” realidade e não aquela que impera no panorama cinegético nacional.

Dizem-nos que estamos ultrapassados e que não temos coragem para evoluir e acompanhar os tempos esquecendo que, com esta realidade, muito brevemente não existirá caça, nem caçador, nem sequer condições para se caçar, seja pela imposição de normas de controle duras e restritivas seja pela simples extinção das espécies.

Resta-nos pedir a St. Huberto, o velho patrono dos caçadores, que nos ilumine e nos facilite a vontade de melhorar todo um futuro que se mostra pouco risonho.

 

(Publicado na revista Caça Maior e Safaris, nº 18, em Maio de 2010 .)

Texto do autor do domínio. Imagem Caça maior e Safaris.

 


OS DUENDES DA FLORESTA

Já que estamos em plena época "corceira" nada mais apropriado do que continuar com relatos de caça de aproximação aos corços. E mais uma vez numa região de grande abundância da espécie mas onde a qualidade dos troféus não se compara apesar de continuarmos nas regiões frias do Norte da Europa.

Pois é verdade, estamos a falar da Dinamarca, país de grandes tradições de Caça e de grandes caçadores. Depois dos anglo-saxónicos (ingleses e americanos) são os dinamarqueses aqueles que mais viajam por esse mundo fora em busca dos mais variados troféus de caça. E apesar de se tratar de um país constituído por um sem número de ilhas de maior ou menor dimensão e de um clima setentrional muito semelhante ao da Suécia o que é certo é que a protecção da natureza e das espécies bravias, atingem ali proporções maiores do que os actos de caça praticados. É por excelência o país dos gamos, dos veados e dos corços apesar dos últimos terem sido relegados  para um plano menor devido á  diminuta quantidade de carne produzida  se os compararmos com os seus primos.

 

Para visualizar o texto necessita ter instalado o Adobe Acrobat Reader, já que este se encontra em formato pdf .Para aceder  clique sobre o título.

 

(Publicado na desaparecida revista Calibre 12, em Setembro de 1995.)

Texto e fotos do autor do domínio.

 


Aos Corços na Suécia

Este texto diz respeito à reportagem publicada na revista Calibre 12, em Setembro de 1994, na qual se descreve uma das primeiras incursões de caça do autor em terras estrangeiras e desta vez com uma experiência inolvidável aos corços. Para visualizar o texto necessita ter instalado o Adobe Acrobat Reader, já que este se encontra em formato pdf . Para aceder ao mesmo faça clique sobre o título.

Texto e fotos do autor do domínio.


O texto que se segue, foi publicado na revista Caça Maior e Safaris e teve como objectivo chamar a atenção das entidades organizadoras de Montarias para a sua responsabilidade nas questões da segurança de tiro.

CAÇA E SEGURANÇA

A notícia recente de mais um acidente de caça, ocorrido durante uma Montaria, leva-nos a questionar de novo o problema da segurança nas Montarias e de uma forma mais geral, na Caça. Todos sabemos que a prática da actividade venatória, associada ao uso das armas de fogo, implica a existência de risco. No entanto, este risco deve ser assumido de forma responsável e ponderada. Para tanto será desnecessário recordar todo um conjunto de regras e de normas de segurança sobre armas de fogo, que até são do conhecimento do maioria dos caçadores mas que estes fazem questão de esquecer caindo assim, por terra, o conceito da responsabilidade. Por sua vez, no rebuscar dos mais primitivos instintos, o caçador transforma-se num predador maior alheando-se de tudo o que o rodeia e visualiza apenas a sua preza. Assim, e sem sequer se aperceber, perde a ponderação.

 

E o acidente acontece!

 

Se por um lado, os acidentes com armas de fogo que acontecem no decurso das práticas de Caça Menor têm consequências mais ou menos superáveis, o mesmo não se pode dizer quando a munição utilizada é uma bala disparada por uma espingarda de caça, ou pior, por uma carabina. Nestas situações o risco é tão grande que compromete a Vida Humana.

Por outro lado, as jornadas de caça não acontecem espontaneamente. No presente modelo de Regime Ordenado, qualquer actividade venatória implica a definição de um espaço, a escolha do processo de caça e a orientação dos caçadores no terreno – logo uma organização - considerando que a maioria dos participantes serão de fora da região ou área de caça seleccionada.

E esta questão arrasta-nos, irremediavelmente, para o actual panorama das montarias, em Portugal.

Todos sabemos que qualquer tipo de zona de caça, nos tempos presentes, “organiza” montarias. Chegamos ao ponto de realizar, no mesmo distrito e no mesmo dia, 5, 10 e mais montarias em simultâneo, sendo certo que o actual modelo de licenciamento facilitou o aumento da procura para este tipo de realizações. A montaria passou assim a ser encarada, pelas entidades gestoras, como uma forma mais fácil e mais rápida de angariar os fundos que sempre necessitam. E ao pretenderem realizar tantas montarias esquecem que a Segurança é a regra básica e fundamental quando se “arma” uma mancha. Esquecem-se também, com frequência, das regras de sustentabilidade da fruição dos recursos e esquecem-se de igual modo das regras básicas e de todos os pressupostos inerentes à organização responsável deste tão nobre processo de caça.

No caso vertente, disseram alguns dos presentes, que os postos estavam marcados ao longo de uma caminho recto e plano, e que apenas distariam, uns dos outros, cerca de 30 metros. Ora, só podemos entender este distanciamento entre postos pela “necessidade” de colocar na mancha um número de caçadores que esta não comportava. Só podemos igualmente entender que o acidente tenha ocorrido porque quem marcou aqueles postos não sabia como o devia fazer em relação ao caminho e em relação à mancha, apesar de se dizer que o caçador atingido se teria deslocado do seu posto. Face a estas declarações como entender então que um dos postos, ao atirar a um javali com bala de caçadeira tenha varado o animal e o caçador do posto anexo e que a bala tenha caído, já sem força, aos pés de um terceiro que se encontrava imediatamente a seguir?

 Nova questão se levanta se considerarmos, outra vez, o problema da responsabilidade.

Sendo certo que pelo simples facto de ser portador de uma arma de fogo a responsabilidade maior cabe ao autor do disparo, como tipificar então a responsabilidade da entidade organizadora que marcou aqueles postos? Como entender ou aceitar tantos desconhecimentos que não só podem pôr em causa a Segurança como, mais grave ainda, a Vida Humana?

Logo se fizeram ouvir vozes que propunham soluções de remedeio para evitar este tipo de acidentes: desde o uso obrigatório de coletes de sinalização até à proibição da marcação de postos nos caminhos, passando pela formação cívica do caçador e a realização prévia de testes psicotécnicos. Não seria mais eficaz responsabilizar as entidades organizadoras pelo cumprimento das mais elementares normas de Segurança?

Qualquer organizador de montaria deve ter sempre bem presente o factor risco inerente ao acto que se pretende levar a cabo e assim, organizar toda jornada de modo a tornar os ditos acidentes impossíveis.

Como?

- Utilizando as linhas de água para demarcar as diferentes armadas, fazendo com todos os tiros possíveis impactem na barreira oposta à localização dos postos;

- Distanciando os postos de forma que um eventual tiro lateral não possa ter consequências, usando para esse efeito os declives e curvas do terreno;

- Não sobrelotando as manchas, ou seja marcando apenas os postos que esta responsavelmente comporta, tendo em conta as considerações anteriores;

- Nunca marcando postos em locais onde o acidente seja possível, mesmo de forma fortuita. É preferível deixar sair animais sem serem atirados, do que facilitar um acidente.

- Cumprindo e fazendo cumprir escrupulosamente todas as normas e regras de segurança da Montaria que se encontram publicitadas.

Se todos os que organizam montarias tentarem cumprir com estas regras de segurança, certamente estarão a oferecer uma jornada de caça muito mais segura, logo de muito maior qualidade, contribuindo para que probabilidade do acidente acontecer seja mínima, senão quase impossível.

 

(Publicado na Caça Maior e Safaris, nº17 Março/Abril de 2010)

Texto e Ilustrações do autor do domínio

 


Este novo texto foi uma resposta ao meu amigo e companheiro de caça, António Inácio, alentejano caçador de origens e raízes, experiente monteiro e co-fundador da Escola de Caça do Clube de Caçadores Alvorada-pt.com. Para o Inácio tudo o que tenha a ver com campo e a Natureza é caçar...

Não atirar também é Caçar.

Apesar de ter sido conjuntamente com o Inácio o quase responsável deste polémico (e interessantíssimo) tema de discussão, peço desculpa por ainda não ter manifestado a minha posição sobre o assunto, primeiro porque estive fora uma semana e depois porque durante o fim de semana estive a "trabalhar" em caça.
Como disse da primeira vez, caçar implica a descoberta, perseguição e eventual cobro de um animal. É assim que acontece desde o princípio dos tempos, quer com o Homem enquanto animal racional, quer na Natureza com a forma de vida de todos os predadores. Logo, no nosso caso, caçamos com arma de fogo com o objectivo de encontrarmos uma peça de caça (maior ou menor), de atirarmos e a cobrarmos para efeito de consumo de sua carne (ou não).
Caçar é apenas e tão só isto.
A presente discussão extravasou e saiu fora do problema inicial: que era a observação do meu amigo Inácio o qual referia ter ido ao campo ver ou tratar dos cevadores, observar rastos, etc., etc., e que no fim disse que tinha " caçado mas não tinha morto ( ou atirado), e que isto também era caçar. (Desculpa-me Inácio se cometi alguma imprecisão mas já lá vai algum tempo...).

E foi então que lancei o repto de tal não ser caçar...
Este fim de semana estive todo o tempo desde sexta-feira á tarde, no centro do país, caçando veados, apesar de no sábado nem sequer levar comigo uma arma de fogo. Mas integrei um grupo de caça, onde existiam duas armas de fogo (carabinas), acompanhando o guia de caça e contribuindo para o cobro da peça. CACEI. ( apesar de não ter disparado e de nem sequer levar arma).
No domingo possibilitaram-me a gentileza de portar a minha carabina e tentarmos abater um animal para consumo próprio e, logicamente, desfrutarmos um pouco da presença no local.
Continuei a caçar.
Ao fim da manhã e cansado do esforço da véspera, farto de arrastar a minha .300 Magnum com um óculo que pesa 1Kg. decidi, numa passagem pelo monte, trocá-la pela minha mono tiro basculante em calibre .243 W que era muito mais leve e confortável de acartar.
Cerca das 11.00 (iniciámos as hostilidades ás 5.00 da madrugada) o meu guia indica-me uma fêmea de veado ( cria do ano anterior) para abate, dentro de um pinhal denso e com centenas de ramos secos de pinheiro entre mim e os animais ( que eram 6). Decido não arriscar o tiro através dos ramos devido às características do calibre (que bem conheço).
Alguns segundos depois o animal destinado ao abate move-se e destapa-se para uma zona mais aberta e preparo-me para lhe atirar, quando se chega também a progenitora que se coloca exactamente ao seu lado.
E recuso o tiro porque tinha o receio de matar dois animais com o mesmo tiro ou matar um e ferir o segundo, apesar do responsável local que me acompanhava insistir na ordem de tiro.
Nova movimentação dos animais. A cria agora está sozinha, meio encoberta e apenas lhe vejo cabeça completamente destapada. Informo o guia que vou tentar o tiro à cabeça, armo o gatilho de cabelo e quando o indicador direito se posiciona sobre o metal frio do gatilho, os animais arrancam todos e perco a última oportunidade.
Mais uma vez, amigos, CACEI... e de que maneira, caros amigos.
No entanto, na sexta-feira, assim que chegámos, fomos para o campo... ver outra propriedade. Passeamos pelos pontos de água e fomos ter uma noção da densidade de animais existentes. Vimos Veados, Cervas, Crias deste e doutros anos, vimos javalis (tantos que nem sei precisar o número e de dia sim, porque a zona é imensamente tranquila...) e tentámos encontrar um ou outro corço (também presentes na área).
Mas NÃO CACEI... apenas desfrutei o campo e a Natureza, dei um passeio pelo campo, tirei fotografias etc. Faltou, para ser caça, o objectivo primordial: a busca da peça com o objectivo do cobro.
E estas são para mim, as diferenças entre caçar e não caçar. Claro que adorei andar no campo, e com o meu instinto de caçador ( e de predador), sempre que saio do alcatrão ando sempre com "o nariz no chão" tentando ler o terreno - é instintivo - mesmo quando saio com a família, para o campo. Mas então não ando a caçar, mas tão só a passear.

(Publicado no Fórum Alvorada-pt.com em 15/06/2009)                                                                                                                                                                                                                           Ilustrações do autor do domínio.


O texto seguinte é uma adaptação (através da simples tradução para português) de um artigo publicado no jornal castelhano ABC por D. Iñigo Moreno de Arteaga, Marquês de  LAULA. Apesar do artigo comentar as críticas tecidas a acontecimentos e factos monteiros praticados por personalidades importantes do país vizinho, ele constitui também uma das mais belas apologias da Caça dos tempos modernos. Parte deste texto serviu-me  de base para o encerramento do recente colóquio sobre a Gestão do Javali e do Veado em  Áreas Abertas, realizado em Setembro passado, em Santarém, pelo Clube de Caçadores Alvorada-pt.com.

A CAÇA

Umas conversas inoportunas entre um Ministro da Coroa e um Juiz mediático deram origem a uma infinidade de comentários não só sobre a prática cinegética bem como sobre os diferentes locais da sua prática e ainda sobre a Caça em geral.

Alguns comentaristas, entendidos na matéria e detentores das “suas” verdades, não deixaram de fustigar um e de perseguir o outro que, nesta ocasião, não eram nem mais nem menos que  caçadores.

Uma vez mais este grupo social esteve na berlinda da pior publicidade. A caça caiu assim no “diz que disse” das festas plebeias, sendo maltratada com razão ou sem ela, com ou sem conhecimento de causa. Daqui resultou que,  numa sociedade que assenta na matemática como é a democrática, houvesse um milhão de espanhóis a quem se negou o mais elementar direito de respeito, os quais,  não se sabe com que argumentos, foram injuriados sem que ninguém se escandalizasse.

Este caso permite-me concluir que há minorias mimadas e colectividades maioritárias que são utilizadas como arma de arremesso.

O instinto recolector que os humanos têm impresso nos seus genes é por si só a origem da Caça  e de outras diferentes actividades humanas. Ao contrário do que acontece com outros instintos como o da alimentação para a sobrevivência ou o sexual para a continuação da espécie – que são cultivados e engrandecidos – o instinto predador não é reconhecido pela sociedade actual.

Se recordarmos toda a historia da arte, constatamos que a Caça foi não só fonte de inspiração nas suas primeiras manifestações, como se manteve ao longo de séculos e séculos. Exemplos disso são as grutas de Altamira com os seus bisontes cheios de vida e de realismo que ainda hoje causam a admiração de todos os que por ali passam.

Depois há todo um rosário de obras que se segue, tais como o friso de Kalah representando as caçadas de Asurbanipal, rei da Mesopotâmia, os frescos de San Baudilio de Berlanga, os desenhos de Durero ou os óleos de Cranach, Brueghel, Velásquez e Goya, que nos dão matéria para meditar e questionarmo-nos porque terá sido que estes  artistas se inspiraram na caça para produzirem tão grandiosas obras. E, falando de musas não são unicamente as da pintura ou da escultura as que se inclinam para a cinegética. Na música há igualmente exemplos em número suficiente: o Outono e as  Quatro Estações de Vivaldi, ou  em Puccini que escreveu grande parte das suas óperas (entre elas La Bohème e Madame Butterfly) alternando a composição musical com a caça aos patos no seu pavilhão de caça situado nas margens do lago Massaciucccoli.

Por outro lado a cinegética ajudou a criar um instrumento musical, a trompa, e um tipo específico de música para o qual existe mais de uma milhar de composições conhecidas.

Na arquitectura de Moritzburg, Chambord e na Pallazina de Stupinigi em Turin, abunda igualmente o conceito de que a caça é criadora de beleza e de veneração ou seja de espiritualidade . Também poderíamos estabelecer a relação entre a caça e a literatura e para isso iríamos rebuscar a memória dos tempos com os escritos de Xenofón e de Oppiano que também escreveram sobre este tema; já na Idade Média e dos escassos textos que se conservam, basta lembrarmos o Livro da Montaria do rei Afonso e o Livro da Caça de Gaston Febo.

Também nos tempos modernos é enormíssimo o número de autores e de obras relacionadas com a Caça.

Sendo assim, como é então possível que uma actividade tão arreigada nas entranhas do Homem, praticada desde sempre e ao longo de séculos, geradora de arte e de espiritualidade provoque, hoje em dia, tanta indiferença se não desprezo por parte de tantos sectores da nossa sociedade?

Por outro lado, o mundo actual é um mundo Urbano, concentrado em cidades que se converteram em “megapólis” completamente arredado do campo e da Natureza, o qual apenas conhece superficialmente de curtas visitas de fins de semana, na procura do ócio. No horizonte do asfalto e do cimento esquecem-se facilmente as leis naturais que acabam por ser consideradas como obsoletas.

No entanto, a morte, também faz parte desta mesma sociedade moderna.

Na Natureza a Vida e a Morte estão  indissoluvelmente  unidas, fazem parte do futuro e existem em todos os seres.

Por vezes a Morte é Cruel, como acontece com os carnívoros que devoram as suas presas ainda vivas, porque necessitam da descarga de adrenalina que este facto lhes proporciona, ou como com a Louva-a-Deus, que mata e devora o macho imediatamente após a fecundação.

A Natureza não é dócil nem sequer amável, mas na nossa civilização de plástico, todos parecem esquecê-lo ou não querer recordá-lo. E a caça, enquanto actividade primária com morte, é condenada sem apelo nem agravo.

Curiosamente, nestas sociedades modernas, a Morte é não só compreendida como bem aceite para todos os animais inferiores como por exemplo alguns insectos e répteis. É igualmente aceite e compreendida para alguns mamíferos que se consideram repugnantes – como os ratos – e seguramente para todos os animais domésticos considerados como base da alimentação humana.

Aliás, a nossa sociedade desenvolveu um sentimento de culpa em relação ao Ambiente e responsabiliza o homem por ter desequilibrado a Natureza, generalizando a ideia de que a actividade humana é perversa, pelo que mais uma vez se critica a caça como se ela fosse a origem de todos os males.

A utopia do Homem Inocente de Rosseau mudou-se para uma Natureza primária na qual o Homem deixou de ter lugar, já para não falar no caçador que é encarado como paradigma de destruição.

Pensar desta forma é o mesmo que criticar o ganadeiro por criar animais destinados ao matadouro.

Por sua vez o caçador, porque sabe que a sua actividade implica consumo, dedica especial atenção á renovação dos efectivos. Porque retira animais específicos, porque se preocupa com o vigor e com a abundância da espécie e se converte assim, egoisticamente, num conservador da Natureza.

A experiência vivida em algumas regiões de África, bem como em muitas montanhas da América e da Ásia confirmou que as espécies venatórias se potenciaram para a caça até um nível que era difícil imaginar. As populações locais compreenderam que era muito mais interessante cuidar dos animais do que utiliza-los como alimento e em consequência aumentou largamente o seu número e restabeleceu-se o equilíbrio ecológico. Foi devido à caça que se instalou a preocupação com o desenvolvimento e a vitalidade da fauna silvestre.

 Ao contrário do que aconteceu nas regiões onde se fechou ou interditou a caça.

 Em zonas densamente povoadas como acontece em toda a Europa, foram novamente os caçadores que possibilitaram a convivência entre os animais bravios e o Homem, fosse através do fornecimento de alimento nos períodos de crise, fosse protegendo ou coutando terrenos, fosse ainda regulando a sua densidade.

Em Espanha a Caça merece todo o respeito por se tratar de uma actividade que ocupa directamente 100 000 pessoas, cujos coutos ocupam cerca de 80% do território do país e gera uma economia cifrada em cerca de 5 000 milhões de euros, a qual incide especialmente em zonas deprimidas ou pobres, o que revaloriza mais ainda o seu impacto.

Os caçadores merecem igual ou maior respeito não só porque a sua condição humana o exige e por serem mais de um milhão de pessoas, mas também porque a sua acção é importante para o equilíbrio ecológico, e ainda porque o caçador do século XXI é um apaixonado da Natureza consciente de que o seu valor não se mede pelo número de peças abatidas mas sim pela forma como actua e pelo cuidado que dedica aos seus comportamentos.                                                                                                                 

(Publicado em Abril de 2009)                                                                                                                                                                                                                                                                   Ilustrações do autor do domínio.


O próximo texto serviu de base a uma tentativa de esclarecimento para alguns defensores das montarias ditas de Mata-Pendura. Arrastou-se o tema fundamentando-se as opiniões no pressuposto que não se deve caçar se não se consumir a carne dos animais caçados - facto com o qual concordo plenamente - mas argumentando-se ao mesmo tempo, que tal como na caça menor o caçador teria de ter direito à carne dos animais abatidos.

Conhecendo todos nós as consequências deste tipo de montarias, nas quais para além das frequentes desavenças pessoais derivadas da posse do animal, se considera a possibilidade de todo o tipo de acidentes, bem como o desvario de se atirar (ou matar) tudo o que aparece ou mexe) foi preciso esclarecer muito novos monteiros e outros tantos supostos organizadores porque é que as coisas eram como se diziam e não como pretendiam fazer passar.

 

Tal como prometi aqui fica o esclarecimento sobre as “polémicas” do modo MATA-PENDURA e consequentemente da posse da carne das espécies de caça maior cobradas em Montaria.
O que a seguir lhes apresento não se trata de uma mera opinião pessoal mas sim da constatação de vários factos históricos e de situações que se prendem com a organização das montarias em si.
Para isso tenho que dividir o tema em duas partes: A questão das Montarias e a questão da posse da Carne.


Comecemos pelo primeiro:

As Montarias são um processo de caça maior característico e exclusivo da Península Ibérica ou melhor - e realmente – de Espanha. Em mais nenhum local deste planeta se conhece ou sequer ouviu falar daquilo que é realmente uma montaria como processo de Caça Maior.
E em Portugal idem aspas, ou seja os portugueses só conheceram este processo de caça nos finais do século XX, pelo que, apesar de sempre se ter caçado no nosso país, a caça só se praticava sobre a caça menor. Os portugueses que praticavam a caça sobre as espécies maiores faziam-no em Espanha, de acordo com as regras, tradições e códigos dos espanhóis. Porque em Portugal não havia espécies maiores – estiveram extintas durante décadas e décadas. Portanto ninguém sabia o que isso (Montarias) era…
Pessoalmente tenho o prazer e o privilégio de fazer parte da geração que lutou pela implementação e generalização do regime ordenado e consequentemente ter participado activa e directamente nos processos de reintrodução/repovoamento das espécies de caça maior, em Portugal durante os primórdios da década de 90.
E tanto eu como todos os restantes que o fizeram (ou que de alguma forma participaram neste processo) fomos aprender como se fazia – imaginem – com os espanhóis. Porque esses sabiam fazê-lo e tinham dado provas disso durante décadas. E esta questão acaba por arrastar, indirectamente, a questão da carne.
Vejamos:
Espanha, século XIX: milhares de hectares de terra inculta, uma organização social e politica deficiente, grandes índices de pobreza (e até fome). Duas formas de aproveitamento da carne de caça maior : em certas localidades (aldeias ou vilas) organizavam-se “quadrilhas” de caça constituídas por meia dúzia de caçadores e um número razoável de cães que por não terem qualquer outra actividade se dedicavam a caçar semanas e semanas a fio (por vezes com autorização de quem de direito, mas frequentemente sem autorização de ninguém) com o objectivo de satisfazerem as necessidades alimentares pessoais, e de terceiros (com a comercialização da carne remanescente). Ou eram organizadas pelos proprietários dos coutos apenas para convidados e amigos e nestas o proprietário dava à carne o destino que muito bem entendia (consumo próprio, oferta a familiares e amigos e, esporadicamente, a comercialização). Não há caça comercial.
Espanha, século XX : poucas diferenças do modelo anterior e as que se verificaram foram devidas ao progresso e natural evolução tecnológica dos tempos. Mas grandes diferenças no modelo organizativo da caça: o estado associa a posse da caça à posse da terra e criam-se os cotos privados de caça. Porque se percebeu a riqueza que o património cinegético representava e porque dadas as condições geográficas existentes, o estado cedo compreendeu que não conseguia controlar e gerir todo o território disponível para caça e então nada melhor que entregar o seu a seu dono e assim resolver um problema enorme.
Agora as montarias , são organizadas pelos próprios couteiros ou em quem estes delegam tal função (o célebre Capitão de Montaria) por reconheceram a esta ou aquela personalidade a competência e o saber necessário para tal efeito. E as montarias continuam a ser dadas apenas para convidados e amigos, bem como o destino da carne continua a ser o mesmo do século anterior. Continua a não haver caça comercial.

Partida para a montaria (1908, Serra Morena, Espanha)

Mas para além de tudo o que ficou descrito, perguntarão os caríssimos leitores deste texto: “ mas afinal o que é que se matava nessas montarias?”
Pois é contrariamente a tudo o que possam pensar atiravam a:
- Veados adultos (identificáveis pela qualidade do troféu – um veado de 14 pontas é seguramente o animal de 6/7 anos de idade)
- Javalis MACHOS adultos (identificáveis pelo seu porte, dimensão e reacção perante os cães ou caçador)
E a que é que NUNCA atiravam:
- Fêmeas de Veado, porque elas eram (são) as progenitoras e as que mantêm a existência das populações.
- Idem para as fêmeas de javali seguidas ou não de crias.
E como conseguiam tal identificação: porque atirando apenas e exclusivamente de caçadeira (a carabina foi proibida durante décadas por ser arma militar) tinham que deixar entrar os animais muito perto para conseguirem resultados e eficiência ( levavam-se alguns cartuchos no bolso porque eram raros, caros e obviamente difíceis de transportar , para quem se desloca a pé com tudo o que fazia falta para dias e dias no campo).
E nunca atiravam a fêmeas ? Apenas quando absolutamente necessário ou seja quando de dava um “agarre” dos cães – o que acontecia raramente - e não havia outra solução.
A fome e a necessidade podiam ser grandes, mas a necessidade de manter os recursos disponíveis no campo eram maiores porque os tempos eram incertos e não se sabia o que o futuro traria. Portanto era necessário consumir racionalmente e aquilo que não se podia transportar não se matava.

                                                                     O resultado de uma jornada de montaria (30/Nov/1881, Adújar, Espanha)

E foram estes os códigos de conduta que os espanhóis nos transmitiram e com os quais concordámos.

E foi tudo isto, para além dos processos de ordenamento e de gestão das diferentes espécies de caça Maior que aprendi (aprendemos) com os espanhóis. Porque não temos nem nunca tivemos um modelo próprio de organização de montarias.

E porque o utilizamos e praticamos, não sendo nosso ?
Porque se lhe reconhecem as virtudes e porque a história já mostrou que os espanhóis sempre tiveram caça maior em quantidade e qualidade, tendo ainda sabido preservar espécies que aqui em Portugal se extinguiram (p.e. a Cabra Ibérica, vulgo Macho Montês e Lobo, que ainda caçam apesar de tudo e o lince, para citar apenas alguns exemplos). Seguindo, é claro, este modelo.

É por isso que nas montarias não de deve atirar a fêmeas (sejam elas do que forem) nem a juvenis.

É por isso que a Caça Maior é uma caça de Troféu.

É por isso que o Monteiro que se preza, e que como tal se considera, não atira aos animais referidos e não por sofrer de “maleita dos troféus” ou desejar pôr mais um “par de cornos” ou de dentes na parede.
Concluindo: quem monteia a sério (sim porque actualmente monteia-se muito a brincar. Infelizmente.) sabe a dificuldade que se apresenta em um animal adulto e experiente entrar aos postos, numa montaria. E conhecendo esta, o lance tem tanto mais valor do que disparar sobre dezenas de cervas ou javalinas atiradas de forma patética porque a sua maior preocupação é, em função da protecção da sua prole, abandonarem o local e nem se aperceberem qual foi o caçador que lhes varou o coração. ( já repararam que as fêmeas – dumas e doutras – vêm sempre acompanhadas da descendência????

Matilheiros e matilhas (1908, Serra Morena, Espanha)

Deixando agora de lado a questão das Montarias (já tratadas em anterior texto, no qual se explica porque é a Caça maior uma Caça de Troféu e não de carne) e apelando a alguns exemplos apresentados num tema paralelo deste fórum onde se referiam os casos de outros países, tenho igualmente que apresentar algumas considerações.
O consumo da carne de caça maior associado ao acto cinegético é acima de tudo uma questão de tradição e uma questão cultural.
De tradição porque há países nos quais as populações sempre deram valor ao consumo da carne dos grandes animais e assim foram habituados em termos alimentares de geração em geração.
Cultural porque cada cultura tem os seus hábitos específicos, os quais, de alguma forma se ligam igualmente à tradição (os orientais comem cães, gatos, ratos e toda a espécie de insectos, facto que os ocidentais repudiam e justificam com a cultura do oriente).

E o consumo da carne de caça maior em Portugal, não se prende nem com a tradição, (porque o facto é ainda muito recente) nem sequer é cultural (há trinta anos atrás 98% da população portuguesa não conhecia sequer o aspecto da carne de javali, quanto mais da do veado).
Argumentou-se que se optava por consumir esta carne para evitar a questão comercial, porque era melhor que deixá-la no campo para abutres comerem, porque se não se comesse não se devia caçar etc, etc, etc.

Adiante.
Deixando de lado as filosofias, analisemos os que se passa por esse Mundo Cinegético além, usando para isso quer o conhecimento pessoal directo, ou relatos entidades fidedignas. É contudo preciso salientar que os exemplos servem apenas para caça maior de aproximação (com ou sem cães) e eventualmente de batida para pequenos grupos. AS MONTARIAS NÃO EXISTEM POR ESSE MUNDO FORA. Só na Península Ibérica.

Europa de Norte: Suécia, Finlândia, Dinamarca e Noruega. Já lá cacei em três momentos distintos a corços (espera e aproximação) e a alces (aproximação com cães e batida de três armas com quatro batedores).
Estes países têm grande tradição do consumo de carne de caça maior, pela tradição e pela questão cultural. Devido á climatologia da região e aos longos meses de isolamento por causa da neve as gentes habituaram-se a ter uma geleira bem apetrechada para os meses de Inverno. Aliás estes países só são considerados ricos há cerca de 40 anos, porque até então apresentavam também elevados índices de pobreza, pelo que a carne de caça era um recurso alimentar fácil e barato. Hoje é ao contrário. Caçando aos corsos numa propriedade privada do Sul da Suécia, a entidade gestora vendia as carcaças de caça directamente ao consumidor (qual fiscalização veterinária?) de forma legal. Dois dias antes da abertura as encomendas superavam as perspectivas de abate. Valor da carcaça para consumo local (em moeda antiga) 3 000$ /Kg. Valor da taxa de abate por animal caçado independentemente do troféu: 12 000$. Caça comercial e carne Comercial. Eu e o meu companheiro de caça, querendo provar a fabulosa carne dos corços tivemos, para além, do pagamento de taxa de abate, que comprar uma carcaça de um dos corços caçados, a qual as nossa esposas cozinharam o melhor possível com as indicações culinárias (?) do gestor da zona.
Sobre a caça aos alces, aproveitaram a minha presença na Suécia, para, conjuntamente com o dono da propriedade e o gestor da caça, se organizar uma batida de três postos na tentativa de cobrar para carne, dois alces assinalados na zona, Como as batidas foram infrutíferas, caçámos dois dias de aproximação com um cão especialista que apenas deu com uma fêmea de alce, a qual não se atirou, prendendo-se o cão e voltando para trás. Por muito desejada que fosse a carne a arca ficou, desta feita, vazia. (Sem mais comentários)
O mesmo se passa nos outros países referidos Noruega e Finlândia. Na Dinamarca, convidado por um amigo proprietário e agricultor local, que tinha vendido a caça a um outro organizador local, fui igualmente caçar corços. Quando reunimos para acertar os custos da caçada fui esclarecido pelo dito organizador que não pagaria abates, porque necessitava de 23 carcaças para satisfazer as encomendas que tinha e não dispunha de tempo para as cobrar todas, logo qualquer ajuda era bem vinda. Caça meio comercial Carne Comercial.

Inglaterra e Escócia: basta consultar qualquer local da Internet sobre caça de cervídeos. Caça Comercial, Carne Comercial.
 

Europa Central e de Leste: idem, idem, aspas, aspas.

Mudemos de Continente:
América do Norte (Canadá e USA), América Central e do Sul: duas modalidades de caça. Ou o próprio vive na região e adquire para além da licença de caça as licenças individuais para cada espécie limitadas a um, dois ou eventualmente três animais (dependendo da espécie ou da região); vai sozinho ou com mais um ou dois caçadores, caça de aproximação, cobra, marca e trás para casa. Preços da licença de abate, o equivalente custo da caça mais o valor do animal em termos da sua reposição na natureza; fica mais barato comprar carne no supermercado.
Ou caça guiada onde se contrata o guia residente na região por x dias, se caça, se cobra ou não o animal e em caso afirmativo trás para casa o troféu. A carne é pertença do guia (ou organizador, não será?) que a pode ou não vender e ao preço que bem lhe apetecer. Caça Comercial, carne comercial no primeiro e no segundo caso.
Deixo deliberadamente de fora a questão do continente Africano por, apesar da longa presença portuguesa, se tratar de uma realidade de caça completamente diferente. Processos de caça de aproximação e batidas (frequentemente através do fogo). Ordenamento nenhum. Controle efectivo raríssimo para não dizer inexistente. Limites de caça ou de espécies nenhum. E veja-se a realidade a que chegaram, com este modelo, muitas espécies e muitas regiões de África. Não pode nem deve servir para exemplo do que se pretende.
Assim sendo e depois de todo este arrazoado acabamos por verificar que a carne da caça maior por quase todos esse mundo além, é propriedade do dono da caça, seja este o dono da terra, o organizador ou o gestor cinegético.
Nunca por nunca ser a carne da Caça Maior, foi propriedade do caçador que cobrou o animal em acto de caça. Pode sim ter acesso a ela mediante um pagamento extra. Porque, e voltando á velha questão, em todo o Mundo a caça é propriedade do dono da Terra e não de quem dela se apropria.
Por tudo isto, em Portugal, seja de Montaria seja através de qualquer outro processo, a carne da caça maior não poderá nunca pertencer ao caçador excepto nas circunstâncias referidas ou por qualquer outra excepção, Contudo se o dono a quiser oferecer esse será seguramente outro assunto.
Confundir caça menor, onde não faz sentido (porque são coisas muitos diferentes), o caçador não se apropriar da carcaça do animal, com a caça maior é querer justificar o injustificável.

É por isso que a Caça Maior não é (nem nunca foi) uma Caça de Carne.

É igualmente por isso e pelo que ficou descrito no texto sobre as Montarias, que em Portugal ou em qualquer outro lugar, não pode haver Montarias de MATA- PENDURA.

Se por outro lado me disserem que em Portugal, não havendo tradição, não sendo uma questão cultural, que não havendo regras próprias mas sim copiadas de terceiros deveremos fazer o nosso próprio código de conduta para caça maior, então sim senhor que se faça, mas que se tenha em atenção os exemplos das boas práticas (como está na moda dizer), para que não caiamos no ridículo e no caminho da destruição total para satisfazer egos.
E quem não concordar, então que abandone o barco, porque seguramente não tem o direito de criticar todos aqueles que muito se têm dedicado ao desenvolvimento da caça maior nacional, sem o trabalho dos quais hoje não seria possível fazer as tais montarias de Mata-Pendura.
Se estes não sabem nada, e os novos “monteiros” que se acham cheios de direitos, já sabem tudo (certo é que ainda não aprenderam com a geração que lhes proporcionou o que agora podem desfrutar) então estamos muito mal encaminhados em termos de futuro.

(Publicado no Fórum Alvorada-pt.com em 29/01/2009)                                                                                                                                                                                                                           Ilustrações do autor do domínio.


Página Inicial