A MONTARIA

Como Atirar em Montaria

 

 

                                                                                                                       

    A Montaria ...

    A Montaria é o processo de caça maior mais conhecido, provavelmente, de todos os os caçadores portugueses. Organizam-se montarias em Portugal desde o distrito de Bragança até ao concelho de Vila Real de Santo António, em zonas de caça ordenada  (turísticas, associativas, nacionais e municipais) e até nos terrenos livres ou não ordenados.

    Quase me atrevo a mencionar que poucos serão os caçadores portugueses que até a este momento não tenham participado ou pelo menos assistido a uma montaria. Ou se não, a um acto de caça a que alguém chamou de montaria.

    Actualmente podemos obter um posto de montaria por valores muitos distintos; desde o custo zero até valores que ultrapassam os      5 000 euros (sim, o número está correcto e não há enganos). E tal não significa que umas sejam piores ou mais mal organizadas - enquanto acto de caça - do que as outras. Quero com isto dizer que o preço não é um referencial de qualidade, a não ser em raras excepções.

    Devo referir que um dos meus processos de caça favoritos é, seguramente, a montaria; foi este o meu primeiro contacto com a caça maior, há 28 anos atrás; e desde logo a minha primeira grande paixão, porque nesses tempos as manchas eram grandes e sobrelotadas de rezes, os monteiros poucos e experientes, os postos relativamente baratos e os organizadores, por se contarem pelos dedos de uma mão, sabiam o que andavam a fazer no campo.

    E com alguns deles aprendi muito do que sei hoje.

    Mas voltemos à montaria.

   Trata-se de um processo de caça que envolve muita gente ( caçadores, postores, carregadores, matilheiros e pessoal da organização) e que, por consequência, necessita de ser realizado numa área significativa de terreno, preferencialmente onde existam efectivos razoáveis de animais, que neste processo específico são o Javali, o Veado e pontualmente o Gamo e o Muflão. Pelo trabalho que dá a organizar e pelos cuidados e regras a observar,  tenho por hábito comparar a organização da montaria à preparação de uma grande batalha medieval onde apenas se combatia a pé e com armas brancas.                                                                                                                                                                                                     Posto de Montaria

    Antes de nos decidirmos organizar uma montaria temos de tomar algumas decisões muito importantes sob pena de todo o nosso trabalho ser inglório. Vejamos então como proceder.

    Em primeiro lugar devemos escolher cuidadosamente a zona a montear; depois temos que "estudar a mancha"; seguidamente definir a localização dos diferentes postos; só depois definir o número e o local de solta das matilhas e finalmente estruturar uma eficaz recolha das rezes abatidas. Como é óbvio compreende-se que me estou a referir à organização de uma montaria a sério.

   A escolha da zona a montear:

   Porque as montarias se realizam (de acordo com o Regulamento da Lei da Caça) durante os meses de Outono e de Inverno e porque as espécies de caça maior são sensíveis à temperatura e à chuva, devemos escolher uma zona em que as encostas estejam mais viradas a sul (soalheiras) do que outra com uma orientação diferente. Depois há que verificar o coberto vegetal que deve ser suficientemente espesso e denso para proporcionar bom abrigo e melhor protecção aos animais.

                         

                                                           A                                                                                                                    B

                                                                                                                        C

             A - Mancha de Serra, húmida.     B - Mancha medianamente elevada, de Umbría.     C - Mancha de Serra, Soalheira.

    Os exemplos acima ajudam a formular uma ideia de comparação para a escolha do local de montaria. A mancha A seria uma opção para uma época mais quente e seca. A mancha B para uma realização em princípio de temporada e a mancha C para sem dúvida ser "dada" durante o Inverno. É claro que estas decisões não são assim tão simples. É igualmente importante o conhecimento do terreno, as querenças dos animais existentes na região, a eventual pressão de caça, a tranquilidade da zona, para citar apenas algumas outras condicionantes.

    Estudar a mancha:

   Sobre este tema aproveito para prestar homenagem a um grande Monteiro português, infelizmente já falecido, fundador do Clube Português de Monteiros, a quem carinhosamente tratávamos por Tio Jorge ( Jorge de Andrada Roque de Pinho) e com quem tive o prazer de viver grandes momentos de caça maior, em várias montarias ao longo da década de 90. Em 1983 o Tio Jorge elaborou para a então Direcção Geral das Florestas, um folheto intitulado " Elementos para a Organização de Montarias em Portugal" onde referia:

  " Estudar a mancha é averiguar a quantidade, qualidade e os lugares principais em que se encontra encamada a caça maior que se pretende bater. Isto é estudar os rastos que, segundo o tempo que faz e a natureza do terreno, são mais ou manos difíceis de descobrir. Pesquisar o monte onde comem o veado e o javali, e as águas pela segurança dos indícios que oferecem no verão. Verificar as saídas dos encames possíveis que, se não se encontram, é porque ali não estão as rezes."

   Disto isto, atesta-se a importância deste trabalho de estudo. Alguns caçadores  que se metem a organizar montarias têm por hábito escolher manchas onde se encontram muitos sinais de presença da caça, como o fossado, os lameiros mexidos ou restos de comida. Depois ficam desiludidos porque os resultados obtidos são muito fracos ou nulos. Tal acontece porque fizeram a montaria onde as rezes comiam e não onde estavam encamadas a descansar. E nos locais de descanso não há sinais de presença mas tão só rastos de entrada e saída na mancha. Devemos pois lembrarmo-nos que os períodos diários de actividade das rezes são diferentes dos dos humanos. Logo há que buscar as rezes onde elas podem estar encamadas e sempre com o devido cuidado para que não se espantem e abandonem estas áreas prematuramente.

    É pois um trabalho prático de campo para ser realizado por um só individuo, em silêncio e evitando ao máximo entrar na mancha. Quantas mais pessoas ali andarem, maior a perturbação causada e maior a possibilidade de, a pouco e pouco, os animais, por desconfiarem, irem mudando os locais de encame.

    Quando se comprova que ali estão, através de indícios seguros, é costume manter a região no maior sossego possível e utilizar um ou outro caminho no seu interior para disponibilizar largas quantidades de comida, mais com o objectivo de verificar se a consomem    (se sim  é porque ali se mantêm), do que para evitar que se mudem. 

Javalis abandonando prematuramente a mancha.

    A Localização dos Postos:

   Para este efeito costumo usar a técnica de um outro conhecido organizador português - Eng. Rui Ramalho ( técnico dos Serviços Regionais das Florestas) que costumava perguntar onde se situava o ponto mais alto da zona de onde se pudesse vislumbrar toda a área a montear. E, é um facto que, de cima, tudo se vê: por onde serão as saídas da mancha mais querençosas, por onde pensamos que dificilmente sairão, onde deveremos - ou poderemos - soltar as matilhas  ( uma ou várias soltas dependendo da inclinação do terreno e do seu coberto vegetal), onde se situam as linhas de água nas quais poderemos colocar uma ou outra travessa ( linha de postos dentro da área da mancha) e onde deveremos "fechar" a mancha ( colocar os postos que encerram a área a caçar).

    Com este tipo de observação conseguimos responder a várias perguntas em simultâneo: quantos postos leva a mancha, quantas matilhas vamos necessitar para bater o terreno, onde vamos proceder à solta dos cães e como vamos colocar as diferentes armadas  (linhas de postos na mancha).

    Quanto ao número de postos deve-se ainda salientar que é o terreno que define o número possível e não o contrário: uma mancha suporta 35 postos e são estes que devem, exclusivamente, ser marcados e não 53 (porque esse era o número de inscrições de que dispúnhamos). Se precisarmos de colocar ( diria comercializar) mais postos, então temos o dever e a obrigação de escolher uma mancha com outras condições ou de maiores dimensões.

    Sobre a localização dos postos as regras básicas e fundamentais são três: SEGURANÇA, SEGURANÇA e  visibilidade. Como facilmente se compreende a segurança é o factor primordial, considerando que a maioria dos caçadores têm nas mãos uma arma de fogo de cano estriado que dispõe de alcance e poder mortífero incalculáveis. E sabemos que é fácil  olhar só para o animal e não nos apercebermos do companheiro de caça que está ao nosso lado, mesmo na linha de tiro.

   Por regra á habitual distanciar os postos cerca de 100 metros uns dos outros, dependendo dos desníveis do terreno, da visibilidade da zona ( em função do mato) ou dos acidentes naturais ( em escarpas onde não passa uma pessoa também não consegue passar nenhuma rês). Se a área  do posto tiver mato muito fechado e não se conseguir ver um veado, não valerá a pena marcar um posto.

    Quando o terreno é muito direito e  os postos se encontram no mesmo plano, estes devem, obrigatoriamente, ser marcados e escrupulosamente ocupados junto à mancha e não afastados desta - se for necessário atirar a um animal seguramente não atiraremos na direcção de um companheiro, mas correremos a mão em sentido de afastamento dele.

Correcta colocação de um posto em terreno plano

E uma imagem real para que melhor se compreenda a que nos referimos. Note-se na linha de postos.

    No que se refere à marcação dos postos é pertinente mencionar que este trabalho deve ser concretizado pelos menos um mês antes da realização da montaria, sinalizando convenientemente cada um, utilizando materiais duráveis e que não sejam facilmente retirados por terceiros ( como uma placa de madeira presa com um arame a um tronco ou arbusto resistente).

   Convém ainda mencionar que se podem colocar dois tipos distintos de postos: as armadas de fecho, que se destinam a cobrir as principais zonas de fuga para o exterior da mancha e as travessas que mais não são do que pequenas armadas colocadas no interior desta (normalmente junto a linhas de água mais ou menos afundadas) sendo que estes postos devem ter um espaçamento superior ao dos das armadas de fecho. A justificação para este facto é que as travessas se destinam apenas a provocar maior movimentação dos animais levantados pelas matilhas ( os javalis têm a tendência de se ficarem nos espaços não cobertos pelos cães entre as diferentes matilhas). São, contudo, estes postos os que, por regra, mais possibilidade têm de atirar e pretende-se que as rezes possam igualmente chegar aos postos de fecho, daí estes terem que estar bastante mais espaçados.

    Sobre a escolha do local de solta das Matilhas igualmente se devem tecer algumas considerações; primeiro vamos a saber com quantos cães se deve bater o terreno (cada matilha de Caça Maior é constituída, nos termos da lei, por um mínimo de 24 cães). A definição deste número volta a depender das características do terreno e do seu coberto vegetal, sendo que, tecnicamente, se define em número de cães por hectare de mancha a montear. Vejamos: para uma mancha de 500 ha. com terreno muito dobrado e com coberto vegetal de estevas com décadas de idade, tojos e silvados de grande dimensão devemos utilizar uma média de 1 cão por ha ( 500 cães) ou seja 20/22 matilhas. Se por outro lado a nossa mancha for mais plana e o coberto vegetal menos denso então poderemos reduzir este número a metade e montear com cerca de 10 matilhas. E ... senhores organizadores: uma mancha desta dimensão caçada com 2, 4 ou 5 matilhas não é uma montaria, mas sim uma simples batida.

    E depois onde vamos soltar todos estes cães ? Sabendo que a maioria dos transportes das matilhas não dispõe de tracção às quatro rodas e que nesta época do ano os caminhos estão normalmente encharcados ou com muita lama, tratem de descobrir um acesso firme e seguro para estes veículos, porque se um deles ficar atascado, não passa mais nenhum e os imobilizados não podem chegar ao local de caça. Por vezes e nestas circunstâncias deve-se soltar os cães bastante fora da mancha, ainda em terreno limpo, para que possam cumprir a sua missão.

    Como condições finais para a escolha  da entrada das matilhas consideremos os factos de que os cães caçam melhor com o "vento no focinho" e que a mancha deverá ser sempre batida da parte mais larga para a parte mais estreita. Se por acaso a mancha tiver uma forma homogénea, podemos utilizar vários modelos  de solta e de trabalho de matilhas, lembrando-nos sempre que o trajecto destinado a cada matilha não deve ser demasiado extenso ( quando os cães estiverem cansados deixam de caçar e acabou-se a montaria).

Diferentes modelos de trabalho das Matilhas

    As linhas a negro representam os limites da mancha e as armadas. As setas azuis representam o movimento das matilhas.

 

 

 

    Uma mão, só ida. Ideal para manchas compridas, planas e de "pouco" mato. Se houver cervídeos na mancha deve-se caçar com ida e volta das matilhas. Na primeira passagem saem os veados (sempre os primeiros a sair) e na segunda "trabalham-se" os javalis.

 

 

 

 

  

 

   Ao choque (ou ao meio). Duas soltas diametralmente opostas, com ida e volta. Quando se encontram as matilhas de cada lado, iniciam o regresso. Ideal para manchas  de encosta de serra.

 

 

 

  

 

 

    Cruzadas. Duas soltas diametralmente opostas com ida e volta. Ideal para manchas de serra com duas encostas. A parte  central da mancha seria o topo da serra  na posição longitudinal.

 

 

 

 

 

 

 

    De volta inteira. Uma única solta com as matilhas alinhadas tal como linha de caçadores de caça menor. Ideal para manchas de vale situadas entre serras.

 

 

 

    Para além destes modelos poderão considerar-se outros provenientes de diferentes combinações entre os apresentados, sendo que tais possibilidades apenas dependem da sensibilidade do prático de campo que organiza a montaria. Os referenciados são os mais frequentemente utilizados, o que não significa que não se deva usar outros diferentes.

    Finalmente uma última referência ao porte dos cães: se as manchas forem muito densas e só tiverem javalis devemos escolher matilhas com cães de porte pequeno e médio, porque se desenvencilham melhor dentro de mato espesso. Se as manchas tiverem javalis e veados devemos contratar algumas matilhas de cães de grande porte que têm mais corrida e melhor alçada sobre os veados. E, mais uma vez senhores organizadores... : falamos de matilhas de caça maior ( cães especificamente treinados para este efeito e que só se interessam por este tipo de caça) e não qualquer grupo de cães de caça menor, a que alguns chamam de matilhas, e que, quando soltos numa mancha, apenas assinalam as espécies de caça menor, gorando completamente o resultado da montaria. E querem saber onde as encontram? Simples. Contactem os Serviços de Caça da Região Cinegética, porque lá estão registadas todas as que existem e essa informação é pública.

    A recolha das rezes abatidas é talvez a situação mais fácil de resolver: os postores ( pessoal contratado para colocar os postos de cada armada, coadjuvados por alguns amigos que sempre levam para observar a festa da montaria - e que também contratamos) encarregam-se, no fim da caçada, de recolher os diferentes postos e assinalar, em impresso previamente fornecido, os quantitativos e locais onde se encontram os animais cobrados. Depois, e por vezes com a ajuda do próprio caçador facilita-se a sua colocação perto de uma caminho ou aceiro onde possam ser rapidamente carregados nos veículos destinados a esse fim, para que possam estar no local da concentração no máximo de duas horas após o terminus da montaria.

    Este local de concentração deve ser estabelecido numa área com o mínimo de condições para receber as pessoas ( Monte local, café/restaurante, área de lazer, etc.), mas suficientemente distante do local da mancha, para que o ruído provocado por toda esta urbe não ponha os animais de sobreaviso e os faça abandonar o encames antes de tempo.

    Finalmente trata-se de passar tudo ao papel, marcar a data da montaria, e respeitar as regras de conduta inerentes a este tipo de realizações cinegéticas.

Mapa de uma Montaria podendo observar-se a localização de todos os postos ( num total de 28), bem como o modelo de trabalho das matilhas ( 12). Note-se ainda a existência de espaços sem postos, porque ali não passava (e não passou) nenhum animal. Mancha com cerca de 100 ha. e coberto vegetal muito denso ( mato com mais de 50 anos) e muito dobrada.

E o quadro de caça dessa mesma Montaria que se realizou com apenas com 22 postos ( foram retirados os postos nºs 1, 11,16, 21,27 e 28). O resultado foi de 29 Javalis e só um posto não atirou.

    Para encerrarmos o tema da montaria resta transmitir a quem ocupa os postos desta modalidade as Regras da Montaria as quais nunca são demais lembrar (e relembrar).

NORMAS DE MONTARIA

(retirado e adaptado do site do Clube Português de Monteiros)

1. Na deslocação para o posto, deverá guardar-se o máximo silêncio, a arma descarregada e dentro da respectiva bolsa, seja a pé ou em viatura .
2. É expressamente proibido utilizar zagalotes; apenas poderá atirar com bala, seja com arma de cano liso ou de cano estriado.
3. Ao chegar ao seu posto considere-se em acto de caça. Respeite escrupulosamente o posto que lhe foi destinado.
4. É expressamente proibido "dobrar" postos. A presença no posto de duas pessoas, obriga a levar apenas uma arma.
5. Mostre-se claramente aos ocupantes dos postos vizinhos e saiba exactamente onde eles se encontram.
6. Respeite o campo de tiro dos outros, não "cortando" as reses e deixando cumprir (entrar) a caça.
7. Não se deverá atirar a reses que tenham cães muito próximo ou em "agarre"; respeite Matilheiros e Matilhas.
8. Não atire a um animal senão perfeitamente visível e identificado.
9. Em tiros muito longos, as probabilidades de êxito são muito menores. Certifique-se que, na sua trajectória, não porá ninguém em perigo.
10. Se tiver de sair do posto, faça-o na máxima segurança, avisando e "mostrando-se" aos companheiros.
11. Não deve atirar a animais pequenos ou fêmeas acompanhadas de crias.
12. Não é permitido ao Monteiro o corte do troféu dentro da manha, durante ou no final da Montaria.
13. No caso de dois ou mais Monteiros terem atirado ao mesmo animal ,o troféu pertence a quem lhe fez sangue em primeiro lugar. Qualquer dúvida surgida, será resolvida no final, pelo Director de Montaria, sempre que possível no próprio local, sendo a sua decisão inapelável.
14. O "pistear" um animal ferido é, em primeiro lugar, da responsabilidade do Monteiro. Caso o não faça, dificilmente poderá depois reclamar o respectivo troféu.
15. É dever do Monteiro, tentar rematar uma rês que esteja a ser "agarrada" pelos cães, perto do seu posto, e na ausência do Matilheiro.
16. As reses abatidas deverão ficar bem assinaladas, para facilitar a sua posterior recolha
17. No final da Montaria, assinalado ou não através de morteiro, não deverá abandonar o seu posto, devendo fazê-lo apenas e quando o postor da sua armada o vier recolher.
18. Eventualmente, e por decisão do Director de Montaria, desde que anunciada no início da mesma, poder-se-ão alterar algumas das normas anteriores, nomeadamente os nº3, 11, 12 e 17.

 

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Este site foi actualizado pelo última vez em 05/02/09